por CLAUDIO SOARES SAMPAIO
O mês de junho tem sido conhecido como o mês de São João. Apesar de neste mês serem homenageadas outras figuras religiosas ilustres como Antônio de Pádua (dia 13), o famoso pregador da Idade Média e Pedro, o Apóstolo (dia 29), é São João (dia 24) quem ganha maior destaque que estes dois e se torna, por assim dizer, o dono do mês.
Talvez aqueles que moram nos grandes centros não compreendem de todo a força dessa tradição. Porém, no interior de alguns Estados e em regiões como o Nordeste do país, as festas de São João têm a força expressiva do carnaval, no Sudeste. Ali, a festividade toma os ares dos antigos cultos da fertilidade e os nordestinos aproveitam para agradecer pelas chuvas que apesar de raras são vitais para a manutenção da vida e da agricultura na região.
Eu mesmo cresci numa pequena cidade interiorana de Minas Gerais e fazia parte de nossa tradição de família a confecção das famosas fogueiras de São João. Na noite de véspera dos dias ditos santos, sempre as fogueiras estavam acesas à porta dos terreiros de nossa rua. Nessas ocasiões, era sempre comum a queima de fogos, o estouro de bombinhas e a abundância de guloseimas típicas como canjica, batata-doce, pipoca e quentão. E apesar de que essa festividade seja acompanhada de danças e grande bebedeira, tem sido reconhecida pelo Catolicismo como legitimamente cristã.
Mas uma pergunta que muitos fazem é: de onde teria vindo a tradição da festividade e da queima de fogueiras a São João? Teria sido da Bíblia, da Tradição ou da História secular?
Bíblia, Tradição ou História?
O interessante é que em meus dias de menino, apesar de cumprir religiosamente a tradição a cada ano, eu pouco sabia acerca do principal personagem homenageado e nem mesmo a razão das fogueiras acesas. E até pouco tempo, eu pensava que o São João celebrado em junho era um dos 12 apóstolos de Jesus Cristo. Descobri, porém, recentemente, que o dito personagem não se tratava de João, o apóstolo amado, e sim de João, chamado Batista, filho de Isabel e Zacarias, tios de Jesus, Nosso Senhor.
A origem pagã dessa festividade remonta o antigo costume europeu da celebração do solstício de verão, com a grande fogueira do dia de “Midsummer” (24 de junho), quando, segundo crenças, o Sol atinge sua plenitude. Tratava-se de um rito da fertilidade, relacionado com o culto ao Sol. Historicamente, pode-se dizer que sua prática antecede a tradição cristã Católica.
A tentativa cristã de legitimação dessa festividade vem de uma antiga lenda envolvendo a mãe de Jesus e a de João, o Batista. De acordo com a Bíblia, Maria, a mãe de Jesus e Isabel eram parentes próximos (Lc 1:36). Segundo a tradição, Maria, mãe de Jesus e Isabel, esposa do sacerdote Zacarias combinaram para que, quando o filho de Isabel nascesse, esta ascenderia uma fogueira para avisar a Maria. O filho que nasceu a Isabel foi aquele conhecido como João Batista, que é o homenageado a cada ano, nas fogueiras de junho. Dessa lenda, o dia de “Midsummer” no qual uma grande fogueira era acesa convergiu na tradição das fogueiras na véspera de São João.
Sabemos que João, o Batista é apresentado na Bíblia como profeta. Era filho de Zacarias, um sacerdote judeu e o precursor de Jesus, apresentando-O como Messias de Israel. Cabe a ele a honra de haver batizado Jesus. Seu ministério profético findou ao acusar publicamente o rei Herodes de adultério com sua cunhada Herodias. Foi preso e posteriormente decapitado pelo rei Herodes, em razão de uma promessa feita a Salomé, sua enteada, que em retribuição a uma dança, pediu numa bandeja, a cabeça de João Batista.
Durante certo tempo alguns teólogos liberais acentuaram demasiadamente a figura de João ao afirmarem que Jesus teria sido inicialmente, um de seus seguidores. Isso, talvez pela simples razão de haver sido batizado por ele. Alguns o ligaram aos Essênios, um movimento marginal do Judaísmo tardio, com sua crença apocalíptica e seus ritos ascéticos. Porém, não é isso que os evangelhos afirmam.
Hoje, como crente bem instruído na Palavra de Deus, entendo que na verdade, João Batista foi um grande seguidor de Jesus. João mesmo teria reconhecido ser menor que Jesus; e no Quarto Evangelho há uma afirmação inequívoca de que João era apenas uma testemunha da Luz, que era o Verbo, Nosso Senhor Jesus Cristo (João 1:7-8). Porém, quando chegou a Verdadeira Luz que ilumina a todo homem, ele, João, que era uma pequena luz, começou a se desvanecer. Ele recusou qualquer honra para si mesmo e as transferiu todas para Jesus. Diante de Jesus, o Cristo, que era no seu entender, a Palavra Encarnada, ele se dizia apenas como uma voz clamando num deserto, sequer se achando digno de desatar as correias de Suas sandálias (João 1:27).
Desse modo, nada na História ou na Bíblia legitima a celebração da festa em sua homenagem. Tudo surge de fato de uma tradição, cuja legitimação se estabelece com base em uma lenda.
Três Observações
Junho chegado, gostaria de deixar aqui algumas poucas observações acerca desse assunto, como uma possível orientação aos que se interessam pela verdade acerca dessa tradição:
1. Em primeiro lugar, gostaria de falar aos devotos de São João. Gostaria de frisar que apesar de alguns cristãos (à minha semelhança quando menino), a cada ano teimosamente buscarem homenagear ao santo, este deveriam se lembrar que quando em vida, João jamais pediu ou desejou honras e homenagens para si mesmo. Abdicou de seu posto privilegiado de sacerdote, em razão da corrupção do sacerdócio (1). Quando alguns de seus discípulos enciumados vieram relatar novidades sobre o ministério de Jesus, teria ele dito: “convém que Ele cresça e que eu diminua” (João 3:30). Pedro, certa vez, se negou a receber uma reverencia de joelhos por meio de Cornélio, “o levantou, dizendo: Ergue-te, que eu também sou homem” (Atos 14:15). Estes homens santos e piedosos talvez diriam a mesma coisa hoje àqueles que teimosamente os elevam a uma posição que jamais ambicionaram nem lhes foi dada por Deus, de acordo com Sua Palavra inspirada.
Assim, ao chegar o mês das festas, seria importante nos lembrarmos que no conceito cristão, todas as homenagens litúrgicas deveriam ser dadas a Cristo, em função de Sua ressurreição dos mortos: “Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra” (Filipenses 2.9-10).
2. Por outro lado, lembro que apesar de outros cristãos tradicionais em sua educação cristã negarem de modo radical os traços legítimos da antiga tradição, tanto quanto eu saiba, por trás de tudo permanecem figuras históricas e autenticamente bíblicas. Desse modo, por meio dessas práticas típicas, deveríamos fazer um caminho para a evangelização e não de disputas pessoais. Poderíamos considerar esses traços culturais pejados de religiosidade como aqueles das culturas autóctones, que o documento católico de Puebla (2) reconhece como “germes do Verbo”. São as “janelas redentivas”, nas palavras do grande Assad Bechara. Através delas, a Luz pode passar. Por isso, em lugar de travarmos debates sem nexo acerca do ser ou não ser, deveríamos conduzir o assunto para a história do personagem maior da festa, a saber, João, o Batista.
Poderíamos recontar as circunstanciais especiais de seu nascimento; sua abdicação ao sacerdócio em favor de uma vida simples, em sua busca de Deus; a história de sua fidelidade em testemunhar da Palavra de Deus mesmo sob a ameaça da prisão e da morte. Mas poderíamos acima de tudo relembrar sua humildade no ato de ceder lugar àquele que chegava e que era, aos seus próprios olhos, alguém maior do que ele. Se pudermos conduzir o olhar e o assunto em direção a Cristo, teremos cumprido nosso papel. Deixemos o resto com Ele.
3. Finalmente, um recado aos que evangelizam. Vivemos em dias de sequidão espiritual, quando notamos a ressurreição de novos traços de apostasias e superstições mesmo no meio protestante e evangélico. O verdadeiro evangelho carece de homens à semelhança de João, o Batista, que erguia a voz no deserto, preparando o caminho para o Messias. Ainda hoje, o Verbo necessita de vozes destemidas através das quais ainda pode Ele falar. A verdade dita com a fidelidade exigida, a seu tempo trará seus frutos.
Li certa vez uma história que caberia relatar aqui. Quando um missionário pioneiro chegou à China Central há cerca de 60 anos atrás, um sacerdote taoísta que o ouviu pregar, exclamou com alegria: "Até que enfim o senhor veio!" Muitos anos antes, com o coração abatido por uma fome espiritual, o sacerdote tinha viajado para uma cidade perto da costa. Certo dia achou um Evangelho de Marcos que perdera um colportor itinerante. O Jesus do evangelho parecia ser a resposta à necessidade daquele coração. Mas ele desejava saber mais.
Certo dia uma voz lhe falou dizendo: "Volta para tua casa e espera o mensageiro que virá de um país distante para contar mais de Jesus a você e a seu povo." Ele voltou e começou a esperar. Quinze anos depois veio o mensageiro para ser saudado com a exclamação: "Até que enfim o senhor chegou!" Hoje, igualmente, milhões esperam as testemunhas de Cristo.
Junho é mês de São João. Mas acima de tudo é mês de proclamação.
Que o exemplo de João nos ensine acerca da ousadia no anúncio da verdade em Cristo.
Usemos nossa voz. [Claudio Soares sampaio]
Referências
1 WHITE, E. G. O Desejado de Todas as Nações, Santo André, Casa, 22ª. Ed. 2005. p. 100 e 101.
2 Evangelização no presente e no futuro da América Latina: conclusões da conferência de Puebla. Texto oficial. São Paulo, Paulinas, 8ª. Ed. 1987. notas 401, 403, 451.
Via Crendo e Compreendendo