domingo, 29 de janeiro de 2012

Línguas da Bíblia


Quase todos os estudantes da Bíblia sabem que o Velho Testamento foi escrito em hebraico, e o Novo, em grego, mas muitos desconhecem o fato de que há uma terceira língua na Bíblia – o aramaico.


1) Aramaico
O aramaico foi sem dúvida, desde muito tempo, a língua popular de Babilônia e da Assíria, cuja linguagem literária, culta e religiosa era o sumero-acadiano. Documentos assírios mencionam o aramaico desde 1100 A.C. Durante o reinado de Saul e Davi, os estados aramaicos ou sírios são mencionados na Bíblia (I Samuel 14:47; II Samuel 8:3-9; 10:6-8).


O aramaico foi trazido para a Palestina porque os assírios seguiam costume de transplantar os povos das nações subjugadas, por isso depois de terem vencido o reino de Israel, trocaram as pessoas e as espalharam através de todo o seu império. II Reis 17:24 menciona explicitamente que entre os povos trazidos para Samaria a fim de repovoarem a terra devastada, encontravam-se aramaicos de Hamate.


Esta língua dotada de grande poder de expansão, tornou-se usual nas relações internacionais de toda a Ásia, e na própria Palestina propagou-se tão largamente, que venceu o próprio hebraico.


O Comentário Bíblico Adventista, Vol. l, páginas 29 e 30 apresenta-nos a origem do aramaico com as seguintes palavras:


“O lar original do aramaico foi a Mesopotâmia. Algumas tribos arameanos viviam ao sul de Babilônia, perto de Ur, outras tinham seus lares na alta Mesopotâmia entre o rio Quebar (Khabúr) e a grande curva do Eufrates, tendo Harã como centro. O fato de os patriarcas Abraão, Isaque e Jacó terem conexões com Harã é provavelmente responsável pelo estatuto feito por Moisés de que Jacó era “arameano”. Deut. 26:5. Deste seu lar ao norte da Mesopotâmia o aramaico se espalhou para o sul de toda a Assíria.”


Tudo indica que o aramaico foi preferido pelos assírios e babilônicos por ser mais simples do que a complicada escrita cuneiforme. A prova de sua simplicidade está relatada em II Reis 18:26, quando Senaqueribe invadiu Judá no fim do VIII século A.C. os oficiais judeus que dominavam tão bem o hebraico quanto o aramaico, pediram ao general assírio que lhes falasse em aramaico. Esta é ainda a razão por que durante os setenta anos do cativeiro babilônico os judeus se esqueceram muito do hebraico, adotando em seu lugar o aramaico. Ao voltarem do cativeiro continuaram falando o aramaico, como se depreende da leitura de Neemias 8:1-3 e 8.


O aramaico era a língua usada por Jesus (Mar. 5:41; 7:34; 15:34), pela maioria das pessoas na Palestina, bem como pelas primeiras comunidades cristãs. Segundo outros estudiosos entre os quais se destaca Robertson, Jesus falava aramaico na conversação diária, mas no ensino público e nas discussões com os fariseus a língua usada era o grego.


Já antes da Era Cristã suplantou totalmente o hebraico que se tornou a língua morta e exclusivamente religiosa.


Na Ásia Ocidental, a língua aramaica se difundiu largamente, assumindo naquelas regiões e naquele tempo o mesmo papel que assumem em nossos dias o francês e o inglês.


O aramaico, embora ainda utilizado em certas regiões, vai cedendo lugar ao árabe, e corre o perigo de desaparecer como língua falada, pois hoje é falada somente em algumas povoações da Síria. O aramaico desapareceu sob o impacto cultural do grego e do latim, já que deixou de ser conhecido pelos cristãos.


Quem conhece o hebraico pode com facilidade ler e entender o aramaico, dadas as suas marcantes semelhanças.


As partes do Velho Testamento escritas em aramaico são as seguintes:


1) A expressão “Jegar-Saaduta” de Gênesis 31:47;
2) O verso de Jeremias 10:11;
3) Alguns trechos de Esdras 4:8 a 6:18; 7:22-26;
4) Partes do livro de Daniel, entre os capítulos 2:4 a 7:28;


2) Hebraico
A língua hebraica foi a língua dos Hebreus ou israelitas desde a sua entrada em Canaã. A sua origem é bastante misteriosa, porque além do Velho Testamento só possuímos escassos documentos para o seu estudo. O mais provável é que o hebraico tenha vindo do cananeu e foi falado pelos israelitas depois de sua instalação na Palestina.


A atual escrita hebraica (chamada “hebraico quadrado”) é cópia do aramaico e entrou em uso pouco antes da nossa era, em substituição ao hebraico arcaico.


Os Targuns o denominam de “língua sagrada” (Isa. 19:18); e no Velho Testamento é chamado “a língua de Canaã” ou a língua dos judeus (Isa. 36:13, II Reis 18:26-28).


Salmo 114:1 mostra a grande diferença entre o hebraico e o egípcio. Israel por estar cercado de povos que falavam uma língua cognata – o aramaico – foi se esquecendo do hebraico, até que este veio a extinguir-se como língua falada. Era ainda a língua de Jerusalém no tempo de Neemias (13: 24), cerca de 430 A.C., mas muito antes do tempo de Cristo foi substituída pelo aramaico.


O alfabeto hebraico consta apenas de consoantes, em número de 22.


O hebraico é escrito da direita para a esquerda como o árabe e algumas outras línguas semíticas.


Sua estrutura fundamental é, como em todas as línguas semíticas, a palavra raiz, composta de três consoantes. É uma língua bastante simples, seus melhores conhecedores sublinham sem hesitação a sua pobreza, quando comparado com o grego ou com línguas modernas, como o inglês e o português.


De acordo com a Pequena Enciclopédia Bíblica o vocabulário hebraico na Bíblia conta com apenas 7.704 vocábulos diferentes. A Academia do Idioma Hebraico tem registrado o uso de cerca de 30.000 palavras.


Quase não possui adjetivos nem pronomes possessivos, porém, é rica em advérbios. É uma língua quase indigente em termos abstratos.


Quase sempre os pronomes pessoais são ligados às formas verbais como se fossem sufixos ou prefixos.


Com raras exceções não faz uso de palavras compostas.


O alfabeto hebraico possui letras com sons bem próprios, por isso não apresentam nenhuma semelhança com o nosso alfabeto. Os dois exemplos mais característicos se encontram no “alef” e no “ayin”.


Se língua é um organismo vivo que se transforma, o hebraico quase pode apresentar-se como exceção, como comprovam os escritos de Moisés e de alguns profetas mil anos depois, cujas diferenças lingüísticas são insignificantes. Este fato tem levado a “alta crítica” a dogmatizar que os escritos do Velho Testamento foram produzidos num espaço de tempo bem pequeno.


Seus processos sintáticos são muito simples, usando pouco as orações subordinadas, preferindo sempre as coordenadas, quase sempre unidas pela conjunção “e” como inegável influência do hebraico.


Os tempos do verbo, a exemplo do grego, indicam mais o “aspecto” da ação, conforme ela seja momentânea, prolongada ou repetida. Como língua semítica não classifica os fatos em passados, presentes e futuros, mas em realizados ou de ação acabada (perfeito), e não realizados ou de ação inacabada (imperfeito).


Uma das peculiaridades da língua hebraica com respeito ao sistema verbal é esta: a simples troca de um sinal vocálico determina uma mudança nas formas verbais.


O SDABC, 1 volume, página 26, elucida este aspecto com o exemplo do verbo cantar que indicaria o nosso presente, passado e futuro permutando suas vogais. O verbo escrever em hebraico evidencia este princípio. Ele é formado pelas consoantes: K, t, b que permanecem invariáveis em seu flexionamento.


katab – tem escrito                              koteb – escrevendo
ketob – escreve ou escreva                 katub – está escrito
(imperativo)                                          katob – escrever


Não possui o verbo “ter”, enquanto o verbo “ser” é ativo e significa existir eficazmente.


Quando os judeus sentiram que o hebraico estava em declínio como língua falada, e que sua leitura correta ia perder-se, criaram um sistema de vocalização. Este trabalho foi feito pelos massoretas, por isso o texto hebraico usado hoje chama-se massorético.


3) Grego Bíblico
Georges Auzou, em seu livro A Palavra de Deus, afirma:


“O grego passa, com justiça, por ser a mais bela língua do mundo. De fato é um dos instrumentos mais aperfeiçoados, dos mais delicados, extremamente harmonioso, ao mesmo tempo que preciso e sutilíssimo, jamais forjado pelos homens. É ao mesmo tempo o fruto e o instrumento do gênio grego, o gênio da clareza, da ordem e do equilíbrio.”


Estas afirmações se referem muito mais ao grego erudito, clássico, do que ao grego coinê do Novo Testamento.


Como é do conhecimento geral, o Novo Testamento foi escrito na coinê, língua na qual também foi traduzido o Velho Testamento hebraico pelos Setenta. O termo coinê significa a língua comum do povo entre os anos 330 A.C. e 330 A.D.


Com exceção da Epístola aos Hebreus e da linguagem de Lucas (Evangelho e Atos) que se encontram num coinê mais literário, os outros escritos pertencem à língua mais comum ou coinê vulgar.


O insigne erudito Gustav Adolf Deissmann foi quem primeiro mostrou a identidade do grego do Novo Testamento, salientando que o grego da Bíblia era o coinê, e não o grego erudito, nem a chamada “linguagem do Espírito Santo” ardorosamente defendida por alguns autores.


Características da Linguagem do Novo Testamento


Se fosse possível caracterizar o coinê, língua em que foi escrito o Novo Testamento, sintetizando-a em uma palavra, a melhor seria “simplificação”. Esta conclusão é facilmente deduzida estudando-lhe as características.


1) Substituição dos casos pelas preposições;
2) Tendência para simplificar a morfologia e a sintaxe;
3) Uso escasso de orações subordinadas, tendo preferência pelas coordenadas ligadas pela conjunção “e”;
4) Eliminação do dual e uso parcimonioso do modo optativo, aparecendo apenas 67 vezes no Novo Testamento;
5) Uso mais freqüente do artigo;
6) Simplificação das riquíssimas formas verbais do grego clássico;
7) Mudança de sentido de muitas palavras do grego clássico, por influência religiosa, tais como: batizar, justiça, graça, amor, glória, carne, cruz, mundo, crer, espírito, cálice, dia, etc.;
8) As formas diminutivas se tornam mais comuns;
9) Emprego mais generalizado de construções perifrásticas nos verbos;
10) Os adjetivos são mais usados no grau superlativo do que no comparativo;
11) Preferência pela ordem mais direta, pois no grego clássico predomina a ordem inversa;
12) Emprego freqüente dos pronomes sujeitos, em casos dispensáveis, por estarem eles subentendidos nas desinências verbais;
13) Idêntico valor fonético para as vogais gregas;
14) Emprego de vários latinismos, tais como: legião, centurião, denário, colônia e flagelo;
15) Uso freqüente do presente histórico nas narrativas;
16) Aparecimento generalizado da parataxe, com prejuízo da hipotaxe. Parataxe é uma construção mais simples da frase, como as orações coordenadas, enquanto a hipotaxe é mais complexa, isto é, formada de orações subordinadas.
17) Uso de palavras que são empréstimos diretos do aramaico, a exemplo de: geena, Eli Eli, Hosana, litóstrotos (gabatá), Satã, Talita cumi, Rabi, Maranata;
18) Freqüência de hebraísmos, sobretudo na sintaxe, fastidioso emprego da conjunção “e”, pois esta partícula aparece muito no Novo Testamento, em expressões como estas: “e ele falou dizendo”, “e disse”, “e aconteceu que”. As frases: “Filhos da luz’; “filhos da perdição” são eminentemente semíticas.


Quanto à linguagem dos escritores do Novo Testamento haveria muito que dizer, mas fiquemos somente com as seguintes observações:


Apenas Hebreus, Lucas e alguns trechos de Paulo são escritos num estilo mais literário.


O vocabulário mais rico não é o de Paulo, mas sim o de Lucas, que emprega 250 palavras novas no Evangelho e, mais ou menos 500, em Atos.


Se a linguagem mais polida e mais erudita é a de Lucas, a mais pobre e menos aprimorada, quanto ao estilo, é a de Marcos e a de João, especialmente no Apocalipse.


O doutor Benedito P. Bittencour no livro O Novo Testamento, página 67, chama-nos a atenção para a linguagem pouco aprimorada do Apocalipse, onde há violações flagrantes dos corretos cânones da gramática.


Texto de Pedro Apolinário, História do Texto Bíblico, Capítulo 7.

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