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terça-feira, 20 de novembro de 2018

O que fazer quando explode um escândalo no meio cristão?


No meio cristão volta e meia somos surpreendidos por um escândalo. Como nossa fé prega a santidade e o apego inegociável aos valores éticos, ficamos profundamente chocados quando tomamos conhecimento de falhas morais ou atitudes reprováveis de algum irmão ou irmã – seja de nosso círculo próximo de relacionamentos, seja alguém com mais notoriedade. É compreensível. O pecado nos choca, confronta, entristece, abate, revolta. Nessas horas, nosso senso de justiça nos leva a querer sangue, exigir punição dos pecadores, hereges e canalhas. A minha pergunta é: como exatamente devemos proceder quando explode um escândalo no meio cristão?

Pastores que falharam em sua santidade, irmãos que pecaram na sexualidade, líderes que desonraram pai e mãe, cristãos famosos que disseram ou fizeram algo estranho em público, bons pregadores que passaram a pregar heresias… a lista das causas de um escândalo entre nós é interminável. No centro de todas, uma única causa: pecado. Deus é santo e não tem parte com o pecado, é certo. Mas Deus também é gracioso e sua misericórdia dura para sempre. Diante dessa realidade, eis minha sugestão sobre como devemos nos posicionar diante de um escândalo:

1. Não tenha prazer no escândalo
Quedas morais, pecados e heresias são tragédias. São desastres. Não são motivo de piada. Devemos tratá-los como o horror que representam: com lamento, choro e profunda tristeza. O pecado jamais deve se tornar motivo para tricotadas, fofocadas, “você soube da última?” ou disse-me-disse. Não faça piada com o horror. Não se deleite na tragédia. Isso é papel do diabo.

2. Fale com Deus
Converse sobre o escândalo com as demais pessoas apenas o estritamente necessário. A pessoa com quem você deve conversar intensamente e longamente sobre o escândalo é o Senhor. O nome disso é oração. Portanto, ore a Deus, peça misericórdia sobre a vida dos envolvidos, clame por arrependimento e restauração. Ficar de tititi com as pessoas, pessoalmente ou nas redes sociais, não adianta absolutamente nada; orar adianta tudo.

3. Não conclua antes de saber de todos os fatos
Cansei de ver escândalos em que as pessoas criam mil conjecturas acerca do que houve sem saber direito as informações. “Ouviram falar” e, por causa disso, tomam comentários colhidos ao vento como verdades absolutas. Para emitir uma opinião, assumir uma postura, tomar lados, se posicionar, antes é preciso ter total conhecimento da situação. Nesse sentido, uma das virtudes do fruto do Espírito é essencial: a paciência. Espere. Não corra para emitir uma opinião. Deixe a verdade ser exposta totalmente e, só então, se posicione.

4. Olhe para os culpados com firmeza, mas com misericórdia
A ética de Cristo não é a da punição, é a da restauração. Como filhos de Deus, o desejo do nosso coração deve ser sempre ver os que erraram arrependidos e restaurados espiritualmente. Não queira mandar os hereges e os pecadores para o inferno, queira vê-los de lágrimas no pó e coração sinceramente compungido. Como embaixadores do reino daquele que veio para os doentes, devemos ser médicos da graça e não carrascos da desgraça. Uma vez que se comprove a culpa, seja movido por compaixão pela vida dos culpados, para que sejam resgatados do poço de trevas em que se enfiaram e que, se tiverem de arcar com as consequências humanas de seu pecado, que pelo menos sua alma seja salva.

5. Entenda que a disciplina dos culpados é necessária
Determinados tipos de escândalos vão gerar consequências no plano humano. Um pastor que adultera precisa ser afastado do cargo até que sua vida esteja restaurada. Um pregador que diz uma heresia precisa se retratar em público. Um líder que desonra pai e mãe tem de ser tratado fora dos púlpitos e cargos antes de continuar liderando. Uma pessoa qualquer que comete um crime deve ser punida de acordo com o que prevê o código penal, mesmo que esteja arrependida e tenha sido perdoada por Deus: há consequências no plano humano para nossos atos, e devemos enfrentá-las.

6. Olhe para as vítimas com compaixão
Esposas traídas, pessoas enganadas, ovelhas feridas… muitas pessoas ficam machucadas quando explode um escândalo. As vítimas devem ser abraçadas, devemos chorar com elas, conduzi-las a perdoar quem as machucou, amparar seu coração em frangalhos. Nunca se aproxime dos feridos para obter mais detalhes sobre o escândalo ou algo assim. O nosso papel é amar, sofrer com quem sofre e auxiliar na sua restauração física, emocional e espiritual.

7. Lembre-se dos seus próprios pecados
Jesus presenciou um escândalo. Mais do que isso: ele foi instigado a emitir um parecer sobre o escândalo. Afinal, uma mulher fora flagrada em adultério. Adúltera! Pecadora! Escandalosa! Opróbrio! Digna de apedrejamento aos olhos da Lei! Mas a resposta de Jesus aos que queriam apedrejá-la foi que cada um olhasse para si. Afinal, em maior ou menor intensidade, todos temos telhado de vidro. E isso Ele nos diz, hoje: olhe para si. Quando ocorre um escândalo, devemos agir com humildade, sem nos considerarmos megassantos, pessoas acima do bem e do mal. Mais do que jogar pedras, precisamos usar o escândalo alheio para ver como nós mesmos somos frágeis e passíveis de errar. Se há algo de positivo no escândalo é o alerta que ele lança sobre nós, para que, estando de pé, não caiamos. Vigie sempre.

8. Seja parte da solução e não do problema
Que tudo o que você pensar, falar ou fizer em relação ao escândalo seja para edificação das pessoas e para a glória de Deus. Fora disso, o melhor é não fazer nada, manter-se calado e ficar quieto.

Meu irmão, minha irmã, infelizmente sempre haverá escândalos entre nós, pois vivemos debaixo do pecado. Devemos saber como falar e agir no momento que isso acontecer, sempre com amor, graça e palavras temperadas, chorando com quem chora e pacificando. Nosso papel não é chutar quem está caído. Muito menos execrar vítimas. Exerça misericórdia. Busque a justiça, sim, mas que seja em amor e não com ira, vingança, ódio, destempero. Fale e faça aos outros como gostaria que falassem e fizessem a você se a queda fosse sua. E, acima de tudo, ore a Deus. Pois Ele é quem tudo sabe, quem exerce a perfeita justiça e quem governa a nossa vida como Justo juiz e Príncipe da paz. Como ordena a Palavra do Senhor: 
“Amados, nunca se vinguem; deixem que a ira de Deus se encarregue disso, pois assim dizem as Escrituras: ‘A vingança cabe a mim, eu lhes darei o troco, diz o Senhor’. Pelo contrário: ‘Se seu inimigo estiver com fome, dê-lhe de comer; se estiver com sede, dê-lhe de beber. Ao fazer isso, amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele’. Não deixem que o mal os vença, mas vençam o mal praticando o bem.” (Romanos 12:19-21)
Paz a todos vocês que estão em Cristo,

Maurício Zágari (via Apenas)

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Respostas sobre dúvidas de Disciplina na Igreja


Tendo em vista que recebo muitos e-mails de pessoas que têm dúvidas sobre questões administrativas, em especial relativas à Disciplina Eclesiástica, aproveito para colocar aqui algumas diretrizes que possam ajudar a clarear este tema.

“À igreja foi conferido o poder de agir em lugar de Cristo. É o instrumento de Deus para a conservação da ordem e disciplina do Seu povo. A ela delegou o Senhor poderes para dirimir todas as questões concernentes à sua prosperidade, pureza e ordem” - Manual da Igreja Adventista do 7º Dia.


Algumas Perguntas Enviadas por Internautas

1. Alguém pode ser disciplinado por deixar de devolver o dízimo?
Não. Segundo o Manual da Igreja, ninguém deve ser punido por não conseguir contribuir financeiramente com a Igreja. Entretanto, caso a pessoa tenha renda regular mas decida não devolver o dízimo, ela pode ser impedida de ocupar cargos de liderança, pois não amadureceu o suficiente em sua compreensão espiritual para ser um “exemplo do rebanho”.

2. Uma jovem que use calças compridas pode ser disciplinada por este motivo?
Não há nada no Manual da Igreja que defenda uma disciplina para estes casos. Aqui, como sempre, cabe o bom senso da liderança local para não constituir “provas de discipulado” que a Bíblia não predeterminou.

3. Namorar um não-Adventista é motivo para disciplina?
Novamente não há previsão para esta situação no Manual da Igreja. Assim como no caso dos dízimos, esta pessoa pode ser impedida de ocupar cargos de liderança, uma vez que não está querendo atender a uma clara orientação bíblica e do Espírito de Profecia sobre esta situação. Mas isso não se constitui, a princípio, motivo para disciplina eclesiástica.

4. Se um casal de namorados comete fornicação (relação sexual entre solteiros), eles devem solicitar a disciplina ao pastor ou ancião?
A compreensão que temos acerca do pecado é que ele é uma ofensa direta a Deus, e não à Igreja. Um jovem casal que tenha cometido fornicação, e se arrependido, estando desejoso de buscar a reconciliação sincera com Deus, não necessita (nem deve!) tornar público o seu pecado. Se ninguém mais, além do casal, sabe da situação, eles devem fazer um pacto mútuo de não voltarem mais a cometer tal ato inadequado, e se resguardarem para o casamento, onde terão ampla liberdade para realizarem o sexo natural, sob as bênçãos de Deus. Em uma cerimônia de santa-ceia, este casal recebe o perdão e a reconciliação divina, e não necessita se amargurar mais, pois Deus já lhes concedeu uma nova oportunidade (cf. 1Jo 2:1). Entretanto, se o pecado vier a tornar-se público, então não restará outra alternativa a não ser a disciplina de ambos, uma vez que, agora, a imagem da comunidade dos crentes está envolvida.

5. E um casal que foi disciplinado por ter cometido fornicação, mas cumpriram devidamente sua disciplina e estão se preparando para o casamento, podem realizar a cerimônia na Igreja?
Infelizmente, nenhum pastor Adventista tem autorização para realizar um casamento nesta situação. Se o pastor sabe (e o fato de o casal ter sido disciplinado mostra que o pecado tornou-se público) que estes jovens já praticaram o sexo antes do casamento, então ele não tem autoridade para dar a bênção pastoral sobre o enlace matrimonial. Nem mesmo um “culto de ações de graças” pode ser realizado por um pastor ordenado! O máximo que o pastor pode fazer é uma singela e breve visita ao casal, já no novo lar, para orar com eles e desejar-lhes seus votos de felicidade duradoura. Nada mais!

6. Se um Líder de Desbravadores for disciplinado pela Igreja, ele perde a “investidura” que recebeu no Clube?
O Clube de Desbravadores é um departamento oficial da Igreja Adventista do 7º Dia, a ela subordinado e vinculado. Já vimos que alguém que ocupe um cargo de liderança, e passa por uma disciplina eclesiástica, perde automaticamente seu “status” de líder da Igreja. O mesmo acontece com um Líder de Desbravadores. Caso ele seja disciplinado pela Igreja, também perderá seu “status” de Líder Investido e deve, humildemente, devolver o Lenço de Liderança para a Coordenação de seu Campo. Alguns lugares determinam que, após passada a disciplina, e este Líder for devidamente reintegrado à vida da Igreja, ele ainda deverá cumprir um período de “observação” para poder receber de volta o seu Lenço de Liderança, juntamente com as prerrogativas e responsabilidades que este símbolo confere.

7. Depois de quanto tempo alguém pode ser rebatizado, caso tenha sido disciplinado por remoção?
Uma vez que o período máximo da disciplina por censura é de 12 meses, e a remoção é o ponto extremo de um processo disciplinar na Igreja Adventista, entende-se que apenas após um período mínimo de 1 ano (a contar da data da remoção) é que alguém pode solicitar o seu rebatismo, retornando à posição de membro regular da Igreja. Lembrando que, durante este período, é necessário que o solicitante dê provas de que realmente se arrependeu dos seus erros passados e está buscando uma nova experiência espiritual de fidelidade a Deus. Por exemplo, é importante que, mesmo tendo sido removida, esta pessoa continue freqüentando normalmente os cultos e vivendo em conformidade com a fé Adventista: guarda dos mandamentos, princípios alimentares, estilo de vida, divertimentos, relacionamentos amorosos, etc.

8. Quando uma pessoa que foi removida por adultério poderá retornar à condição de membro regular?
Esta é uma das situações mais difíceis que a liderança enfrenta no dia-a-dia da Igreja. Aliás, todas as situações que envolvem quebra do mandamento da fidelidade sexual, seja fornicação, seja adultério, etc., trazem sérias e dolorosas conseqüências para os que praticam tais pecados.
A Bíblia é clara em dizer que só há um motivo válido para que o voto matrimonial entre duas pessoas vivas possa ser “dissolvido”: relações sexuais ilícitas (cf. Mateus 19). Portanto, apenas no caso de infidelidade por parte do marido ou da esposa, é que o outro/a está livre para casar-se novamente.
Exemplo prático:
Se um membro da Igreja abandona sua esposa (não por ela tê-lo traído), e se “casa” com outra mulher, ele será disciplinado por remoção, ou seja, será desligado da condição de membro da Igreja Adventista. E assim deverá permanecer (sem poder rebatizar-se), enquanto sua ex-esposa permanecer fiel ao voto matrimonial, ou seja, enquanto ela não se envolver com outro homem. A única maneira de ele ser aceito novamente como membro, e ser rebatizado, é se ele abandonar a “nova” esposa e decidir viver como “eunuco”, isto é, em estado celibatário, caso sua ex-esposa não o aceite de volta.
Resumindo: Se este homem não quiser abandonar a atual companheira, e sua ex-esposa (a legítima!) continuar sem se envolver com outro homem, este ex-membro não poderá ser rebatizado. O mesmo se aplica a sua nova companheira.

9. Quantas vezes um membro removido da Igreja pode ser rebatizado?
Não há um número definido de “rebatismos” válidos, nem na Bíblia nem no Espírito de Profecia. O que deve prevalecer é o bom senso (sempre!), para não fazer desta cerimônia tão importante um simples “banho”, dado sem critérios e de forma inapropriada.
Se uma pessoa ainda não amadureceu espiritualmente para compreender seu real papel como membro da Igreja de Deus, e está continuamente passando pelo processo “disciplina-rebatismo”, o melhor a fazer é dar tempo para que tal pessoa participe da vida normal da Igreja, antes de rebatizá-la mais uma vez.


A experiência tem mostrado que um 2º rebatismo já é o limite da prudência.
Via Gilson Medeiros

terça-feira, 3 de abril de 2012

Por que a igreja disciplina?


Tenho percebido em minha igreja que, quase sempre que uma pessoa recebe disciplina da igreja, fica revoltada e faz muitas queixas à liderança. Será que, em uma socie­dade moderna e aberta como a nossa, a disciplina ainda cumpre seus objetivos? Será que continua sendo a melhor forma de lidar com os pecados e pecadores na igreja?
Em primeiro lugar, quero admitir que a disciplina ecle­siástica é um procedimento delicado, complexo e cheio de implicações. É necessário equilíbrio, paciência e amor para que seja aplicada adequadamente. Mas gostaria de fazer al­gumas ponderações:
A disciplina da igreja (censura ou remoção do rol de mem­bros) é bíblica. 0 próprio Senhor Jesus deu as orientações so­bre o assunto em Mateus 18:15-18. Portanto, os líderes da igreja têm a responsabilidade de administrá-la, conforme orienta a Palavra de Deus e o Espírito de Profecia. Eilen G. White faz a seguinte declaração:
"À igreja foi conferido o poder de agir em lugar de Cristo. É a agência de Deus para a conservação da ordem e disciplina entre Seu povo. A ela o Senhor delegou poderes para dirimir todas as questões concernentes à sua prosperidade, pureza e ordem" {Testemunhos Seletos, v. 3, p. 203).
Os objetivos desse procedimento são pelo menos três:
a) Salvaguardar a honra da igreja. Comentando a respeito da disciplina por censura, o Manual da Igreja esclarece uma das razões para esse procedimento: "Permitir à igreja o pronuncia­mento de sua desaprovação de uma ofensa grave que trouxe desonra para a causa de Deus" [Manual da Igreja, p. 193).
b) Despertar a pessoa que cometeu o erro para a gravi­dade e o perigo de sua conduta. Assim, a disciplina é um instrumento para redimir e resgatar o pecador.
c) A disciplina ajuda os outros membros da igreja a per­ceber a gravidade do pecado e evitar cometerem erro se­melhante. Se um membro comete um erro de repercussão pública e nada é feito, a mensagem que é transmitida para os outros, especialmente os jovens, é que o pecado não é realmente grave e a igreja não sofre nada com isso.
Assim, os líderes da igreja precisam seguir a orientação inspirada. É como um pai quando disciplina um filho que está em um caminho perigoso. O pai não precisa ser santo para aplicar a disciplina, ele o faz porque ama e quer prote­ger o filho.
É possível corrigir eventuais injustiças. Se uma pessoa recebeu injustamente uma disciplina, pode solicitar reconsi­deração do voto tomado. Os líderes da igreja devem sempre ter uma atitude humilde e respeitar esse tipo de solicitação. Se, após séria consideração, se percebe que houve de fato injustiça, o reconhecimento do erro é uma atitude de gran­deza por parte da liderança e da própria igreja. Caso não se identifique a eventual injustiça, de igual forma, o membro disciplinado deve ter humildade em reconhecer seu erro e aceitar a decisão da igreja.
Por fim, cabe ressaltar que, estar sob disciplina eclesiásti­ca não é sinônimo de estar perdido. Deus conhece o coração de cada um e só Ele pode julgar o arrependimento e a since­ridade de uma pessoa.
Finalmente, reiteramos a verdade de que o amor de Deus é incondicional. Ele odeia o pecado, mas ama o pecador. To­dos nós temos falhas e estamos sujeitos ao erro. E o maior conforto que podemos ter é o fato de que sempre somos "aceitos no Amado".

Ranieri Sales

domingo, 20 de novembro de 2011

“Não Me Julgue!” O Evangelho da Tolerância versus Disciplina Eclesiástica

 O evangelho da tolerância é uma tentativa do mundo para ganhar almas e mantê-las na igreja. Aqueles que acreditam neste evangelho criado sob medida afirmam que mais pessoas se unirão à igreja e permanecerão nela se, ao invés de “julgarmos as pessoas,” simplesmente “as aceitemos do jeito que são.” Este evangelho é pregado ainda mais alto quando um membro rebelde é levado a enfrentar a disciplina da igreja.

A base bíblica para este novo evangelho é a afirmação de Cristo em Seu Sermão da Montanha “Não julgueis, para que não sejais julgados”, (Mateus 7:1). Aqueles que abraçaram o evangelho da tolerância insistem que é errado que a igreja exerça disciplina sobre qualquer pessoa. Uma vez que somente um Deus infalível (ou o Espírito Santo) pode realmente julgar alguém, os defensores do novo evangelho afirmam que aqueles que insistem em disciplinar um irmão são hipócritas ou “fariseus”, pois também são pecadores, assim como aqueles que eles estão julgando.
Os adventistas do sétimo dia que acham atraente este evangelho da tolerância o sustentam com as palavras de Ellen G. White. Eles encontram apoio no comentário da Sra. White sobre o Sermão da Montanha: “Cristo não dá aqui permissão, para qualquer homem julgar a outros. No sermão do monte, proíbe fazê-lo. É a prerrogativa de Deus.” (Obreiros Evangélicos, 502). Também citam a declaração de Ellen White a respeito da parábola de Cristo do trigo e do joio (Mateus 13): “Na parábola de Cristo não nos é ensinado que julguemos e condenemos a outros, antes sejamos humildes e desconfiemos do eu.” (Parábolas de Jesus, 74).
Esse artigo analisa brevemente o evangelho da tolerância, argumentando que este evangelho é incoerente, autorrefutável e antibíblico. Além disso, o artigo lança um olhar mais atento sobre Mateus 7:1 e sobre as declarações de Ellen White que são freqüentemente citadas em apoio desta doutrina questionável.
O Evangelho da Tolerância
O evangelho da tolerância argumenta que muitas pessoas pararam de vir à igreja, principalmente porque os membros são muito críticos. Para ser redentora, a igreja deve ser tolerante. Tolerância é equiparada com mente aberta, e quem defende o ensino e práticas bíblicas é visto como um intolerante. Assim, mesmo se uma pessoa está no caminho errado, devemos deixá-la em paz. A igreja não deve discipliná-la.
Há, de fato, alguma verdade na observação que os membros da igreja são muitas vezes hipócritas e muito apressados em julgar seus irmãos e irmãs, quando pecam. Mas os defensores deste ponto de vista erram seriamente quando sustentam que é errado julgar as pessoas que estão em falta. Aqueles que propagam e acreditam neste evangelho da tolerância fazem-no por duas razões principais. Primeiro, eles o confundem (seu evangelho da tolerância), com civilidade, respeito e cortesia. Segundo, muito poucos entendem o que é a verdadeira tolerância.
1. Confundindo Tolerância com Respeito
Meu dicionário define a tolerância como uma “atitude justa e permissiva para com aqueles cuja raça, religião, nacionalidade, etc., diferem da nossa própria.” Tolerância genuína exige que permitamos que a pessoa que abraça crenças que consideramos erradas tenha o direito de fazê-lo. Assim, uma pessoa tolerante é aquela que é cortês e compreensiva. Ele não tem preconceitos contra outras pessoas ou os seus credos e crenças. Nem se intromete ou impõe suas opiniões aos outros. Tolerância, nesse contexto, significa liberdade do fanatismo e de um ponto de vista dogmático.
Esse significado de tolerância (conhecida como “tolerância cívica”) pode ser equiparado a respeito. É uma das virtudes consagradas nas leis e constituições de sociedades civilizadas e democráticas. Respeitamos as pessoas que têm crenças diferentes das nossas. Nós as tratamos de forma cortês e lhes permitimos expressar seus pontos de vista no discurso público, ainda que possamos discordar veementemente deles e lutarmos vigorosamente contra as suas ideias em praça pública.
Mas, embora as pessoas tenham o direito de ter e expressar seus pontos de vista, respeito ou civilidade não deve se confundido com o evangelho da tolerância. Há uma diferença enorme. Enquanto que a tolerância cívica sustenta que todas as pessoas devem ser respeitadas e que suas opiniões devem obter uma atenção cortês, o evangelho da tolerância vai mais longe ao defender que todas as visões e práticas têm igual valor, mérito ou verdade. Tolerar ou respeitar as pessoas (tolerância cívica) é confundido com a tolerar as suas ideias e práticas (o evangelho da tolerância). Segundo este evangelho, nenhuma idéia ou comportamento pode ser contrariado, independentemente de quão educadamente, sem levantar a acusação de ser “crítico”, ”intolerante”, “desrespeitoso”, “intolerante”, “extremista” ou alguma outra acusação dura.
Em outras palavras, o que hoje é pregado pelo evangelho da tolerância não é tolerância de forma alguma, mas uma ideologia de pluralismo nos sistemas de crenças, relativismo (vale tudo) na ética e permissividade no comportamento. Muitas pessoas não percebem que a noção de que todos os pontos de vista e práticas têm igual valor não é apenas falso, mas é, francamente, um absurdo.
O senso comum nos diz que algumas visões são patentemente falsas e algumas práticas são claramente erradas. Nenhuma sociedade civil – por mais mente aberta que afirme ser – pode tolerar todo tipo de idéias e comportamentos. Se assim fosse, não haveria necessidade de tribunais e da polícia para arbitrar entre reivindicações rivais. Existem, em cada sociedade, algumas crenças e valores que são inegociáveis. A anarquia é o resultado, quando a sociedade não pode fazer julgamentos sobre o certo e o errado.
O que é verdade com relação à sociedade também se aplica à igreja. Nenhuma igreja cristã pode legitimamente permitir a permissividade no comportamento de seus membros ou o pluralismo em suas crenças. Embora a igreja deva mostrar respeito a todas as pessoas, também deve declarar que existem alguns pontos de vista que estão errados e algumas práticas que não são moralmente aceitáveis. A disciplina eclesiástica é o meio que a igreja emprega para garantir que os seus membros não acreditem em qualquer coisa ou façam qualquer coisa que desejam. Caso contrário, qual seria a necessidade de uma igreja?
O evangelho da tolerância é, portanto, equivocado, se não herético, quando prega um evangelho que confunde o respeito pelas pessoas com tolerância para com suas idéias e comportamento.
2. Confundindo o Significado de Tolerância
A segunda razão principal pela qual o evangelho da tolerância é muito popular é que poucos compreendem a verdadeira natureza da tolerância. Hoje, se pensarmos que as crenças ou o comportamento de alguém está errado, somos considerados intolerantes, fanáticos, ou de mente estreita. As opiniões morais contrárias são rotuladas como “impor suas opiniões sobre os outros.” O problema é que muitos dos que lançam uma acusação de intolerância sobre os outros não compreendem completamente algumas idéias importantes que são inerentes ao conceito de tolerância.
De acordo com o Dicionário Webster do Novo Mundo (2ª edição), tolerância significa permitir ou autorizar, reconhecer e respeitar as crenças e práticas dos outros, sem compartilhá-las, apoiar ou unir-se a alguém ou algo que não necessariamente gostamos. Observe as seguintes idéias que estão implícitas no significado da tolerância.
1. Tolerância não é pluralismo. O evangelho da tolerância toma o fato claramente observável de que há na sociedade uma pluralidade de visões, valores e práticas, e chega à conclusão ilegítima de que todos os pontos de vista têm a mesma importância ou que não existe qualquer maneira justificável de escolher entre eles. Em outras palavras, ele distorce a lógica quando argumenta a partir daquilo que existe ou daquilo que é (pluralidade de pontos de vista) para aquilo que deveria ser (o pluralismo das crenças e da ética). Nesta visão equivocada, alguém que tenta demonstrar que existe uma maneira certa e uma maneira errada é considerado “dogmático” ou “intolerante”.
Mas, embora a tolerância genuína admita que existem muitos pontos de vista concorrentes acerca de crenças e estilo de vida, ninguém tolera tudo. (Observe a reação dos pregadores do evangelho da tolerância quando alguém rouba seus objetos mais valiosos!) Todos nós fazemos juízos de valor com relação à correção ou incorreção de certas idéias e comportamentos – quer se trate de roubar, matar (guerra, aborto, pena de morte), racismo, homossexualidade, divórcio e novo casamento, pornografia. Uma vez que todos afirmam que algumas coisas devem ou não devem ser tolerados, a verdadeira questão não é se uma pessoa é tolerante, mas sim o que está incluído na lista [de práticas toleráveis] desta pessoa e por que.
2. Tolerância implica em desacordo. Hoje, tudo o que temos que fazer para sermos considerados intolerantes é discordar de alguém, especialmente em determinadas questões polêmicas. Quando isso acontece, o evangelho da tolerância rotula a expressão de opiniões contrárias como “impor seus pontos de vista sobre os outros.” Aqueles que discordam de certos aspectos são considerados fanáticos e de mente estreita.
A verdade, porém, é que não podemos tolerar os outros, a menos que discordemos deles. Nós não “toleramos” as pessoas que partilham os nossos pontos de vista. Não toleramos algo que aceitamos ou ao qual somos indiferentes, porque isso não exige nada de nós. Em vez disso, a tolerância é reservada para aqueles que acreditamos estarem errados.
Infelizmente, esse elemento essencial da tolerância – o desacordo – é muitas vezes perdido no debate atual sobre tolerância. Por exemplo, a maioria dos pregadores do evangelho da tolerância “não me julgue” não podem legitimamente ser considerados tolerantes em relação ao comportamento homossexual, uma vez que não têm qualquer objeção a ele. Por definição, a tolerância implica em você não concordar com o que não gosta.
3. Tolerância implica em intolerância. Um paradoxo frequentemente negligenciado no conceito de tolerância é que no cerne da tolerância há um tipo de intolerância. Uma vez que a tolerância exige um desacordo e uma objeção inicial, segue-se que a pessoa menos tolerante é a pessoa que aceita tudo, porque essa pessoa não necessita superar suas objeções internas.
Por conseguinte, não devemos ser intimidados pelo rótulo de “intolerante”. A pessoa mais intolerante é aquela que não tem, ou tem muito poucas convicções sobre qualquer coisa. Em outras palavras, o cristão que crê na Bíblia (aquele que se apega a crenças “dogmáticas”) pode, ironicamente, ser muito mais tolerante do que seu colega do lado oposto, porque existem muito coisas às quais ele se opõe.
4. Tolerância não é impotência ou coerção. Mas, embora a tolerância implique em um certo tipo de intolerância, ela não significa falta ou abuso de poder. Deixe-me explicar brevemente.
Por um lado, se gostaríamos de parar algo, caso pudéssemos, mas não temos forças para fazê-lo, não somos tolerantes, mas apenas impotentes. Muito do que atualmente se disfarça como tolerância não é tolerância genuína, mas na verdade, covardia – o medo de ser impopular nos olhos da nossa cultura relativista.
No contexto da disciplina eclesiástica, muitas das chamadas igrejas tolerantes, que não disciplinam os membros que erram deixam transparecer sua impotência ou falta de fibra moral. A tolerância genuína implica sempre em uma restrição no exercício criterioso do poder legítimo. Pois Deus investiu a igreja com o poder de disciplina (Mateus 18:15-18). “À igreja foi conferido o poder de agir em lugar de Cristo. Ela é o instrumento de Deus para a conservação da ordem e da disciplina entre o Seu povo. A ela o Senhor delegou poderes para resolver todas as questões concernentes à sua prosperidade, pureza e ordem. Sobre ela impôs a responsabilidade de excluir de sua comunhão aos que são indignos dela, que pela sua conduta anticristã acarretam desonra à causa da verdade. Tudo quanto a igreja fizer de acordo com as orientações dadas na Palavra de Deus será sancionado no Céu.” (Obreiros Evangélicos, pp. 501,502).
Portanto, uma igreja genuinamente tolerante não pode deixar de exercer sua autoridade divinamente investida para disciplinar os membros que erram. Esse exercício pode ter uma cura ou impacto redentor na vida dos membros. “O Senhor deseja que Seus seguidores exerçam grande cuidado ao lidar uns com os outros Devem eles levantar, restaurar, curar. Mas não deve haver na igreja negligência da adequada disciplina.” (Testemunhos Para a Igreja, v. 7, p. 264).
Mas, embora a tolerância não seja impotência – a falta de exercício criterioso do poder legítimo – também não é abuso de poder. Se exercermos o nosso poder impondo nossos pontos de vista (estejam certos ou errados) sobre os outros, isto não é apenas intolerância, mas coerção.
Ironicamente, igrejas impotentes – aquelas que toleram todos os tipos de crenças e práticas questionáveis – também tendem a serem as mais intolerantes para com os membros fiéis que procuram defender os ensinamentos e estilos de vida bíblicos. Embora estas igrejas se apresentem como sendo de mente aberta, nem sempre recebem bem os pontos de vista bíblicos que são opostos.
A tolerância genuína, em contraste com o evangelho da tolerância, não é nem impotente nem coercitiva. Ela sempre implica uma limitação no exercício criterioso do poder legítimo. Na igreja, a tolerância genuína se manifesta quando ela tolera todas as pessoas em todas as circunstâncias, atribuindo-lhes respeito e cortesia. Mas ela tolera (permite) apenas crenças e comportamentos que sejam biblicamente aceitáveis.
5. Tolerância não é indiferença ou passividade. Devemos fazer uma distinção entre tolerância genuína e a passividade ou a indiferença moral que é inerente ao evangelho da tolerância. Muito do que ocorre em nome da tolerância não é resultado de um julgamento de princípios, é simplesmente indiferença moral. Simplesmente não nos importamos com os outros – com o que eles acreditam e como eles se comportam.
Mas é preciso salientar que qualquer sociedade ou grupo que seja indiferente à verdade está moralmente falido, pois não está disposto a, é ou incapaz de, discernir o certo do errado. Qualquer igreja que se inclina para este nível de indiferença inevitavelmente atrai os juízos de Deus sobre seus membros: “Deus responsabiliza o Seu povo, como um corpo, pelos pecados existentes nos indivíduos entre eles. Se os líderes da igreja negligenciam buscar diligentemente os pecados que trazem o desagrado de Deus sobre o corpo, tornam-se responsáveis por esses pecados.” (Testemunhos Para a Igreja, v. 3, p. 269).
É por isso que a Igreja Adventista do Sétimo Dia deve levar a disciplina eclesiástica muito a sério. Infelizmente, aqueles que abraçaram o evangelho da tolerância não acreditam na disciplina eclesiástica, nem nas razões para ela.
Razões Para a Disciplina Eclesiástica
Deixem-me citar o nosso Manual da Igreja:
“Entre os pecados graves pelos quais os membros serão sujeitos à disciplina da igreja, acham-se os seguintes:
  1. Negação da fé nos fundamentos do evangelho e nas doutrinas básicas da Igreja, ou ensino de doutrinas contrárias aos mesmos.
  2. Violação da lei de Deus, como a adoração de ídolos, homicídio, roubo, profanação, jogos de azar, transgressão do Sábado e falsidade voluntária e habitual.
  3. Violação do sétimo mandamento da lei de Deus no que se refere à instituição matrimonial, ao lar cristão, e às normas bíblicas de conduta moral.
  4. Violações tais como fornicação, promiscuidade, incesto, prática homossexual, abuso sexual de crianças e de adultos vulneráveis e outras graves perversões sexuais, e o novo casamento de uma pessoa divorciada, exceto do cônjuge que permaneceu fiel ao voto matrimonial num divórcio por adultério ou por perversões sexuais.
  5. Violência física, inclusive violência na família.
  6. Fraude ou deliberada falsidade nos negócios.
  7. Comportamento desordenado que acarrete opróbrio sobre a causa.
  8. Adesão ou participação num movimento ou organização separatista ou desleal (ver pp. 242, 243).
  9. Persistente recusa do reconhecimento da autoridade da Igreja devidamente constituída, ou de submissão à ordem e à disciplina da Igreja.
  10. O uso, manufatura ou venda de bebidas alcoólicas.
  11. O uso, manufatura ou venda de tabaco em qualquer das suas formas para consumo humano.
  12. O uso indevido ou tráfico de narcóticos ou outras drogas.
“A Igreja Adventista do Sétimo Dia reconhece a necessidade de exercer grande cuidado para proteger os mais elevados interesses espirituais dos seus membros, assegurar um tratamento imparcial e salvaguardar o bom nome da Igreja."
“Nalguns casos de transgressão dos mandamentos de Deus, em que o pecador manifesta profundo arrependimento e faz confissão espontânea e completa, dando mostras de se ter operado uma conversão genuína, pode a Igreja administrar a disciplina pondo o transgressor sob censura por um período de tempo determinado."
“No entanto, em caso de flagrante violação da lei de Deus, que haja trazido opróbrio público sobre a causa, pode a Igreja considerar necessário, mesmo quando tenha havido uma confissão sincera, que o membro seja excluído da Igreja para proteger o bom nome desta e as suas normas cristãs. Mais tarde, quando seja evidente que a vida dessa pessoa é coerente com as normas da Igreja, poderá o transgressor ser novamente recebido no redil após rebatismo. A Igreja não pode permitir-se tratar levianamente este tipo de pecados, nem permitir que considerações pessoais lhe afetem as resoluções. Deve assinalar a sua decisiva e veemente desaprovação dos pecados de fornicação, adultério, todos os atos de imprudência moral e outros pecados graves, ao mesmo tempo que deve fazer tudo quanto lhe seja possível para conseguir a recuperação dos que se desgarraram. Enquanto o mundo se torna cada vez mais condescendente em matéria de moral, a Igreja não pode baixar as normas estabelecidas por Deus.” (Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia, 17ª edição, pp. 248, 249).
Infelizmente, sempre que o assunto da disciplina eclesiástica surge, os crentes do evangelho da tolerância aparecem com sua doutrina “não me julgue”. Como tentaremos mostrar, se o evangelho da tolerância está seriamente errado, a doutrina “não me julgue”, sobre a qual ele se baseia, é igualmente questionável.
A Doutrina “Não Me Julgue”
A declaração de Cristo em Mateus 7:1: “Não julgueis, para que não sejais julgados,” é, talvez, o segundo verso mais popular da Bíblia (sobrepujado apenas pelo mandamento de Cristo “amai-vos uns aos outros”). Todos nós já ouvimos esta citação “não julgueis” ou “não me julgue” em um momento ou outro. Mesmo aqueles que não vão à igreja já memorizaram este verso, empregando-o em seu benefício quando querem confrontar os cristãos.
Este texto que embasa a doutrina “não me julgue” é tão poderoso que, mesmo quando somos obrigados a falar palavras de repreensão ou crítica, iniciamos nossos comentários dizendo: “Bem, eu sei que não devemos julgar, mas ... “. E quando insistimos em julgar as opiniões e o comportamento dos outros, somos confrontados com o comentário: “Quem é você para julgar?”
Poucas pessoas, no entanto, estão cientes de que comentários como “Não me julgue”, ou “Quem é você para julgar?” estão enraizados em um sistema conhecido como relativismo ético. O relativismo não acredita em absolutos morais objetivos e universais – não há padrões de certo e errado. Segundo este sistema, a moralidade é subjetiva, ela muda de pessoa para pessoa, de um lugar para outro, de momento para outro. Uma vez que não existem padrões morais, todos devem ter liberdade para viver como bem entenderem. Na expressão popular de hoje, temos de “viver e deixar viver.” Devemos estar abertos a outras crenças, outras convicções morais e estilos de vida diferentes.
Uma vez que o relativismo ensina que não existem absolutos morais, alega que não podemos justificadamente fazer julgamentos morais ou avaliar as ações e crenças como moralmente certas ou erradas. Nessa visão, qualquer pessoa que tente mostrar que há um caminho certo e um caminho errado é considerada “dogmática” ou “intolerante”. No entanto, essa doutrina relativista de “não me julgue” é incoerente, autorrefutável, e antibíblica. Ela só faz sentido se existirem alguns absolutos morais objetivos.
1. Inconsistente e Autorrefutável
Deixe-me ilustrar a incoerência e o absurdo da filosofia “não me julgue” através de uma conversa que tive com uma amiga a quem vou chamar de Maria. Maria orgulhava-se de ser uma acadêmica Adventista progressista e tolerante até que começamos a discutir a questão da homossexualidade.
“Não tenho nenhum problema com relação a você quando expressa e defende a sua opinião sobre a homossexualidade”, disse ela. “Mas é muito errado julgar.”
“O que há de errado com isso?” Fiz essa pergunta instigante a fim de demonstrar a natureza autorrefutável de sua ética relativista.
“Não é correto julgar as outras pessoas, só Deus pode fazer isso”, disse ela.
E eu disse: “Se é errado julgar as pessoas, Maria, porque você está me julgando? Você é Deus?”
A pergunta a apanhou totalmente de surpresa. Isto expôs a incoerência da filosofia “não me julgue”. Por um lado, nega todos os absolutos morais; por outro lado, quer proclamar seus próprios absolutos e forçá-los sobre mim.
A afirmação “Não é correto julgar as outras pessoas” é, em si mesma, um julgamento moral – o mesmo tipo de julgamento que minha amiga estava negando a mim. Minha resposta fez com que ela parasse por um momento. Quando recuperou a compostura, ela tentou outra abordagem.
“Talvez eu não tenha me expressado bem o bastante”, disse ela. “É correto julgar as pessoas – contanto que você não tente forçar a sua moralidade sobre elas.”
“É essa a sua moralidade, Maria?”
“Sim”.
“Então por que você está forçando s sua moralidade sobre mim?”, eu respondi.
Mais uma vez, minha amiga se viu lutando com a inconsistência da sua doutrina relativista. Em um último esforço, ela disse exasperada: “Escute, Sam, eu não consigo me expressar muito bem, mas tenho certeza que você sabe o que eu quero dizer.”
“Não, Maria, eu não sei o que você quer dizer. Você não consegue se expressar bem, porque a sua ética relativista não faz sentido. É autocontraditória e autodestrutiva. Você contestou a legitimidade de eu fazer um juízo moral sobre a homossexualidade, mas a sua tentativa em si implica um juízo moral – a própria ação contra a qual você está lutando. A verdade é que existem morais absolutos – princípios universais acerca do certo e o errado – pelos quais podemos estabelecer juízos. Mas você é uma relativista, então você não pode nem mesmo dizer que os meus juízos estão errados.”
Cito este diálogo para mostrar que a doutrina “não me julgue” e a filosofia relativista na qual ela é baseada, não tem qualquer sentido lógico. Quando as pessoas dizem, “Não me julgue”, pergunte a eles: “Por que não?” Você vai descobrir que eles não conseguem dar uma razão significativa, porque a doutrina é inconsistente e autorrefutável. Também é antibíblica.
2. Uma Doutrina Biblicamente Questionável
Embora a declaração de Jesus em Mateus 7: 1 seja o texto fundamental para o evangelho da tolerância “não me julgue”, a passagem não ensina que é errado julgar.
Em primeiro lugar, quando Jesus disse: “Não julgueis para que não sejais julgados”, a palavra original que é traduzida aqui como “julgar” é krino. A palavra é usada em uma variedade de sentidos no Novo Testamento. A palavra pode significar:
(i) Pesar cuidadosamente e formar uma opinião ou consideração – como em “Falo como a entendidos; julgai vós mesmos o que digo.” (I Coríntios 10:15.), e em “julgai entre vós mesmos: é conveniente que uma mulher com a cabeça descoberta ore a Deus?” (I Coríntios 11:13).
(ii) Inferir ou tirar uma conclusão, como em “Julgaste bem.” (Lucas 7:43), referindo-se a Simão, a quem Cristo havia perguntado: “Qual deles, pois, o amará mais?” (verso 42).
(iii) Considerar ou levar em conta de uma certa maneira; por exemplo: “Se haveis julgado que eu sou fiel ao Senhor...” (Atos 16:15), isto é, “Se me considera ou acredita que sou assim.”
(iv) Levar a julgamento perante um tribunal – como em “Tomai-o vós, e julgai-o segundo a vossa lei.” (João 18:31).
(v) Condenar – como, por exemplo, “A nossa lei, porventura, julga um homem sem primeiro ouvi-lo...?” (João 7:51).
(vi) Desprezar (cf. Romanos 14:3, “Quem come não despreze a quem não come; e quem não come não julgue a quem come”).
Os exemplos acima mostram que o significado básico de krino é fazer juízo de valor. É, no entanto, o contexto do uso da palavra que determina o seu significado exato e se está certo ou errado julgar. Por exemplo, quando Jesus disse em João 7: 24 “Não julgueis pela aparência mas julgai segundo o reto juízo”, o contexto nos diz como julgar – ou seja, não segundo a aparência, mas com justiça.
Também a declaração de Paulo em Romanos 14:3-4 (“Quem come não despreze a quem não come; e quem não come não julgue a quem come; pois Deus o acolheu.” “Quem és tu, que julgas o servo alheio?”) sugere que ele estava condenando um tipo presunçoso de julgamento – o juízo de valor sobre as motivações do outro, que são abertas apenas a Deus.
Assim, para determinar o que Jesus quis dizer quando afirmou em Mateus 7:1: “Não julgueis, para que não sejais julgados,” é importante olhar o contexto em que a passagem é encontrada. Neste caso, são os cinco versos seguintes [de Mateus 7]:
1 “Não julgueis, para que não sejais julgados.”
2 “Porque com o juízo com que julgais, sereis julgados; e com a medida com que medis vos medirão a vós.”
3 “E por que vês o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho?”
4 “Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu?”
5 “Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro do olho do teu irmão.”
Observe que o verso 1 é inseparavelmente ligado aos próximos quatro versos. Em primeiro lugar, a palavra que inicia o verso 2 (“porque”) indica que o conteúdo do verso 2 é uma continuação do tema do julgamento, iniciado no verso 1, enquanto o “e”, no início do verso 3, e o “ou” no início do verso 4 indicam a mesma coisa. O verso 5 é a aplicação que o Senhor faz do todo. Outro ponto de ligação entre os cinco versos é a tripla menção de “teu irmão” nos versículos 3, 4 e 5. Aqui o Senhor descreve a condição de “teu irmão” e o estado de quem está tentando julgá-lo (“tu”).
Mateus 7:1-5 revela os seguintes fatos relativos ao significado da declaração de Cristo “não julgueis”:
1. Jesus não está colocando um fim ao ato de exercer julgamento; Ele está falando contra a julgar os outros de maneira hipócrita. A imagem verbal hiperbólica, mas muito bem humorada, de uma pessoa com uma viga em seu olho tentando remover um cisco do olho de outra pessoa, pretende ilustrar este ponto. Nosso Senhor está ensinando que quando temos problemas graves em nossas próprias vidas, não temos nada que ficar arrogantemente criticando aqueles cujos problemas são muito menos graves.
2. Jesus não está dizendo que nunca devemos julgar as pessoas; ao contrário, devemos julgá-los – depois de haver examinado a nós mesmos. Observe o versículo 5: “Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro do olho do teu irmão.” Em outras palavras, depois que tivermos cuidado da viga que está no nossos próprios olhos, então – e só então – podemos tratar da serragem no olho de alguém. Essa cautela se destina diminuir a nossa pressa em julgar. Os acusadores da mulher apanhada em adultério são uma ilustração deste ponto (João 8:1-11).
3. Jesus não está dizendo que devemos deixar definitivamente de julgar, porque somos pecadores; mas que devemos fazê-lo, especialmente quando a condição dos outros é mais grave do que a nossa. Observe que Cristo não diz que se tivermos serragem em nossos olhos não podemos ajudar a pessoa com uma viga em seu olho. Se o nosso problema é só serragem, devemos ajudar por todos os meios aqueles que julgamos ter problemas maiores!
3. O Verdadeiro Significado de “Não Julgueis”
Como se vê, Mateus 7:1, o texto fundamental para o evangelho da tolerância “não me julgue”, não diz que todo julgamento deve cessar. Não está dizendo que não deveria haver julgamentos dentro da igreja quando surgem questões de disciplina eclesiástica. Devemos julgar, e o fazemos, quando um irmão ou irmã erra ao abraçar crenças e padrões de vida que são incompatíveis com o reino de Deus. O ponto da passagem de Mateus 7:1 é que, quando fazemos esses julgamentos, devemos ser muito cuidadosos na maneira como o fazemos.
Em outras palavras, Jesus indica que devemos julgar. Se o problema é uma viga ou um pouco de serragem, devemos ajudar os nossos irmãos e irmãs em dificuldades. Mas devemos fazê-lo de maneira apropriada. Nosso Senhor está advertindo contra a nossa hipocrisia em apontar rapidamente falhas de menor importância, enquanto não nos preocupamos com os nossos próprios pecados graves. Cristo está dizendo que, se julgamos aos outros desta maneira hipócrita, seremos julgados por um Deus que vê o que fazemos em segredo.
Paulo defendeu o mesmo ponto, quando escreveu: “Portanto, és inescusável quando julgas, ó homem, quem quer que sejas, porque te condenas a ti mesmo naquilo em que julgas a outro; pois tu, que julgas, fazes o mesmo.” (Romanos 2:1). Aquele que acusa aos outros naquilo que permite em si mesmo, é imperdoável e condena a si mesmo. Natã trouxe a mesma mensagem a Davi em II Samuel 12:1-11.
De fato, no Sermão do Monte Cristo ensina a humildade e a paciência no nosso relacionamento para com todos os que erram. Ele ensinou a mesma lição na parábola do joio e do trigo.
Paciência, Não o Evangelho da Tolerância
Contrariamente às alegações do evangelho da tolerância, a parábola de Cristo em Mateus 13:24-30 não pode ser usada para justificar a doutrina relativista do “não me julgue.” Sua declaração no versículo 30: “Deixai crescer ambos [o trigo e o joio] juntos até à ceifa” não serve de sustentação para a alegação de que a Igreja não tem direito de julgar ninguém, nem de condenar suas crenças erradas e má conduta. Em vez disso, a parábola apela para que seja exercido extremo cuidado sempre que tentarmos disciplinar pessoas – para evitar que em nossa pressa cometamos erros graves.
1. Não Julgue os Motivos. Devemos ter cuidado para não julgar o caráter e ao motivos das pessoas. Fazemos bem em não arrogar para nós mesmos o que só Deus pode fazer – ler o coração e os motivos das pessoas. Em Parábolas de Jesus, Ellen White adverte:
“Dói aos servos de Cristo ver misturados na congregação crentes falsos e verdadeiros. Anseiam fazer alguma coisa para purificar a igreja. Como os servos do pai de família, estão dispostos a arrancar o joio. Mas Cristo lhes diz: ‘Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele. Deixai crescer ambos juntos até à ceifa.’ Mateus 13:29 e 30.”
“Cristo ensinou claramente que aqueles que perseveram em pecado declarado devem ser desligados da igreja; mas não nos confiou a tarefa de ajuizar sobre caracteres e motivos. Conhece demasiado bem nossa natureza para que nos delegasse esta obra. Se tentássemos desarraigar da igreja os que supomos serem falsos cristãos, certamente cometeríamos erro. Muitas vezes consideramos casos perdidos justamente aqueles que Cristo está atraindo a Si. Se devêssemos proceder com essas pessoas segundo nosso parecer imperfeito, extinguir-se-ia talvez sua última esperança. Muitos que se julgam cristãos serão finalmente achados em falta. Haverá muitos no Céu, os quais seus vizinhos supunham que lá não entrariam. O homem julga segundo a aparência; mas Deus vê o coração. O joio e o trigo devem crescer juntos até à ceifa; e a colheita é o fim do tempo da graça.” (Parábolas de Jesus, pp. 71-72).
Observe que, segundo a Sra. White, “Cristo ensinou claramente que aqueles que perseveram em pecado declarado devem ser desligados da igreja.” Para poder fazer isso, precisamos saber como tomar decisões corretas, com discernimento espiritual. As Escrituras repetidamente nos advertem a discernir entre o bem e o mal (Hebreus 5:14). Malaquias 3:18 exorta-nos a discernir entre o justo e o ímpio, entre aquele que serve a Deus e os que não o fazem. Ezequiel 44:23 nos diz que devemos ensinar às pessoas a diferença entre o santo e o profano, levando-os a discernir entre o impuro e o puro. O apóstolo João nos convida a discernir entre o espírito da verdade e o espírito do erro (l João 4:6). E Paulo nos ordena a defender a verdade e a rejeitar a mentira (Romanos 1:25), pois nenhuma mentira provém da verdade “(I João 2:21).
Mas, ao contrário do testemunho irrefutável da Escritura, o evangelho da tolerância “não me julgue” nos ensina a não estabelecer limites entre idéias e práticas certas e erradas. Ele nos convida a não discriminar ou tentar pesar o valor de diferentes crenças e estilos de vida. Porém, como podemos ser salvos se não discernirmos entre o bem e o mal, o certo e o errado? A falha em exercer este poder de julgamento pode ser não apenas espiritualmente fatal, mas podemos levar outros a se perderem também. É por isso que a Escritura nos diz para examinarmos tudo cuidadosamente e retermos o que é bom, abstendo-nos de toda forma de mal (I Tessalonicenses 5:21-22).
Assim como a declaração de Jesus em Mateus 7:1 no Sermão da Montanha, esta parábola sobre o trigo e o joio não está dizendo que não devemos julgar de maneira alguma, mas sim que devemos ter muito cuidado sempre que tentarmos disciplinar pessoas. A parábola nos adverte a conhecermos os limites de nossas capacidades humanas de discernimento. Não podemos conhecer o coração e os motivos dos outros. Estes se inserem na competência de Deus. Só Deus pode julgar o caráter e os motivos. Temos de ser cuidadosos.
2. Seja Paciente. [O livro] Parábolas de Jesus traz outra lição importante nesta parábola, a lição da longanimidade ou paciência ao lidar com os que erram: “Há nas palavras do Salvador ainda outra lição, uma lição de maravilhosa longanimidade e terno amor. Como o joio tem as raízes entrelaçadas com as do bom trigo, assim falsos irmãos podem estar na igreja, intimamente ligados com os discípulos verdadeiros. O verdadeiro caráter desses pretensos crentes não é plenamente manifesto. Caso fossem desligados da congregação, outros poderiam ser induzidos a tropeçar, os quais, se não fosse isto, permaneceriam firmes.” (Parábolas de Jesus, p. 72).
É somente neste contexto de longanimidade que a Sra. White nos exorta a não condenar ou julgar os outros. “O Redentor não quer perder uma única pessoa. Sua experiência com Judas é relatada para mostrar Sua longanimidade com a corrompida natureza humana; e nos ordena sermos pacientes como Ele o foi. Disse que até ao fim do tempo haveria falsos irmãos na igreja. Apesar da advertência de Cristo, têm os homens procurado arrancar o joio. ... Na parábola de Cristo não nos é ensinado que julguemos e condenemos a outros, antes sejamos humildes e desconfiemos do eu.” (Ibid., pp. 73-74).
Conclusão
Não podemos afirmar saber os verdadeiros motivos e motivações daqueles que abraçaram o evangelho da tolerância e sua doutrina relativista do “não me julgue”. Mas uma coisa é certa: Tanto a Bíblia quanto Ellen White deixam abundantemente claro que a Igreja tem o dever de julgar crenças e práticas errôneas. A questão não é não julgar qualquer pessoa. Trata-se do extremo cuidado que devemos exercitar quando julgamos ou disciplinamos aqueles que erram. A declaração a seguir captura qual deve ser a nossa atitude quando somos chamados a exercer esta obrigação divina:
“Ao lidar com os que erram, não devemos recorrer a medidas severas; meios mais suaves terão um efeito muito maior. Utilize meios mais suaves com maior perseverança, e mesmo se não tiverem êxito, espere pacientemente; nunca apresse a questão de exclusão de um membro da igreja. Ore por ele, e veja se Deus não atuará no coração do pecador. A disciplina tem sido largamente pervertida. Aqueles que possuem eles mesmos caracteres muito deficientes têm sido muito apressados em disciplinar a outros e assim toda a disciplina tem se tornado motivo de desdém. Paixão, preconceito e parcialidade, lamento dizer, obtiveram abundante espaço para exibição, e a disciplina adequada tem sido estranhamente negligenciada. Se aqueles que lidam com os que erram tivessem o coração cheio do leite da bondade humana, que espírito diferente prevaleceria em nossas igrejas. Que o Senhor possa abrir os olhos e abrandar os corações daqueles que têm um espírito severo, não perdoador e implacável para com os que pensam de maneira errada. Tais homens desonram seu cargo e desonram a Deus. Eles entristecem os corações de Seus filhos, e obriga-os a clamar diante de Deus em sua aflição. O Senhor certamente ouvirá o seu clamor, e os julgará por essas coisas.” (Review and Herald, 14 de maio de 1895).

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Disciplina Eclesiástica: Evitando os Extremos

 
A igreja deve agir em nome e na autoridade de Cristo.
A palavra disciplina vem do latim discere – “aprender” a mesma raiz da palavra “discípulo”1. Disciplina é “ensino, instrução, educação, submissão a um regulamento”2. No hebraico é musar (Dt 11:2; Pv 5:12; 15:10, etc), que, além de disciplina, significa também “instrução, advertência, castigo”3. “O termo musar significa ‘disciplina’ mas é mais que isso. [...] Ele ensina como viver corretamente no temor do Senhor”4. Já os escritores do Novo Testamento empregaram, entre outras, a palavra paidéia (Ef 6:4; 2Tm 3:16; Hb 12:5, 7, 8, 11, etc), com o significado de “treinamento” “disciplina” – do verbo paideuo, cujo significado é instruir, treinar, educar, corrigir (algumas vezes esse verbo é também empregado com o sentido de punir, castigar). É verbo utilizado para se referir à instrução de crianças,5 base para a palavra pedagogia – treinamento de uma criança.6 Paidéia, no Novo Testamento (especialmente nas epístolas paulinas), visa o mesmo que as Escrituras Sagradas, que é o “ensino, a repreensão, a correção e a educação [paidéia] na justiça” (cf. 2Tm 3:16)7.
Como visto, a idéia primeira da palavra disciplina não é castigar, punir (às vezes é empregada também com estes sentidos), mas sim ensinar, instruir, educar alguém. Assim, ao pensarmos em disciplina, deveríamos ter em mente que ela é, primeiramente, corretiva, e não punitiva. E esse deveria ser o objetivo de todo líder religioso ou membro de comissão de igreja (e das demais comissões) quando se reúnem para estudar casos em que a disciplina deve ser administrada a um membro do corpo de Cristo. A disciplina nunca deveria parecer vingança contra alguém.8
É fato que a igreja tem o direito e o dever de disciplinar seus membros. Tal autoridade foi-lhe dada pelo próprio Cristo, quando disse aos Seus discípulos (e por extensão à Sua igreja): “Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na Terra terá sido ligado nos Céus, e tudo o que desligardes na Terra terá sido desligado nos Céus” (Mt 18:18). Assim, a igreja age em nome e na autoridade de Cristo mesmo, e o espírito por trás da disciplina deve também ser o de Cristo – de corrigir, elevar, restaurar e curar.
O ideal é que nenhum membro precisasse ser disciplinado. Mas como a igreja é composta por pessoas que ainda têm a natureza carnal, vez ou outra, elas cometem pecados. Alguns casos são resolvidos entre o pecador e Deus; outros, entre ofensor e ofendido, e que não trazem opróbrio sobre a igreja. Nesse caso, a disciplina eclesiástica não é necessária. Mas há pecados que, quando vêm a público, escandalizam grandemente os irmãos, atentam contra o bom nome da igreja e suas normas, e a expõem negativamente perante os descrentes. Nessa circunstância, cabe disciplina eclesiástica, para que sejam preservados o bom nome da igreja e as normas cristãs. “Deus considera Seu povo como um corpo, responsável pelos pecados que existem em indivíduos em seu meio. Se os dirigentes da igreja negligenciam buscar com diligência os pecados que trazem o desfavor de Deus sobre a corporação, eles se tornam responsáveis por estes pecados.”9
Mas, nessa questão da disciplina eclesiástica, há dois riscos: de um lado, a indulgência, ou seja, não ser firme e pronto em tratar com os pecados dos irmãos; e do outro lado, aplicar a disciplina com um espírito farisaico e destituído de amor. Indulgência é misericórdia sem justiça, farisaísmo é justiça sem misericórdia. Esses dois extremos são mais bem explicitados com as situações de pecado entre os irmãos da igreja de Corinto, relatadas em 1 Coríntios 5:1-13 e 2 Coríntios 2:5-11. Analisemos esses versos paulinos e tiremos as lições que eles contêm quanto ao assunto da disciplina eclesiástica.

Um extremo: misericórdia sem justiça

I Co 5:1-13 – Um membro da igreja de Corinto havia cometido “imoralidade” (5:1) com a “mulher de seu próprio pai” – não a mãe do rapaz, mas sua madrasta ou uma concubina de seu pai.
A palavra grega traduzida por ”imoralidade” é pornéia, e pode ser empregada, em sentido amplo, para designar qualquer ato sexual ilícito. Aqui , no contexto de 1 Coríntios 5:1-13, ela deve ser entendida como ”fornicação” (sexo praticado por pessoa solteira), “prostituição” e “imoralidade” Deve-se notar que o fato de Paulo não empregar a palavra moichéia (adultério), e sim, pornéia, talvez possa indicar que o pai do rapaz já fosse falecido. Tratava-se, portanto, de um caso de incesto, condenado tanto pelas leis judaicas (ver Dt 22:30; 27:20), quanto pelas romanas.10
Face à gravidade do pecado de um de seus membros, o que fez a igreja de Corinto? Nada, nenhuma tentativa para resolver a situação. Ao contrário: andavam “ensoberbecidos” (ICo 5:2), ou seja, em vez de baixarem a cabeça e ficarem envergonhados pelo ocorrido, estavam cheios de orgulho espiritual (isso não quer dizer que aprovavam o ato do rapaz, mas que, apesar da gravidade do ato, ainda se sentiam orgulhosos espiritualmente). E, como conseqüência, nem chegaram a se lamentar pelo ocorrido (5:2).
Devido à indulgência e frouxidão da liderança e dos membros da igreja de Corinto, Paulo ordenou-lhes que o ofensor fosse “tirado” do meio deles (5:2), ou seja, fosse desligado da igreja (cf. Mt 18:18). Além disso, que também fosse “entregue a Satanás para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo no Dia do Senhor [Jesus]” (5:5). Essas são palavras fortes, mas apropriadas ao caso. “Ser entregue a Satanás” aqui, equivale a ser “tirado” ou desligado do corpo de Cristo – a igreja. Como só há dois reinos, o de Cristo e o de Satanás, o jovem deveria ser ”posto” onde ele mesmo já se encontrava: no reino do inimigo. Isso deveria causar um choque ao ofensor, fazê-lo compreender a enormidade e gravidade de seu ato, e levá-lo ao arrependimento. Mas como a igreja nada fizera para discipliná-lo, ele estava no reino de Satanás, pensando estar ainda no reino de Deus. Se o moço aceitasse a disciplina, confessasse seu ato e dele se arrependesse, poderia ter “sua carne destruída” – expressão de difícil entendimento, mas provavelmente se refira à situação de se vencer as tentações carnais que levavam esse rapaz ao pecado. Se ele fosse um vencedor de suas tendências imorais e fornicarias, seu “espírito” (ele mesmo) seria salvo “no Dia do Senhor” (uma referência à segunda vinda). E se isso ocorresse, estaria cumprido o objetivo maior de toda disciplina: a conscientização e salvação do ofensor.

O outro extremo: justiça sem misericórdia

2 Co 2:5-11 – Em sua segunda epístola à igreja de Corinto, Paulo fala de alguém que pecara, fora disciplinado, mas fora também banido do amor e da simpatia dos membros da igreja (2Co 2:5-11) – uma situação exatamente oposta àquela mencionada em sua primeira carta, como foi visto.
De acordo com 2 Coríntios 2:5, o ex-membro havia causado “tristeza” à igreja (não nos é dito o que ele havia feito). Alguns o identificam com o jovem fornicário de 1 Coríntios 5:1-13), que fora disciplinado “pela maioria” (2:6) – procedimento correto adotado, visto que a disciplina é ministrada não por uns poucos membros, nem ainda pela comissão da igreja (que apenas estuda o caso e recomenda a disciplina), mas pela maioria dos membros da igreja, presentes a uma reunião administrativa devidamente convocada.11
Pelo relato paulino, vê-se que a disciplina cumprira seu propósito de conscientizar e levar o ofensor e ex-membro à confissão e ao arrependimento. Ele estava triste pelos atos praticados. Mas sem o perdão, conforto, amor e simpatia de seus irmãos de fé, estava sendo “consumido por excessiva tristeza” (2:7). Esse é um caso típico de “zelo sem entendimento” de justiça sem misericórdia. Se no caso do moço fornicador de 1 Coríntios 5 faltou firmeza e justiça (aspecto firme do amor), no caso mencionado na 2a carta aos Coríntios faltou misericórdia (a face suave do amor) e sobrou zelo farisaico. A verdade é que, por sua atitude penitente e arrependimento, o irmão disciplinado merecia nova chance. Por isso, Paulo roga aos irmãos de Corinto: “Que confirmeis para com ele o vosso amor” (2:8). E, em assim fazendo, não permitiriam que Satanás (o instigador de todo o mal) alcançasse vantagem sobre a igreja (2:11). O fato é que Satanás alcança vantagem quando a igreja é omissa e frouxa quanto à disciplina, bem como quando ela disciplina com um zelo destituído de amor. A frouxidão embala o membro com uma falsa segurança quanto à sua salvação, enquanto o zelo farisaico impede o retorno do irmão arrependido.
“Quando a pessoa que errou se arrepende e se submete à disciplina de Cristo, cumpre dar-lhe outra oportunidade. E mesmo que se não arrependa e venha a ficar colocada fora da igreja, os servos de Deus têm o dever de envidar esforços com ela, buscando induzi-la ao arrependimento. Se a pessoa se render à influência do Espírito de Deus, dando evidência do seu arrependimento, confessando e renunciando ao pecado, por mais grave que tenha sido, deve merecer o perdão e ser de novo recebida na igreja. Aos seus irmãos compete encaminhá-la pela vereda da justiça e tratá-la como desejariam ser tratados em seu lugar, olhando por si mesmos para que não sejam tentados de idêntico modo.12
Pelo visto, os irmãos de Corinto, ao tratarem do caso desse irmão que havia causado tristeza à igreja, demonstraram sofrer de SIMV – Síndrome do Irmão Mais Velho – , relatada em Lucas 15:25, cujos sintomas são um coração cheio de ira (Lc 15:28), queixoso (15:29) e condenador (15:30), em relação ao irmão que saiu de casa, mas que voltava arrependido. Enquanto uma festa acontecia dentro de casa para comemorar a volta do irmão desgarrado, o irmão mais velho preferiu ficar no alpendre. Será que o pai conseguiu persuadi-lo a entrar? A parábola deixa essa questão em aberto, justamente para que cada ”irmão mais velho” (membro da igreja que nunca precisou ser disciplinado) diga se participará da festa quando um membro faltoso se arrepende e retorna, ou se ficará no alpendre do farisaísmo e da falta de simpatia e amor.

Razões para a Disciplina dos Membros

1. Negação da fé nos princípios fundamentais do evangelho e nas doutrinas básicas da Igreja, ou o ensino de doutrinas contrárias a eles.
2. Violação da lei de Deus, tal como a adoração de ídolos, homicídio, roubo, profanação, jogos de azar, transgressão do sábado, e falsidade voluntária e habitual.
3. Transgressão do sétimo mandamento da lei de Deus, pelo que diz respeito à instituição matrimonial , ao lar cristão e às normas bíblicas da conduta moral.
4. Transgressões tais como fornicação, promiscuidade, incesto, prática homossexual, abuso sexual de crianças e de adultos vulneráveis e outras perversidades sexuais, e novo casamento de pessoa divorciada, exceto o cônjuge que permaneceu fiel ao voto matrimonial num divórcio causado por adultério ou perversões sexuais.
5. Violência física, inclusive violência na família.
6. Fraude ou deliberada falsidade no comércio.
7. Procedimento desordenado que traga opróbrio sobre a igreja.
8. Adesão ou participação num movimento ou organização separatista ou desleal.
9. Persistente negativa quanto a reconhecer as autoridades da igreja devidamente constituídas, ou por não querer submeter-se à ordem e à disciplina da igreja.
10. 0 uso, a fabricação ou a venda de bebidas alcoólicas.
11. 0 uso, a fabricação ou a venda do fumo em qualquer de suas formas para consumo humano.
12. 0 uso indevido ou o tráfico de narcóticos ou outras drogas.

Aplicando a Disciplina

É esperado que os membros de uma comissão de igreja (ou qualquer outra) tenham procedimento ético, prontidão e delicadeza na administração da disciplina, que avaliem e decidam com base em fatos, que não comentem com os demais irmãos da igreja assuntos tratados nas reuniões de comissão. Do membro a ser disciplinado é esperado o reconhecimento da seriedade de sua falta e acatamento da disciplina, arrependimento, mudança de conduta (e em caso de remoção, que retorne ao seio da igreja). De todos os membros da igreja se espera que tenham atitude firme, mas perdoadora para com o membro disciplinado, e que continuem mantendo interesse no bem-estar espiritual dele. Uma visita de vez em quando fará muito bem a ele, fazendo-o ver que seus irmãos de fé ainda o amam, apesar do ocorrido. Se, após análise detalhada e exaustiva do caso, a comissão da igreja entender que o ofensor deva ser disciplinado, ela encaminhará a recomendação de disciplina à igreja, que a votará em uma reunião administrativa, devidamente convocada. A aprovação (ou não) da recomendação para a disciplina se dará pelo voto da maioria. No caso da disciplina ser a remoção, a notificação deverá ser feita por escrito e entregue, de preferência, pelo pastor ou por alguém designado pela comissão da igreja, o qual deve assegurar ao removido que Deus e a igreja sempre esperarão por seu retorno. Em conclusão a esse assunto tão espinhoso, mas ao mesmo tempo tão necessário para a preservação das normas bíblicas e para uma vida espiritual sadia, deveríamos sempre nos lembrar de que: (1) somos todos pecadores, e assim não deveríamos nos julgar superiores aos irmãos que erram e são disciplinados. Como diz Paulo: “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia”(1 Co 10:12), e (2) devemos tratar os outros assim como gostaríamos de ser tratados. De acordo com a Regra Áurea,”tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles”(Mt 7:12).

Tipos de Disciplina

Basicamente, há dois tipos de disciplina eclesiástica:
1) Censura: de um a doze meses, aplicada àqueles que cometem atos que merecem a desaprovação da igreja, mas que se arrependeram profundamente e fizeram confissão espontânea. Tal disciplina tem o duplo propósito de manifestar a desaprovação da igreja, bem como dar tempo ao ofensor de corrigir sua conduta. Enquanto durar o tempo da censura, o membro não pode participar publicamente dos cultos, nem ensinar em uma classe da Escola Sabatina, por exemplo. Mas não deve ser privado de assistir às reuniões da igreja. Uma vez terminado o tempo da censura, e havendo o ofensor dado mostras de mudança de comportamento, ele volta à plena comunhão com a igreja, sem necessidade de qualquer outro voto.
2) Remoção: aplicada em casos de flagrante violação da lei de Deus, especialmente quanto a pecados de fornicação (sexo praticado por solteiros), adultério, todos os atos de indiscrição moral, além de outros pecados que trazem opróbrio público sobre a igreja. Nesses casos, a remoção é necessária para a proteção do bom nome da igreja e das normas cristãs. Quando o membro removido der provas de estar de acordo com as normas e ensinos da igreja, ele ou ela retorna geralmente pelo rebatismo.

Referências

1. Antônio Geraldo da Cunha, Dicionário Etimológico da língua Portuguesa (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982), p. 268.
2. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Dicionário Aurélio da língua Portuguesa, 3a ed. (Curitiba: Editora Positivo, 2004), p. 684.
3. W. E.Vine, Dicionário Vine (Rio de Janeiro: CPAD, 2003), p 153.
4. Ibid.
5. F. Wilbur Gingrich Léxico do Novo Testamento Grego/Português (São Paulo: Vida Nova, 1993), p. 153.
6. W. E. Vine, Dicionário Vine, op. cit-, p. 153.
7. Gerhard Friedrich, Theological Dictionary of the NewTestament, v. 50 (Grand Rapids: Eerdmans, 2006), p. 623.
8. Ellen G. White, Testemunhos Seletos, v. 3 (Santo André: Casa Publicadora Brasileira, 1985), p. 201.
9. Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja,v. 3 (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2002), p. 269.
10. R. N. Champlin, 0 Movo Testamento Interpretado, v. 4 (São Paulo: Candeia, 1995), p. 68,69.
11. Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia, edição revisada em 2005 (Tatui: Casa Publicadora Brasileira, 2006), p. 197.
12. Ellen G. White, Testemunhos Para Ministros e Obreiros Evangélicos (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1993), p. 502.
Artigo de Ozeas Caldas Moura, doutor em Teologia Bíblica e editor na Casa Publicadora Brasileira, publicado na Revista Adventista de Julho/2008.

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