sexta-feira, 18 de maio de 2012

Jesus e o Espírito Santo: São Eles uma única Pessoa, atuando de formas diferentes?



Em nossa época de pluralidade de crenças e completa liberdade de expressão, têm se tornado cada vez mais comuns os ataques às doutrinas cristãs, conforme explicitadas nas Escrituras e tradicionalmente compreendidas pelos teólogos e fiéis. Essa situação adquire contornos de crise uma vez que a postura pós-moderna parece exigir certa passividade diante das diferenças, ao mesmo tempo em que o bombardeio dos meios de comunicação contra as Escrituras se torna mais e mais inclemente. Se levantamos a voz para denunciar os equívocos de tais posturas excessivamente permissivas, somos chamados de intolerantes. Por outro lado, se nos calamos, somos rotulados como pessoas incultas, destituídas de argumentação e credibilidade, indignas de atenção, escravas da fé cega.


Diante dessa situação até certo ponto melindrosa, nos propomos a desenvolver uma reflexão sobre a possibilidade de que Jesus e o Espírito Santo sejam uma única Pessoa. Esse argumento tem sido recentemente proposto por movimentos dissidentes que tentam negar a pessoalidade e a personalidade do Espírito Santo, bem como minar a crença na doutrina das três Pessoas que compõem a Divindade. Ao defender essa posição, seus propositores procuram mostrar que, quando se referem ao “outro Consolador”, à intercessão em favor dos crentes e à distribuição de dons à igreja, as Escrituras estão, de fato, descrevendo a obra de Jesus, codificada sob a forma de enigmáticas referências ao Espírito Santo.


“Outro Consolador”


Jesus Cristo disse: “Eu pedirei ao Pai, e Ele lhes dará outro Conselheiro para estar com vocês para sempre, o Espírito da verdade. O mundo não pode recebê-Lo, porque não O vê nem O conhece. Mas vocês O conhecem, pois Ele vive com vocês e estará em vocês. Não os deixarei órfãos; voltarei para vocês. Dentro de pouco tempo o mundo não Me verá mais; vocês, porém, Me verão. Porque Eu vivo, vocês também viverão” (Jo 14:16-19, NVI).


Infelizmente, uma compreensão inadequada dessa passagem tem levado alguns a concluir que a promessa nela contida, de que Jesus não deixaria órfãos os discípulos, e de que Ele voltaria para eles, aponta para a vinda de Jesus à Terra para realizar a obra do Espírito Santo.


A maioria dos teólogos crê que Jesus aqui Se referiu à Sua vinda por ocasião da ressurreição. Obviamente, a vinda do Conselheiro é condicionada pela morte e ressurreição de Jesus. Devemos nos lembrar de que, nesse contexto, a promessa de Jesus foi motivada por uma declaração de Tomé: “Senhor, não sabemos para onde vais” (Jo 14:5). Diante disso, o Mestre explicou que rogaria ao Pai por outro Consolador e que este ficaria para sempre com os discípulos. Até aqui, a afirmativa de Jesus respondia somente em parte à inquietação dos discípulos, seu temor de ser abandonados. Contudo, Tomé havia feito referência específica à curiosidade dos discípulos quanto ao que aconteceria com o Mestre e, por essa razão, Jesus acrescentou que voltaria para eles, mas o mundo não mais O veria. De fato, imediatamente após a ressurreição, Jesus não mais Se manifestou para as pessoas do mundo (a não ser para aqueles que, por Sua autorrevelação, vêm a se converter).


Para defender o ponto de vista de que Jesus estava falando de Si mesmo, ao Se referir a outro Consolador, os que pensam assim primeiramente argumentam que nem o mundo nem os discípulos conheciam o Espírito Santo e que, já que os discípulos conheciam Jesus muito bem, o Espírito e Jesus tinham que ser a mesma pessoa. Segundo esse modo de pensar, a declaração de Jesus, de que os discípulos não O veriam ainda, seria cumprida por ocasião de Sua vinda como o “outro Consolador”. Essa posição não considera, porém, que o Espírito Santo já havia sido derramado sobre os discípulos, segundo a promessa de João Batista (Mc 1:8; 6:13), ainda que não de forma plena (Lc 24:49; Jo 20:21, 22; At 1:5). Ninguém vai a Cristo senão pela atuação do Espírito Santo. A própria condição de discípulos lhes garantia um conhecimento (ainda que parcial) do Espírito Santo.


O segundo argumento empregado para provar uma suposta identificação de Jesus como o “outro Consolador” é o da comparação das expressões “outro Consolador” e “outro discípulo”: “Pedro e o outro discípulo saíram e foram para o sepulcro. Os dois corriam, mas o outro discípulo foi mais rápido que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro” (Jo 20:3, 4). Argumentam que, se João podia se chamar de “outro discípulo”, o Salvador podia Se referir a Si mesmo como “outro Consolador”. É verdade que, ocasionalmente, Jesus Se referia a Si mesmo na terceira pessoa (Mt 12:40; 17:9; Lc 24:15, 16, 26, 27). No entanto, nunca o fez por meio da palavra “outro”. De fato, todas as vezes em que Ele empregou essa palavra, estava falando de outra pessoa. Por exemplo: “Eu vim em nome de Meu Pai, e vocês não Me aceitaram; mas, se outro vier em seu próprio nome, vocês o aceitarão” (Jo 5:43). Ele também usou essa palavra referindo-Se a João Batista (Jo 5:32).


João podia se referir a si mesmo como “o outro discípulo” porque havia mais discípulos; mas, se Jesus é o Consolador único, como querem os dissidentes, seria ilógico que Ele Se referisse a Si mesmo como sendo outro Consolador. Aliás, para que tenha sentido o argumento de que Jesus poderia usar a palavra “outro” em relação a Si mesmo porque João a usava, seria necessário que, no texto empregado para defender essa ideia (Jo 20:3, 4), João e Pedro fossem uma única pessoa. Ao contrário disso, ele afirmou que eram duas pessoas diferentes. Semelhantemente, quando Jesus chamou o Espírito Santo de “outro Consolador”, estava afirmando que Ele e o Espírito Santo são duas pessoas diferentes.


Ellen G. White esclarece a exposição de Jesus: “Limitado pela humanidade, Cristo não poderia estar em toda parte em Pessoa. Era, portanto, do interesse deles [os discípulos] que Ele fosse para o Pai e enviasse o Espírito como Seu sucessor na Terra.” 1 Evidentemente, não podemos conceber que ela estivesse falando de um sucessor de Jesus, se o Espírito Santo fosse apenas um nome diferente para o Senhor Jesus Cristo.


Espírito Santo: impessoal?


O texto de Atos 2:33 tem sido usado, em tempos recentes, como suposta prova de que o Espírito Santo não é uma Pessoa. Os argumentos correm em duas linhas principais: (1) o verso especificamente se refere ao Espírito Santo por meio do pronome demonstrativo “isto”, de valor neutro, e que (2) o verbo “derramar” deixa claro que Ele não é uma pessoa, mas uma espécie de força, coisa ou objeto. Diz o texto: “Exaltado, pois à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis.” O primeiro argumento que considera desrespeitoso o emprego da palavra “isto” (touto, em grego) em relação a uma Pessoa divina, esbarra em uma ificuldade intransponível. O uso de “isto” se deve ao fato de que a expressão “Espírito Santo” (pneuma hagion) é neutra em grego.


Diferentemente do português, idioma que conta com apenas dois gêneros, o grego (assim como o latim) possui três. No idioma português, definimos como masculinos ou femininos mesmo os objetos assexuados. Assim, “mar” é masculino e “mensagem” é feminino. Mas em grego, é comum o emprego do gênero neutro quando não queremos fazer referência explícita ao sexo. Dessa forma, a palavra “bebê” (brephos) ou a expressão “filhinhos” (teknia), muito empregada pelo apóstolo João em suas epístolas, são expressões neutras, sem nenhuma referência ao sexo das pessoas envolvidas. A mesma coisa acontece em inglês, quando se refere ao Espírito Santo, a um bebê ou a uma criança como it (isso).


A tradução de Atos 2:33 para o português deixa claro que a língua grega trata a expressão “Espírito Santo” como neutra. Se os que defendem a impessoalidade do Espírito Santo pesquisassem cuidadosamente o grego, descobririam que esse não é o único caso. A mesma coisa ocorre em João 14:16, 17, embora, ali, a tradução não o deixe explícito. Em outras passagens (Jo 14:26; 16:7, 8, 13, 14), João emprega o pronome masculino ekeinos (“este” ou “ele”) para se referir ao Espírito Santo, mostrando que os gêneros masculino e neutro não são atribuídos, de forma consistente, à terceira Pessoa da Divindade. De fato, Deus não é homem nem mulher, pois “é espírito, e importa que os que O adoram O adorem em espírito e em verdade” (Jo 4:24). Em todo caso, percebe-se que tanto bíblica quanto linguisticamente, o gênero de uma palavra não determina a pessoalidade do ser que ela representa.


Em relação ao segundo argumento, acaso pode-se dizer que o verbo “derramar” nunca possa ter seres pessoais como seu objeto? Não! Por exemplo, em Portugal, um jornal esportivo noticiou o seguinte: “O jogo foi desfigurado como espetáculo, mas ainda atraente. O Liverpool derramou homens em frente… estilo italiano defendendo.”2 Nesse caso, percebe-se que o time inglês adotou estilo defensivo das equipes italianas, “derramando” jogadores à frente da defesa. Pode-se derramar uma pessoa? Aparentemente, sim, desde que estejamos falando em linguagem figurada. Um poema de Gustavo Bicalho mostra isso:


“Segunda-feira. Perde-se a hora. O relógio evaporou. ‘Moço, me vê um copo d’água?’ ‘Acabou.’ A avenida derrama gente. Sublimo.”


O poeta descreve como seu eu lírico despertou atrasado na segunda-feira, entrou em um estabelecimento em busca de água, não a encontrou, voltou à avenida repleta de pessoas e, finalmente, relevou as dificuldades.


Quando a Bíblia fala que o Espírito é derramado sobre toda a carne (Jl 2:28), está usando linguagem figurada, assim como quando o faz ao dizer que a cólera de Deus se derrama como fogo (Na 1:6; Ap 16:1), ou que o amor divino é derramado em nosso coração (Rm 5:5). De acordo com Ellen G. White, “nenhum princípio intangível, nenhuma essência impessoal ou simples abstração poderia satisfazer às necessidades e anelos dos seres humanos nesta vida de lutas com o pecado, tristeza e dor. Não basta crermos na lei e na força, em coisas que não têm piedade ou nunca ouvem o brado por auxílio. Precisamos saber acerca de um braço Todo-poderoso que nos manterá, e de um Amigo infinito que tem piedade de nós”.3


Espírito, mente, vida


Usando o mesmo raciocínio, perguntamos: Pode-se defender a ideia de que a expressão “Espírito Santo” seja empregada na Bíblia simplesmente com o significado de “mente” e “vida”? Não! Em todas as ocasiões em que a palavra “espírito” tem esse sentido figurado (1Rs 21:4, 5;
Dn 2:1-3; 1Co 14:14; 2Co 7:13), ela nunca vem seguida do adjetivo “santo”. Além disso, é-nos dito que “Cristo labutou por Sua vide. Príncipe do Céu, Ele era ainda o intercessor pelo homem, e tinha poder com Deus, e prevalecia em favor de Si mesmo e de Seu povo. Manhã após manhã, Ele comungava com o Pai celestial, recebendo dEle um batismo diário do Espírito Santo”.4 Na Terra, Jesus recebia o batismo diário do Espírito Santo. Portanto, Ele não podia ser batizado com Sua própria mente!


Pela mesma razão, não devemos entender a seguinte declaração de Paulo como significando que somente Deus entende as coisas de Deus: “Quem conhece os pensamentos do homem, a não ser o espírito do homem que nele está? Da mesma forma, ninguém conhece os pensamentos de Deus, a não ser o Espírito de Deus” (1Co 2:11). Ellen G. White explica muito bem esse texto: “O Espírito Santo tem personalidade, do contrário não poderia testificar ao nosso espírito e com nosso espírito que somos filhos de Deus. Deve ser também uma Pessoa divina, do contrário não poderia perscrutar os segredos que jazem ocultos na mente de Deus.”5
Também não devemos interpretar de modo figurado Romanos 8:26, como se o apóstolo sugerisse que é a “mente” de Cristo que realiza intercessão em favor do homens: “Da mesma forma o Espírito nos ajuda em nossa fraqueza, pois não sabemos como orar, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis.”


Os defensores da ideia de que as referências à intercessão do Espírito Santo representam figuradamente a intercessão de Jesus o fazem motivados por uma compreensão inadequada de 1 Timóteo 2:5, que diz haver apenas “um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: o
homem Cristo Jesus”. Tais pessoas passam por alto a compreensão teológica que se convencionou chamar de “a economia da Divindade”. Ou seja, embora Jesus tenha participado da criação de modo tão efetivo quanto o Pai, apenas este geralmente recebe o epíteto de Criador. Assim, embora o Pai tenha participado de modo tão efetivo quanto Jesus, é a este que geralmente designamos Redentor. As Pessoas divinas têm unidade de propósito e ação, mas cada uma delas, em certo sentido, Se destaca em relação a algum aspecto específico de atuação. Por isso, afirmar que Jesus é o único Mediador não contradiz o ensinamento bíblico de que o Espírito intercede pelo homem.


Em vez de contraditórias, as atuações de Jesus e do Espírito Santo como intercessores são, de fato, complementares. “Quando Cristo cessar Sua obra como mediador em favor do homem, então começará esse tempo de angústia. Então, estará decidido o caso de toda pessoa, e não haverá sangue expiatório para purificar do pecado. Ao deixar Jesus Sua posição como Intercessor do homem junto a Deus, faz-se o solene anúncio: ‘Quem é injusto, faça injustiça ainda… e quem é justo, faça justiça ainda; e quem é santo, seja santificado ainda.’”6 “Enquanto Jesus permanecer como Intercessor pelo homem no santuário celestial, a influência restritiva do Espírito Santo é sentida pelos governantes e pelo povo.”7 “Enquanto Jesus, nosso Intercessor, suplica por nós no Céu, o Espírito Santo atua em nós, para que queiramos e efetuemos a Sua vontade. O Céu todo se interessa pela salvação da pessoa.”8


Como se percebe, após Sua morte, Jesus passou a ser Intercessor no Céu, no santuário celestial. O Espírito Santo intercede a partir da Terra, convencendo-nos “do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16:8). De acordo com a economia da Divindade, nada impede que tanto Jesus como o Espírito Santo sejam identificados como intercessores. O Espírito intercede e Cristo também intercede. De fato, segundo Romanos 8:34, “quem os condenará? Foi Cristo Jesus que
morreu; e mais, que ressuscitou e está à direita de Deus, e também intercede por nós”.


Na distribuição dos dons


No capítulo 2 do livro de Atos, Lucas descreve a maneira pela qual o Espírito Santo concedeu o dom de línguas à igreja primitiva. No entanto, em Efésios 4:8, temos a declaração paulina de que foi Jesus quem distribuiu os dons espirituais à igreja: “Quando Ele subiu em triunfo às alturas, levou cativos muitos prisioneiros, e deu dons aos homens.” Provam essas declarações que Jesus e o Espírito Santo são a mesma pessoa? De modo nenhum! Outras passagens das Escrituras revelam que Jesus e o Espírito Santo participaram, conjuntamente, da distribuição de dons. Ao sugerir temas de pregação aos pastores evangelistas, Ellen G. White afirmou o seguinte: “São estes os nossos temas: Cristo crucificado pelos nossos pecados, Cristo ressuscitado dentre os mortos, Cristo nosso Intercessor perante Deus; e intimamente relacionada com estes assuntos acha-se a obra do Espírito Santo, Representante de Cristo, enviado com poder divino e com dons para os homens.”9 O Espírito Santo distribui os dons como representante de Cristo.


Jesus é a fonte dos dons, o Espírito Santo os entrega a nós. No entanto, a terceira Pessoa da Divindade conta com o consentimento dos demais membros da Divindade para fazê-lo segundo Seu próprio beneplácito: “Todas essas coisas, porém, são realizadas pelo mesmo e único Espírito, e Ele as distribui individualmente, a cada um, como quer.”


Além disso, a seguinte afirmação de Ellen White esclarece que Jesus está com o Espírito Santo quando este realiza Sua obra: “Quando as provações obscurecem a alma, lembre-se das palavras de Cristo, lembre-se de que Ele é uma presença invisível na pessoa do Espírito Santo, e Ele será a paz e o conforto que lhe são dados, manifestando-lhe que Ele está com você, o Sol da Justiça, expulsando suas trevas.”10 – Continua.


Referências:


1 Ellen G. White, Fé Pela Qual Eu Vivo (MM, 1959), p. 56.
2 Desporto Notícias, 20/02/2008.
3 Ellen G. White, Ibid., p. 54.
4 ___________, Signs of the Times, 21/11/1895.
5 ___________, Evangelismo, p. 617.
6 ___________, Patriarcas e Profetas, p. 201.
7 ___________, Spirit of Prophecy, v. 4, p. 429.
8 ___________, Signs of the Times, 03/10/1892.
9 ___________, Evangelismo, p. 187.


Milton L. Torres – Professor na Faculdade Adventista de Teologia do Unasp, Engenheiro Coelho, SP. Publicado na Revista Ministério Mar/Abr-2012.

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