Várias vezes vejo cristãos dizendo: “Ah, não importa quem é o pregador, Deus sempre irá usá-lo de alguma forma para edificar minha vida”. De onde surgiu isso? Essa visão ingênua e romantizada da igreja e do púlpito pode parecer muito bonita a alguns, mas, na verdade, é fruto de misticismo e não há nada de bíblico nela. O fato de alguém ocupar um púlpito não é salva-guarda contra falsos ensinos. Afirmar tal coisa é não apenas crer estar firme construindo sua casa sobre areia movediça (uma vez que Deus nunca prometeu essa segurança quanto aos sermões que ouvimos), mas também negar as diversas advertências bíblicas contra os falsos mestres, os quais pregam suas falsidades de dentro do próprio povo de Deus (Mt 7:15; 24:11; 2Co 11:13-15; Gl 2:3-5; 2Pd 2:1; 1Jo 4:1).
Ao contrário do que muitos acham, abrigar esse tipo de pensamento não acaba exaltando o púlpito como um local abençoado, mas, visto que tal visão não é bíblica, esse pensamento apenas rebaixa o púlpito cristão como um local místico, que pode ser ocupado por qualquer um, mesmo que não esteja sequer minimamente interessado e preparado para ministrar alimento sadio à igreja.
Púlpito não é brincadeira. Não é lugar para colocarmos alguém simplesmente por ser alguém incisivo ou simpático, “desenrolado” ou bem-intencionado, e sim pessoas que se preparem espiritual e intelectualmente para esta tarefa. Não inutilize a Palavra de Deus. Ela existe a fim de que possamos nos alimentar dela. Pôr no púlpito alguém que não está apto para alimentar a outros com a Palavra é uma forma de inutilizá-la, não só porque ela não estará servindo ao propósito para o qual foi dada, mas também porque ela mesma afirma que quem instrui o povo deve manejá-la bem (2 Tm 2:15) e que o Espírito reparte os dons conforme Lhe apraz. Uns possuem o dom de ser mestres, ou seja, instruir a igreja (1Co 12:7-11, 28); outros, não (1Co 12:28-29), portanto, não deveriam ocupar o púlpito.
Muitos podem achar essas palavras arrogantes, crendo que isso é pregar uma espécie de segregação. Curiosamente, essas pessoas não acham arrogante desconsiderar que o Espírito Santo é soberano acerca de como Ele reparte os dons e que não devemos cobiçar aquilo que Deus, em Sua infinita sabedoria, escolheu não nos dar. Tampouco acham arrogante subir a um púlpito para pregar suas próprias palavras, e não a Palavra de Deus. Sim, porque quem não estuda não poderá falar outra coisa senão suas próprias Palavras, pois Deus não costuma transmitir miraculosamente aquilo que podemos adquirir estudando. Em momento algum a Bíblia afirma que o Espírito Santo seria dado a fim de fazer de nós preguiçosos e pouco aplicados em buscar o sentido original do texto bíblico.
Se uma pessoa quer subir ao púlpito sem preparo espiritual e intelectual para alimentar a igreja, a única forma de amá-la e amar a igreja é não permitindo que a arrogância destruidora dela seja alimentada enquanto a igreja morre de inanição, pois é exatamente isso o que fazemos quando permitimos que tal pessoa pregue.
Quando digo que não devemos permitir isso, não é crucificando ou zombando do pregador ou dos púlpitos, numa revolta infantil e inoperante, mas cobrando amoravelmente dos líderes um alimento sólido, tanto deles quanto de quem eles colocam no púlpito. Cobrando cursos de capacitação para que a igreja tenha condições de ler, entender e comunicar efetivamente a Palavra de Deus, em vez de sermões melosos, ou fanáticos, ou sem pé nem cabeça, ou mesmo bem estruturados, mas cujas conclusões não procedem do texto bíblico.
Procure os líderes de sua igreja e converse humildemente sobre isso. Procure você também, na medida de suas possibilidades, estudar para cobrar. Muitos deles, quando veem que o nível dos membros é muito baixo, se acomodam e também passam a não estudar, criando um ciclo vicioso: líderes preguiçosos, incapazes de alimentar o povo; gerando um povo cada vez mais ignorante; que alimenta a preguiça desses líderes; que gera um povo cada vez mais ignorante; que… Não espere por ninguém; esse ciclo precisa ser rompido em algum ponto. Que seja você o ponto de rompimento com o desleixo para com a Palavra de Deus. Comece não admitindo sermões rasos, especulativos e que enfatizam o que a Bíblia não enfatiza, “negligenciando os preceitos mais importantes da lei” (= Palavra de Deus) (Mt 23:23). Comece parando de se resignar diante do engano supersticioso do “não importa quem pregue”. Importa, sim! Com amor e mansidão, exija Bíblia, cruz e evangelho nos púlpitos de sua igreja!
“Há homens que ficam nos púlpitos como pastores, professando alimentar o rebanho, enquanto as ovelhas estão morrendo por falta do pão da vida. Há longos e arrastados discursos grandemente compostos de narrativas de anedotas; mas o coração dos ouvintes não é tocado [e esse entretenimento pode ser tanto “liberal” como “extremista”]. Pode ser que os sentimentos de alguns sejam tocados, podem derramar algumas lágrimas, mas seu coração não foi quebrantado. […] O Senhor, Deus do Céu, não pode aprovar muito do que é trazido ao púlpito pelos que professam estar falando a Palavra do Senhor. Não inculcam ideias que sejam uma bênção para os que o ouvem. Alimento barato, muito barato é colocado diante do povo [novamente, esse alimento barato, água com açúcar, pode ser tanto “liberal” como “extremista”]” (Ellen G. White, Testemunhos para ministros, p. 336-337).
(Vanedja Cândido)Missão pós moderna