sábado, 10 de junho de 2017

O preconceito do centro apologético cristão de pesquisas em relação ao Adventismo do Sétimo Dia

LEANDRO QUADROS
MARTINEZ, J. F. O caso do articulista Fernando Galli e o adventismo.


O pedido de desculpas do apologista Fernando Galli, responsável pelo Instituto
Apologético Cristo Salva (IACS) e membro de uma Igreja Batista no interior de São Paulo, repercutiu negativamente entre os representantes pelo Centro Apologético Cristão de Pesquisas (CACP). Por exemplo, o pastor e apologista Joaquim de Andrade não se constrangeu em escrever sobre a nova postura de Galli: “Mais um sinal da vinda de cristo: ministério ‘apologético’ pede perdão aos adventistas afirmando que não podem ser considerados uma seita” (ANDRADE, 2016).

Por que um pedido de desculpas causaria tanta polêmica? Por que Fernando
Galli, após se familiarizar devidamente com as fontes primárias que apresentam o real posicionamento teológico adventista, concluiu que seu procedimento em rotular o adventismo do sétimo dia como uma “seita herética” não era apropriado. 


Mesmo ainda discordando das crenças distintivas adventistas, ele manifestou uma das qualidades do Espírito Santo: a humildade. E essa humildade precedeu a sabedoria que Deus lhe deu para avaliar tal assunto de forma mais fidedigna.
Para Galli, apesar de possuirmos crenças que, na visão dele, são equivocadas,
isso não justifica tratar o adventismo como uma seita no mesmo nível de organizações que negam a suficiência do sacrifício de Cristo e a Trindade bíblica.
Não me deterei nos ataques pessoais, vindos de internautas, dirigidos a esse
irmão evangélico no site do CACP, e que, certamente, feriram suas emoções. O que me proponho na presente resenha é analisar, tendo como base fontes primárias, sete distorções apresentadas por João Flávio Martinez no texto intitulado “O caso do articulista Fernando Galli e o adventismo” (MARTINEZ, 2016). Obviamente, um de meus objetivos é auxiliar o referido articulista a rever suas afirmações infundadas, mesmo que não venha a concordar com as doutrinas distintivas adventistas.

Avaliando as razões do CACP para rotular o adventismo com ou seita herética

No artigo “O caso do articulista Fernando Galli e o adventismo”, Martinez
discordou “veementemente do posicionamento” de Galli por este “considerar
a Igreja Adventista do Sétimo Dia como uma igreja cristã com heresias leves e
moderadas” (MARTINEZ, 2016).

O que ocorreu com João Flávio Martinez (e Joaquim de Andrade) é o que Alberto
R. Timm apontou em seu artigo publicado pela revista Sinais dos Tempos em relação ao crítico Tácito da Gama Leite Filho (1994): objetividade ofuscada pelo zelo apologético.

Segundo Timm, “o zelo apologético ainda tem ofuscado a objetividade histórica de alguns escritores dedicados a criticar o movimento adventista” (TIMM, 1997, p. 25).

Não sabe até que ponto os referidos apologistas permitirão que o Espírito
Santo ilumine suas mentes para que deixem de lado o zelo apologético e avaliem o adventismo com mais neutralidade, tendo como base a consulta a fontes primárias.

Entretanto, se eles assim o fizerem, não tenho dúvidas de que, mesmo não concordando com os ensinos adventistas, concluirão que tais ensinos não são heréticos, mesmo que “heterodoxos”, na visão de alguns autores.

Eliminando distorções

Foram sete as razões apresentadas pelo diretor do CACP para discordar da
opinião de Fernando Galli.

A primeira razão para não considerar o adventismo um movimento
genuinamente cristão é a absurda alegação de que “a IASD não considera as demais igrejas como cristãs e verdadeiras, mas como a perdidos e ímpios”. Uma simples leitura do livro Nisto cremos teria esclarecido que a posição oficial do adventismo é que “a igreja invisível, também conhecida como igreja universal, é composta dos filhos de Deus em todo o mundo. Inclui crentes que estão dentro da igreja visível e muitos outros que, embora não pertencendo à igreja visível, têm seguido a luz que Cristo lhes concedeu (Jo 1:9)” (NISTO, 2008, p. 192)

A leitura de obras como O grande conflito e Mensagens escolhidas, volume 3, teria informado ao referido apologista que, bem antes do lançamento da obra Nisto cremos, Ellen G. White já afirmava que “a maior parte dos seguidores de Cristo” encontra-se, “sem dúvida, nas várias igrejas protestantes que professam a fé protestante” (WHITE, 2014c, p. 383), e que “Deus tem filhos, muitos deles nas igrejas protestantes, e um grande número nas igrejas católicas, que são mais fiéis para obedecer à luz e para proceder de acordo com o seu conhecimento do que um grande número entre os adventistas observadores do sábado que não andam na luz” (WHITE, 2012, p. 386).

Caso Martinez estivesse familiarizado com o pensamento global adventista, não
teria distorcido de maneira tão flagrante a citação da obra Estudando juntos (FINLEY, 2012), de Mark Finley, onde o autor ensina os adventistas a se familiarizarem com o que considera erros teológicos de outras igrejas. O objetivo de Finley não foi desvalorizar a fé dos cristãos de outras confissões, mas auxiliar aos adventistas na apresentação de suas doutrinas distintivas a outras denominações, melhorando assim a relação pessoal de cada
cristão com Deus. Afinal, cremos que, quanto melhor conhecermos Suas doutrinas, mais compreenderemos Suas ações na história e, consequentemente, O amaremos ainda mais.

Nem de perto Mark Finley, então orador oficial do programa televisivo “Está
Escrito”, contrariou Ellen G. White, ensinando o absurdo de que “a IASD não considera as demais igrejas como cristãs e verdadeiras, mas como a perdidos e ímpios”. A leitura do livro Questões sobre doutrina, publicado originalmente em 1957, teria informado-o, entre outras coisas, que o fato de a igreja Adventista do Sétimo Dia ver-se como a igreja remanescente de Apocalipse 12:17 “não significa absolutamente que pensemos que somos os únicos cristãos verdadeiros no mundo, ou que sejamos os únicos salvos.

[…] Os adventistas do sétimo dia creem firmemente que Deus possui um precioso remanescente, uma multidão de crentes fervorosos e sinceros, em todas as igrejas” que “vivem à altura da luz que Deus lhes outorgou” (QUESTÕES, 2009, p. 165).

A segunda alegação infundada é a declaração de que a Igreja Adventista do
Sétimo Dia “considera nosso Salvador Jesus Cristo como um ser que possui uma
natureza caída e pecadora”.

Uma leitura da obra já indicada teria esclarecido que o fato de o adventismo
crer que o Salvador tenha vindo “em semelhança de carne pecaminosa” (Rm
8:3) não indica “de nenhuma forma” que Jesus “fosse pecador ou participasse de atos e pensamentos pecaminosos.” (NISTO, 2008, p. 61). Nisto cremos também é taxativo em dizer que “sua completa ausência de pecado acha-se além de qualquer questionamento” (NISTO, 2008, p. 61).

Se o apologista estivesse realmente familiarizado com a literatura adventista, teria evitado esse deslize tanto doutrinário quanto histórico. A leitura do artigo de Alberto R. Timm, intitulado “Cristología adventista del séptimo día, 1844-2009: un breve panorama histórico”, teria informado a Martinez que, desde 1895, Ellen G. White condenou tão baixa visão que o “irmão e irmã Baker” (assim como E. J. Waggoner e A. T. Jones, entre outros) tinham da natureza de Cristo, como sendo “igual” à nossa.

 Numa carta direcionada aos primeiros, entre outras coisas ela orientou que “não o apresenteis [Cristo] diante das pessoas como um homem com tendências ao pecado”. (apud TIMM, 2009, p. 267).

Martinez também teria compreendido através da abordagem histórica cronológica de Alberto R. Timm que as discussões sobre a natureza humana de Cristo sempre existiram no adventismo, sem que um posicionamento oficial fosse tomado em relação ao assunto. Isso é evidenciado nas cinco declarações oficias da Igreja Adventista do Sétimo Dia, publicadas respectivamente em 1872, 1889, 1931 e 1980, em que nenhuma jamais favoreceu a teoria da pecaminosidade da natureza de Jesus. (TIMM, 2009, p. 339).

Cremos que no aspecto interno, o Salvador veio com a natureza de Adão antes
da Queda por ser o segundo Adão (ver 1Co 14:45). Se Cristo tivesse vindo com uma natureza interna pecaminosa, Ele mesmo precisaria de um Salvador, não podendo assim cumprir a tipologia do sacrifício de um cordeiro “sem defeito” no lugar do pecador (Êx 12:5; Lv 22:19-20; 1Pe 1:19). Já em sua condição física, obviamente o Salvador veio com a natureza adâmica após o pecado, a ponto de não chamar atenção por sua beleza ou porte físico (ver Is 53:3), possuindo assim apenas debilidades inocentes como fome (Mt 21:18), sede (Jo 19:28), sono (Mc 4:38), cansaço (Jo 4:6) etc.2

Além disso, o referido artigo esclarece que, de 1889 a 1914, a obra Bible
Readings for the Home Circle (livro mencionado por João Flávio Martinez), traduzida para o português com o título Estudos bíblicos, não abordou o assunto da natureza de Cristo. Porém, como informa Timm, esta teoria perfeccionista da pecaminosidade de Cristo foi agregada ao livro somente em 1914, em sua ‘nova edição, revista e ampliada’, aparecendo no livro até 1949, quando os conceitos da ‘carne pecaminosa’ de Cristo e o perfeccionismo foram suprimidos.

A supressão foi necessária porque o editor, influenciado por sua crença
particular perfeccionista, irresponsavelmente transcreveu uma posição adotada por ele e parte da membresia, e que em momento algum da história do adventismo foi adotada de modo oficial.
Uma terceira afirmação imprecisa de João Flávio Martinez alega que o
adventismo “nega a obra da cruz e defende uma doutrina exclusivista chamada ‘Juízo Investigativo’ ou a ‘Doutrina da Salvação Incompleta’”.
Todo pesquisador que busca realmente compreender o pensamento predominante no adventismo a respeito da natureza humana de Cristo não pode deixar de ler a edição da revista Parousia do 1º semestre de 2008, intitulada “A natureza de Cristo”, publicada pela Unaspress.

Outra vez, se o diretor do CACP tivesse realmente lido com atenção a obra
que citou, 1844: Uma explicação simples das principais profecias de Daniel, de Clifford Goldstein, não teria chegado à conclusão infundada de que os questionamentos pessoais do autor adventista a respeito da própria fé — e que o levaram a estudar mais a fundo a doutrina do juízo pré-advento — indicam que esta seja uma “doutrina exclusivista”. Ao ponderar sobre a validade ou não da doutrina do juízo pré-advento, Goldstein (2000, p. 12) não excluiu cristãos da salvação, pois na pág. 12 ele afirma que “a data de 1844, ou uma compreensão sobre ela, não nos salva” (GOLDSTEIN, 2000, p. 12).

Ele simplesmente argumentou que, “se 1844 [ano que marca o início do juízo
pré-advento, segundo os cálculos sugeridos pela profecia das 2.300 tardes e manhãs de Daniel 8:14] não for uma data bíblica, nossa mensagem [adventista] é falsa: somos uma igreja falsa ensinando uma mensagem falsa, e levando as pessoas por um caminho enganoso” (GOLDSTEIN, 2000, p. 13). Portanto, a leitura atenta teria ajudado Martinez a não confundir doutrina distintiva com doutrina exclusivista. Clifford Goldstein está simplesmente argumentando que se tal doutrina distintiva do adventista (o juízo pré-advento iniciado em 1844) não for bíblica, não há razão de existir a Igreja Adventista do Sétimo Dia como um movimento religioso e profético autêntico.3

Uma quarta afirmação insustentável também merece destaque: “A IASD
nega a salvação pela graça (Ef 2:8-10) e advoga que sem a guarda sabática não existe soteriologia válida”. Para apoiar tal alegação, Martinez citou a obra Testemunhos seletos, v. 3, de Ellen G. White, onde ela afirma que “santificar o sábado ao Senhor importa em salvação eterna” (WHITE, 2009, p. 23).

A familiaridade com o contexto da citação de Ellen G. White e um conhecimento mínimo da soteriologia defendida por ela teria ajudado ao referido
articulista a evitar mais esse deslize.

Já em 2009 — seis anos antes de Martinez fazer tão infundada alegação —
havia sido provida no site do programa “Na Mira da Verdade” uma resposta a tal
interpretação absurda que o apologista Natanael Rinaldi havia dado a esta citação de Ellen G. White (QUADROS, 2009).

A análise contextual, considerando também as páginas 16 e 17 de Testemunhos
seletos, v. 3, mostra que o sábado “implica em salvação eterna” para aquele que conhece a verdade e a rejeita de maneira rebelde. A ênfase da Sra. White não é a justificação do crente, mas Sua santificação em Cristo que o habilita a não ser um transgressor voluntário.

Seria prudente e sensato que, antes de considerar a doutrina do juízo pré-advento (ou juízo investigativo) como sendo uma “heresia de perdição”, Martinez estivesse familiarizado pelo menos com a tese doutoral de João Antonio Rodrigues Alves (2008) e com as obras de Marvin Moore (2011) e Frank B. Holbrook (2002).

O leitor poderia se perguntar se a teologia antinomista de Martinez teria o
levado a criticar Ellen G. White no caso de ela ter dito que “o mandamento ‘não furtarás’ importa em salvação eterna”. Porém, é difícil imaginar que o leitor familiarizado com as Escrituras não compreenda que, independente do tipo de mandamento em questão, no dia do juízo a fé de cada um será evidenciada através da rejeição ao pecado deliberado (Hb 10:26-31) — seja em relação ao quarto mandamento ou aos outros nove. Com bem disse o autor evangélico M. Lloyd-Jones: “Se a graça que você recebeu não o ajuda a guardar a lei, você não recebeu a graça” (apud SHEDD, 1990, p. 30).

Uma quinta alegação imprecisa do diretor do Centro Apologético Cristão de
Pesquisas (CACP) aparece em seguida, quando argumenta: “A IASD nega a imortalidade da alma, com isso comprometendo a divindade de Jesus — o homem (1Tm 2:5), ou seja, se o homem cai em um sono profundo, próximo da inexistência, o Salvador e segunda pessoa da Trindade ficou três dias sem ser Deus? O que vemos é que a doutrina do “sono da alma” afeta drasticamente o ensino da divindade de Jesus, rebaixando-o. […]”

Caso fosse mais preciso, Martinez teria informado aos seus leitores que inclusive
para teólogos protestantes e católicos, a doutrina da imortalidade condicional da alma não afeta em nada a divindade de Jesus Cristo.

Se estivesse familiarizado com a obra The Fire That Consumes, do teólogo
norte-americano Edward William Fudge (1982), saberia que no referido material, que possui mais de 500 páginas, o autor apresenta argumentos bíblicos sólidos contra a interpretação tradicional do inferno. Não foi por acaso que esse estudo feito por Fudge foi considerado pela New Oxfor Review como sendo “enérgico e direto ao ponto. Excepcionalmente imparcial”, como pode ser visto já na capa do livro.

A obra A Theology of the New Testament, de George E. Ladd, também teria sido
de grande auxílio para João Flávio Martinez. Entre outras coisas, Ladd destaca que “a erudição recente tem reconhecido que termos tais como corpo, alma e espírito não são faculdades distintas, separáveis, do homem, mas diferentes modos de ver o homem integral” (LADD, 1975, p. 457). Outro estudo que teria sido esclarecedor para o referido diretor do CACP é o de John W. Cooper, intitulado Body, Soul and Life Everlasting:
Biblical Anthropology and the Monism-Dualism Debate. Cooper (1989, p. 3) aponta:

Os liberais rejeitam-no [o dualismo] como fora de moda e
não mais sustentável intelectualmente. E alguns protestantes
conservadores alegaram que uma vez que podemos seguir
somente as Escrituras, e não as tradições humanas, se o dualismo
antropológico é uma tradição humana não baseada nas
Escrituras, devemos reformular nossas confissões e expurgá-las 
de tais excrescências da mentalidade grega. A distinção corpo alma
tem sofrido severo ataque de diversas tendências.

Em vista do fato de que a crença na imortalidade condicional da alma é partilhada também por teólogos protestantes não adventistas,4 Martinez deveria ter o mínimo de coerência em rotular como sectários inclusive tais eruditos. Por que os adventistas devem ser considerados sectários por crerem nessa doutrina, enquanto outros teólogos não o são? Será que o sentimento antiadventismo não estaria tomando o lugar da objetividade acadêmica?

Se a inconsciência da alma durante a morte é aceita por diversos teólogos de
outras confissões, não seria mais coerente deixar de usar tal crença como um dos “sinais distintivos” de movimentos exclusivamente heréticos, mesmo que se discorde dela?

Tanto para os adventistas quanto para teólogos de outras confissões religiosas,
a divindade de Cristo continua intacta com a crença de que Ele dormiu na morte. A alegação de que Cristo “deixaria de ser Deus” caso estivesse inconsciente na morte é infundada porque quem morreu na cruz não foi apenas um Ser divino, mas Alguém que tinha assumido uma natureza divino-humana. Ellen G. White reconheceu isso já em 1898 quando afirmou: “Aquele que disse: ‘Dou a minha vida para tornar a tomá-la’(Jo 10:17), ressurgiu do túmulo para a vida que estava nele mesmo. A humanidade morreu; a divindade não morreu. Em sua divindade, Cristo possuía o poder de romper os laços da morte” (WHITE, 2014a, p. 301).

No mesmo ano, ela explicou que, mesmo o Salvador na morte possuindo vida
em si para ressuscitar, isso não indica que Ele estivesse “consciente” em algum lugar intermediário enquanto seu corpo estivesse na sepultura. Ela explicou: 

“Conquanto como membro da família humana fosse mortal, como Deus Ele era a fonte da vida.
Poderia haver detido os passos da morte e recusado ficar sob seu domínio; mas
voluntariamente entregou a vida, a fim de poder trazer à luz a vida e a imortalidade” (WHITE, 2014b, p. 484).

Isso significa que o Cristo apenas divino não poderia morrer, mas que o Cristo
divino-humano voluntariamente deu sua vida e experimentou a morte no lugar de todo ser humano. Se na cruz tivesse morrido apenas um ser humano, continuaríamos condenados em nossos pecados, pois ninguém menos do que Deus (com dupla natureza, pois, do contrário, não poderia morrer) poderia pagar a dívida eterna do ser humano e libertá-lo da morte eterna (ver Rm 6:23).

4 Em sua obra, Samuele Bacchiocchi (2007) menciona cerca de 1000 estudos realizados por pesquisadores católicos e protestantes que negam a validade do conceito dualista tradicional sobre a natureza humana. Entre os vários autores apontados, se destacam, além dos já citados:
Michael Green, John Wenham, Philip Edgcumbe Hughes, Clark Pinnock e Oscar Cullmann.

Certo é que tanto João Flávio Martinez quanto nós adventistas devemos ter
consciência de que ao abordar o significado a morte do divino-humano Jesus estamos pisando em “terra santa” (ver Êx 3:5), de modo que o silêncio de ambos os lados “é ouro” (WHITE, 2013, p. 52). Esse é um dos mistérios da Encarnação que nossa mentes finita e degenerada pelo pecado não pode explicar.5 Também é importante destacar a sexta declaração absurda na qual o autor não se constrange em afirmar: “A IASD, ao ensinar que nossos pecados são jogados em Satanás, faz do mesmo [sic] um corredentor”.

Essa falsa alegação tem como base a seguinte declaração de Ellen G. White que
se encontra em Primeiros escritos: “Satanás não somente arrostou o peso e o castigo de seus próprios pecados, mas também dos pecados da hoste dos redimidos, os quais foram colocados sobre ele; e também deve sofrer pela ruína de almas, por ele causada” (WHITE, 2007, p. 294-295).

Se Martinez tivesse lido com atenção as referidas páginas teria percebido que o
recebimento dos pecados dos justos por Satanás não se dá num contexto soteriológico ou substitutivo, mas judicial e punitivo. Isso fica evidente quando ela escreve que os pecados dos redimidos “foram colocados sobre ele” (Satanás) porque ele “também deve sofrer pela ruína de almas, por ele causada”. Ele receberá a culpa por ter levado as pessoas a se rebelarem contra Deus e, por isso, seu castigo será não somente por seus próprios erros, mas pelos erros que levou outros a cometerem.

Por fim, a sétima a afirmação infundada diz: “Tem [o adventismo] em Ellen G.
White uma papisa e um espírito regente, aonde [sic] toda a igreja deve se submeter a essa ‘luz menor’ para se chegar a uma luz maior”.
Novamente, Martinez demonstrou não estar familiarizado com a literatura
adventista. Se houvesse lido o que Ellen G. White escreveu em 1890 sobre a supremacia das Escrituras, teria tido base suficiente para não cometer o equívoco de dar uma interpretação subjetiva ao pensamento de Arnaldo B. Christianini a respeito da inspiração de Ellen G. White.6

 Mesmo que os escritos da Sra. White sejam vistos por Christianini
como inspirados, e pelos demais adventistas como uma “luz menor” para levar a mente das pessoas para a “luz maior” que é a Bíblia, em momento algum Ellen G. White, Christianini e os adventistas apoiam qualquer iniciativa de dar primazia aos escritos dela.

5 Ao considerar essa questão, William Fagal (2013, p. 120) acertadamente pondera em sua obra 101 perguntas sobre Ellen G. White e seus escritos: “Se por definição Deus é imortal, como pode a divindade morrer? Como disse a Sra. White, ‘isso seria impossível’. Mesmo assim, Jesus morreu, e sua morte afetou até mesmo Sua divindade. Ela não morreu, mas esteve pelo menos
quiescente lá na tumba”.6 Veja Arnaldo Benedicto Christianini (1965, p. 29-33).

No livro Evangelismo, ela é taxativa: “Não devem os testemunhos da irmã
White ser postos na dianteira. A Palavra de Deus é a norma infalível. Não devem os Testemunhos substituir a Palavra […] Provem todos a própria atitude por meio das Escrituras e fundamentem pela Palavra de Deus revelada todo ponto que vindicam ser verdade” (WHITE, 2014a, p. 256).

Em 1889, White destacou que “a Palavra de Deus é suficiente para iluminar a
mente mais obscurecida” (WHITE, 2014, v. 1, p. 256, grifo nosso) e deixou claro que “os testemunhos gerais e pessoais destinam-se a chamar a atenção mais especialmente” para os princípios bíblicos. (WHITE, 2014, v. 1, p. 257). Portanto, seus escritos são considerados uma “luz menor” porque são compreendidos como uma manifestação do espírito profético para levar a mente das pessoas, por meio de explicações simples e diretas, de volta à Palavra de Deus, ao invés de servirem como uma espécie de “revelação adicional”.

Se Martinez tivesse lido o capítulo 81 da obra Testemunhos para a igreja, v. 5,
intitulado “Natureza e influência dos testemunhos”, teria percebido, entre outras coisas, que já em 1876 White havia publicado uma carta na qual repreende um irmão chamado “J”(sua identidade foi preservada) quanto à sua atitude de “fazer parecer que a luz que Deus tem dado mediante os Testemunhos [escritos dela] é um acréscimo à Palavra de Deus”. Ela afirmou que tal postura é apresentar a questão “sob uma falsa luz” porque “a Palavra de Deus é suficiente para iluminar o espírito mais obscurecido, e pode ser compreendida por
todo aquele que sinceramente deseja entendê-la (WHITE, 2013, v. 5, p. 663, grifo nosso).

O autor do presente artigo já havia provido uma resposta a essa e outras
falsas alegações de João Flávio Martinez em 6 de junho de 2013, em um artigo
publicado no blog do programa “Na Mira da Verdade” (QUADROS, 2013).
Infelizmente, percebe-se quase três anos depois que Martinez continua a ignorar as respostas adventistas, bem como as fontes primárias.

Considerações finais
Uma leitura do artigo de João Flávio Martinez revela, lamentavelmente: (1)
uma contextualização precária do pensamento adventista, o que comprometeu
significativamente a compreensão das doutrinas adventistas sob uma perspectiva cristã; (2) falta de habilidade do autor no manuseio de fontes primárias; (3) negligência em avaliar certas doutrinas adventistas também pela perspectiva de outros teólogos protestantes que partilham das mesmas crenças sem com isso, serem considerados sectários; e (4) o preconceito do referido articulista, que ofuscou por completo sua objetividade em abordar o adventismo do sétimo dia.

Logicamente não podemos esperar que João Flávio Martinez concorde com as
doutrinas distintivas adventistas. Entretanto, o mínimo que se espera é que qualquer pesquisador do adventismo, que preza pelo rigor acadêmico: (1) use devidamente as fontes primárias, deixando que o autor original expresse sua ideia primária; (2) esteja familiarizado com obras primárias que são imprescindíveis para uma compreensão ampla do pensamento teológico adventista; e (3) admita que, a despeito de suas doutrinas distintivas, os adventistas do sétimo, como bem destacou o autor evangélico J. E. Brown(1918, p. 7), “permanecem firmes como o aço” em todas as doutrinas cardeais da Bíblia.7
Por essas e outras razões, a opinião do apologista Walter Ralston Martin, fundador do Instituto Cristão de Pesquisas nos Estados Unidos e no Canadá, a respeito do adventismo, não deveria ser ignorada por aqueles apologistas cristãos que buscam, com um mínimo de imparcialidade, entender o pensamento teológico adventista do sétimo dia:

É minha convicção que não se pode ser uma verdadeira testemunha
de Jeová, mórmon, cientista cristão, e outros, e ser um cristão no
sentido bíblico do termo; mas é perfeitamente possível ser um
adventista do sétimo dia e um verdadeiro seguidor de Jesus Cristo, a
despeito de certos conceitos heterodoxos (MARTIN, 2003, p. 535).

Referências
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desenvolvimento histórico nos escritos de Uriah Smith, Edward Heppenstall e
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Apologético Cristão de Pesquisas, 11 de janeiro de 2016. Disponível em: <http://bit.
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BACCHIOCCHI, S. Imortalidade ou ressurreição? Uma abordagem bíblica sobre a
natureza humana e o destino eterno. Engenheiro Coelho: Unaspress, 2007.
7 A citação de J. E. Brown (1918) na íntegra reza: “Em todas as doutrinas cardeais da Bíblia — a
concepção milagrosa, o nascimento virginal, a crucifixão, a ressurreição, a ascensão, a divindade
de Cristo, a expiação, a segunda vinda, a personalidade do Espírito Santo e a infalibilidade da
Bíblia — os adventistas do sétimo dia permanecem firmes como o aço”. 
O preconceito do centro apologético cristão de pesquisas em relação ao Adventismo do Sétimo Dia
71
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 . Evangelismo. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2014a.
 . Mensagens Escolhidas. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2014. v. 1
 . Mensagens Escolhidas. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2012. v. 3.
 . O Desejado de Todas as Nações. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2014b.
 . O Grande Conflito. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2014c.
 . Primeiros Escritos. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2007.
 . Testemunhos Para a Igreja. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2013. v. 5.
 . Testemunhos Seletos. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2009. v. 3

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