No capítulo 41 do livro de Jó vemos Deus fazendo perguntas retóricas e assim descrevendo a Jó o monstro Leviatã (Liwyathãn, em hebraico) como sendo um grande animal aquático. A maioria das versões bíblicas traduz o nome do Leviatã como “crocodilo”. Seria realmente um crocodilo ou um dinossauro? Se tomarmos os dinossauros como reais potenciais candidatos para o personagem Leviatã, qual deles se encaixaria na maioria das descrições literais do livro de Jó, desconsiderando apenas certa licença poética, em algumas das características em uso nesse capítulo?
A luz das atuais evidências científicas e recentes estimativas encontradas, o espinossauro, por exemplo, está sendo considerado o maior dinossauro predador que já viveu sobre o planeta terra, conforme entrevista na New Scientist. O espinossauro supera o maior exemplar do Tiranossauro rex já descoberto, tendo até 18 metros de comprimento e um peso de 20 toneladas [1] (Ver figura abaixo). Curiosamente, a Bíblia descreve o Leviatã como sendo um animal diferente do Beemote (que era pacífico), citando características de predação e/ou de ataque: “Põe a tua mão sobre ele e sempre te lembrarás da luta; nunca mais tentarás fazer isso de novo!” (Jó 41:8).
Muitos têm tentado encaixar o Leviatã mencionado no livro de Jó como sendo uma figura de linguagem. O texto não permite entendermos que era apenas ou um exemplo alegórico pela parte de Deus ou se referindo à antiga serpente chamada satanás, mas sim um animal real que Jó teria testemunhado. Apesar de alguma licença poética ter sido empregada na descrição do animal (v.18-21), isso não significa que Jó e seus amigos não tivessem verdadeiramente observado gigantescos animais. É importante destacar que ambas as criaturas mencionadas nos livros de Jó 40 (Beemote) e 41 (Leviatã) e Salmos 104: 26 (Leviatã) são animais reais, enquanto as três vezes em que o mesmo nome, Leviatã, aparece em outros livros são empregos simbólicos (Jó 3: 8; Isaías 27: 1 e Sl 74:14).
Em relação à localização desse animal avistado por Jó, os comentaristas bíblicos deduzem que o personagem Jó – o qual a Bíblia diz que viveu em Uz –, teria habitado provavelmente em regiões onde hoje aproximadamente estaria países como a Síria, Jordânia ou Arábia, ambos situados no norte do continente africano. Já o candidato dinossauriano em potencial escolhido e mencionado no início deste texto, o espinossauro, também foi encontrado em diversas localidades do mesmo continente. Embora ele tenha sido encontrado, por exemplo, em 1912 no Egito [2], em 2002 na Tunísia [3] e em 2005 no Marrocos [4], ele também foi encontrado em 1996 no Brasil [5] e na Europa (Inglaterra, Portugal e Espanha) [2], entre outras localidades, mostrando que sua distribuição pelo globo pode ter sido bem ampla.
Ainda em relação à localização, alguns teólogos defendem que a autoria do livro de Jó pertenceria a Moisés. Teria sido Moisés quem escreveu o livro de Jó, talvez sobre sua perspectiva e cultura? Bem, a discussão sobre a autoria não é o objetivo deste texto. Entretanto, se foi Moisés o autor do livro de Jói, ele teria vivido no Egito e escrito o livro enquanto estava no deserto do Sinai. O argumento de quem defende que Leviatã era um crocodilo está associado também a essa questão da localização de Moisés. Moisés viveu no Egito e lá existia a cultura de adoração a animais, inclusive aos crocodilos do rio Nilo. E isso é verdade, quando pegamos uma figura dos deuses do Egito vemos neles cabeças de animais. Deus faz algumas perguntas retóricas interessantes a Jó ao questioná-lo o seguinte: “Poderás atingir o seu couro com vários arpões e encher sua cabeça com lanças de pesca?” (v.7) e “Quem poderia arrancar sua couraça externa?” (v.13)
Fato é que temos evidências históricas e arqueológicas que na região do Nilo havia o costume sim dos habitantes locais de caçar e matar os crocodilos desde o século I a.C, podendo ser evidenciado no Mosaico do Nilo, encontrado no local do antigo templo da Fortuna, na cidade de Palestrina. Além disso, mais antiga é a evidência de um historiador chamado Heródoto que no século 5 a.C afirmou o seguinte: “Para alguns egípcios, os crocodilos são sagrados, mas outros os tratam como inimigos. As pessoas da área de Elefantina, ao contrário, comem crocodilos e não as consideram sagradas… Crocodilos são frequentemente caçados e em muitos aspectos”. [6] (ver abaixo as figuras)
Figura Mostrando um caçador egípcio com crocodilo amarrado [7]
Em relação ao seu ecossistema, algumas pessoas afirmam que Leviatã era exclusivamente marinho porque a Bíblia diz que ele “deixa atrás de si um rastro cintilante, como se o mar tivesse…” (v.32). Porém, algumas versões trazem um significado diferente para a mesma sentença: “Após ele alumia o caminho; parece o abismo tornado em…” (ARC) ou “deixa atrás de si um rastro cintilante; como se fossem os cabelos brancos do abismo” (NVI). Mas mesmo que esse animal vivesse realmente no mar, a Bíblia descreve outro tipo de ambiente no qual o mesmo dinossauro vivia: a lama (v.30). Isso mostra que o animal também frequentava a beira da água, a lama ou pântano (ex. pântanos de água doce), e não apenas as águas profundas que são mencionadas nos versos 31 e 32.
A figura do espinossauro, portanto, se encaixa bem nessa descrição bíblica sobre os diferentes habitats desse animal, uma vez que estudo publicado na revista Science [8] e veiculada na National geographic explica que os espinossauros “espreitavam as margens dos lagos e rios do Cretáceo” e “esses carnívoros se prendiam a habitats de água doce”, além de andarem também por sobre a terra firme. Outra matéria veiculada na New Scientist diz que “o norte da África [um dos locais onde fósseis desse animal foram encontrados] era um enorme pântano tropical. O espinossauro habitou uma floresta de mangue de baixa altitude”. Isso significa que o espinossauro é o único dinossauro semiaquático, até agora descoberto, que passava a maior parte de seu tempo na água. Essa descoberta deixa para trás, ou apenas abre um parênteses, sobre a antiga noção de que para ser considerado ‘dinossauro’ o animal deveria viver exclusivamente em ambiente terrestre.
Sobre as escamas nas costas, Deus descreve a Jó as escamas nas costas do Leviatã como fileiras de escudos, hermeticamente selados de modo que nenhum ar poderia passar entre eles e que não poderiam ser separados (vv. 15-17). Essa descrição possui muitas características compatíveis com as velas que conhecemos – embora ainda seja um conhecimento científico incipiente – acerca dos espinossaurídeos (note que estou falando da família de dinossauros na qual o espinossauro faz parte) (Ver figura abaixo).
Como eu disse acima, o conhecimento que os evolucionistas têm acerca desse animal reptiliano, inclusive sobre suas velas nas costas, ainda é muito superficial e tal fato é admitido pelos próprios paleontólogos evolucionistas ao afirmarem na National Geographic: “a função e a evolução das velas dos espinossauros continuarão a ser debatidas.” (isso significa que ainda não existe um consenso).
Em relação à forma de locomoção do Leviatã, vemos o seguinte no livro de Jó: “Quando ele se ergue…” (v.25). Provavelmente, esse animal poderia alternar sua posição entre bípede e quadrúpede. Curiosamente, o espinossauro também foi relatado na National Geographic pelos paleontólogos evolucionistas como sendo ou bípede ou quadrúpede: “o espinossauro deve ter andado de quatro quando estava na terra” (Ver figura abaixo).
No entanto, levando em consideração que o conjunto de dados a favor desse espécime é cíclico/temporário, assim como tudo dentro da ciência, não podemos afirmar categoricamente que o dinossauro Leviatã é, sem dúvida alguma, um espinossauro mesmo porque não temos como voltar no tempo e comprovar tal fato. Quando lidamos com o passado (ciência histórica) só podemos criar boas hipóteses, baseados em um conjunto de dados, aplicar alguns métodos (que possuem limitações) e calcular probabilidades. Ou seja, não podemos bater o martelo e dizer que já “comprovamos” ou que já temos certeza absoluta disso ou daquilo.
O Leviatã pode até mesmo ser algum tipo de dinossauro que ainda não foi descoberto, com características parecidas com o do espinossauro. Portanto, só nos resta aguardar os próximos capítulos das futuras descobertas para ver se essa minha hipótese continuará firme ou não. Por enquanto, ela segue bem firme. Inclusive, os dados recentes da ciência mostram que tradutores da Bíblia para o português não estavam de todo errados. Segundo matéria veiculada na New Scientist, o espinossauro “parece que era mais como um crocodilo”, porém dinossauriano.
Espero que você, leitor, tenha conseguido enxergar fatos, que você não enxergaria sozinho, a partir das análises (escriturística e científica) levantadas aqui pra você de que existem sim evidências robustas de que Jó tenha presenciado dinossauros, embora o texto bíblico não esteja descrito na linguagem científica que muita gente espera.
Referências
[1] Therrien F, Henderson DM. My theropod is bigger than yours … or not: estimating body size from skull length in theropods. Journal of Vertebrate Paleontology 2007; 27(1):108-115. Disponível em: https://goo.gl/EyZz2W.
[2] Candeiro CRA, Brusatte SL, de Souza AL. Spinosaurid Dinosaurs from the Early Cretaceous of North Africa and Europe: Fossil Record, Biogeography and Extinction. Anuário do Instituto de Geociências 2017; 40(3):294-302. Disponível em: http://www.anuario.igeo.ufrj.br/2017_3/2017_3_294_302.pdf.
[3] Buffetaut E, Ouaja M. A new specimen of Spinosaurus (Dinosauria, Theropoda) from the Lower Cretaceous of Tunisia, with remarks on the evolutionary history of the Spinosauridae. Bulletin de la Société Géologique de France 2002; 173(5): 415-421. Disponível em: https://goo.gl/p1i7NB.
[4] Dal Sasso C, et al. New information on the skull of the enigmatic theropod Spinosaurus, with remarks on its size and affinities. Journal of Vertebrate Paleontology 2005; 25(4):888-896. Disponível em: https://goo.gl/Tbqy95.
[5] Martill DM, et al. A new crested maniraptoran dinosaur from the Santana Formation (Lower Cretaceous) of Brazil. Journal of the Geological Society 1996; 153(1):5-8. Disponível em: https://goo.gl/twEPAG.
[6] Herodotus, Histories, II, 440 a.C, ref. 12, pp. 69–70.
[7] Keel O. Zwei Klein Beiträge zum Verständnis de Gottesreden im Buch Ijob (xxxviii 36f, xl 25), VT 31 : 223-225, 1981.