domingo, 12 de fevereiro de 2012

O Talmude

O Talmude é uma compilação de estudos, reunidos desde o tempo de Esdras até o sexto século de nossa era, contendo leis, poesias, orações, ritos, sermões, folclore, regras sobre o procedimento, mas especialmente comentários escriturísticos. Outra definição bastante sintética é esta: Talmude é um repositório de leis judaicas.
O termo Talmude vem do hebraico Lamad = aprender, vindo a significar depois ensino, instrução, estudo.
Todo o Talmude não é mais do que um esclarecido comentário à Bíblia, continuando a ser grande força e fonte do judaísmo.
Talmude é a sua exposição autorizada, dir-se-ia um complemento necessário à própria Bíblia.
O seu estudo tem-se constituído em uma das grandes missões dos judeus. Todos procuram nele a luz interna que ilumina e santifica os princípios bíblicos. Tem tido, através de todas as épocas os seus comentadores, muitos deles notáveis e célebres.
A preocupação com a lei, sua exposição e comentário é unta das notas tônicas em todas as páginas do Talmude.
Há dois talmudes: um elaborado em Babilônia e outro na Palestina. O da Palestina é conhecido pelo nome de Jerusalém e foi terminado no ano 400 A.D., enquanto o talmude de Babilônia, sendo mais completo, se concluiu cerca do ano 500 da nossa era.
A edição principal do Talmude Babilônico foi publicada em Veneza, entre os anos 1522 e 1523, em 12 volumes, sendo todas as edições posteriores reproduções exatas desta edição. O de Jerusalém foi publicado pela primeira vez também em Veneza, em 1523.
Os talmudes estão escritos em aramaico. O de Babilônia em dialeto oriental e o de Jerusalém no ocidental.
O Talmude consta de duas partes distintas: a primeira comum ao Babilônio e ao Palestiniano é a Mishná; a segunda é distinta, porque a parte realizada na Palestina tem o nome de Talmude, enquanto a elaborada em Babilônia é conhecida como Gemara (do aramaico – complemento).
A revista da Sociedade Bíblica “A Bíblia no Brasil”, novembro e dezembro de 1980, págs. 22 e 23, trouxe um artigo de Ismael da Silva Júnior, que propicia melhor compreensão sobre este assunto. Leia-o com atenção:

O Talmude

“No início da Era Cristã, apareceu o Talmude, palavra hebraica que significa doutrinar, ensinar, interpretar, o qual nada mais é do que uma coleção de livros sagrados, preparados por alguns rabinos judeus, contendo um conjunto de leis, civis e religiosas, do povo descendente de Abraão.
Segundo alguns autores, o Talmude foi coligido em duas épocas diferentes. O primeiro volume por Judas e mais alguns rabinos hebreus. Esse Judas, cognominado o Santo, era descendente de Gamaliel, mestre de Saulo de Tarso, que viveu no II século da era Cristã.
Concordando com o pensamento dos fariseus, os seus autores admitiram a existência de uma tradição oral, transmitida por Moisés a Josué, a quem sucedeu na direção do povo de Deus, quando demandava a terra de Canaã, conforme está registrado em Deut. 31:1 a 8; e, por ele, aos anciãos do povo. Estes, por sua vez, fizeram com que chegasse aos profetas e à Grande Sinagoga e, por fim, a Igreja dos Hebreus. É isso, em termos gerais, o que afirma o Mispa. Ele foi preparado em virtude da grande dificuldade que havia na interpretação das leis do Pentateuco, ou dos cinco primeiros livros das Escrituras Sagradas, escritos por Moisés, sob a inspiração direta do Espírito Santo de Deus, conforme está escrito em Êx. 17:14 e 24:4.
Mais tarde os comentários críticos e gramaticais, juntamente com os da Tradição foram reunidos em um só volume, recebendo o nome de Massorá, que significa Tradição.
“O Talmude está dividido em duas partes: Misná e Gemara.
1. O Misná, que significa segunda Lei, é o compêndio onde estão registradas as leis tradicionais, preparadas pelo rabino Judas, o Santo, como já citamos acima. Está escrito em hebraico castiço, embora, nele, apareçam algumas palavras aramaicas, gregas e latinas. Está dividido em seis capítulos:
I. Iezaím, dedicado à agricultura. Ensina o que deve ser feito para o bom cultivo da terra, apresentando, ainda, as principais regras para o pagamento dos dízimos e das ofertas alçadas;
II. Moede, que determina como devem ser observadas as comemorações das festas nacionais;
III. Machim, que é um código que dá instruções às mulheres acerca do casamento e divórcio;
IV. Nezequim, que estuda os males causados nos homens, nos animais, etc., contendo, ainda regras para as contribuições mercantis e demais contratos que devem ser feitos pelo povo hebreu;
V. Cadachim, que é consagrado às coisas santificadas, às ofertas e ao serviço do templo;
VI. Tcharote, que estuda as coisas limpas e imundas, regras para interpretar o Misná. Apareceram, então, os comentários que, reunidos em volume, deram origem ao segundo volume do Talmude, chamado Gemara.
2. O Gemara é também conhecido por suplemento ou ampliação do Talmude. Existem dois Gemaras: um, de Jerusalém, compilado na Palestina, em 450 A.D., e, outro na Babilônia, talvez 50 anos depois. O primeiro consta apenas de um volume e o segundo de doze volumes. Estes últimos são os mais aceitos pelos hebreus.
No Talmude, existem muitas coisas ridículas e absurdas. Maimonada, célebre rabino do século XIII, residente na Espanha, procurando harmonizá-las, fez dele um resumo, a que chamou Machaxacor, que quer dizer Mão Forte, e que é considerado um código das leis completas, apreciáveis não tanto pelo seu fundo, mas pelo seu estilo, por seu método e pela ordem das matérias nele apresentadas.”
Há nestes livros leis que regulam cada ato da vida, algumas minuciosas e cansativas.
Seria interessante a transcrição de uma parte das Leis talmúdicas, relativas ao dia de sábado.
Estas leis são provenientes do livro The Bridge Between the Testaments, páginas 106-108.
“Vamos considerar as leis do Talmude quanto ao sábado. Todos os detalhes referentes a esse assunto abrangem no Pentateuco o espaço limitado de cerca de quatro páginas, de formato de oitavo. No Talmude requer isso 156 páginas duplas ou, em outras palavras, um espaço 300 vezes maior. Esta lei sabática consiste de 24 capítulos de regulamentos minuciosos e de ordenanças. Seu principal propósito é, comentar e definir aquilo que está escrito no quarto mandamento do decálogo, proibindo o trabalho no sábado. Mencionam-se trinta e três espécies de trabalhos proibidos. Em seguida, o Misná procura definir com exatidão escrupulosa em que consiste o ‘trabalho’ e o que pode ou não ser permitido.
Por exemplo ‘carregar’ algo é proibido. Após muita discussão foi determinado o máximo de peso que pode ser ‘carregado’ como talvez o de um figo seco. Mas, se fosse carregada a metade de um figo em duas ocasiões diferentes, reunir-se-iam estes dois atos para serem um só e seria isto pecado?
Numa outra parte se lê: Aquele que tiver dor de dentes não pode fazer bochecho com vinagre e lançá-lo fora, pois isso seria como se tivesse usado remédio. No entanto poderá bochechar com vinagre e logo tragá-lo, o que seria como se tivesse tomado alimento.
Regras minuciosas são dadas quanto ao vestuário a ser usado no sábado de manhã, para que não fosse usada alguma peça de vestimenta que induzisse a algum trabalho. A mulher não pode sair com seus adornos, prendedores, colares ou anéis, pois em sua vaidade poderia tirá-los e mostrar a alguma amiga e novamente colocá-los, o que seria ‘trabalho’ e por conseguinte, pecado.
Também estava proibido às mulheres olharem ao espelho no dia de sábado, pois poderiam descobrir algum fio de cabelo branco e querer arrancá-lo, o que seria um grave pecado.
Aos sábados somente haviam de ser comidos alimentos que foram preparados num dia da semana. Mencionam-se cerca de cinqüenta casos semelhantes, nos quais os alimentos estavam proibidos. . . .
Era proibido ‘atirar’ algum objeto ao ar. Se o mesmo objeto havia sido atirado com a mão esquerda e fora apanhado com a direita, isso seria pecado? É uma interessante pergunta. Mas não havia discussão alguma quando o objeto fosse apanhado com a boca, pois nesse caso não haveria delito, sendo que se comeria o dito objeto que então desapareceria.
Quando pensamos que, segundo a norma da lei talmúdica, da qual apenas mencionamos pequena parte, tratando também dos contratos, jejuns, festas, injúrias, casamentos, dízimos e da higiene, tudo discriminado com semelhante minuciosidade, podemos bem compreender porque Cristo declarou que eles tinham removido, por suas tradições, todo o significado da lei.”

Outras Determinações Sobre o Descanso Sabático

Pode-se dobrar as roupas até quatro ou cinco vezes, e estender os lençóis nas camas durante a noite de sábado, para usá-los nesse dia, mas não no sábado para (usar) depois dele ser concluído.
Pode-se guardar alimentos para três refeições. Se ocorrer um incêndio na noite de sábado, pode-se salvar alimento para três refeições; se for de manhã, pode-se salvar alimento para duas refeições; à (hora de) minhah, alimento para uma refeição. Disse R. José: Em todo tempo podemos salvar alimento para três refeições.
Algumas disposições revelam claramente que havia divergência de opiniões. São especialmente dignas de nota algumas divergências entre as escolas iniciadas por Hillel e Shammai, doutores da lei que alcançaram fama no fim do primeiro século antes de Cristo:
a) Regra de Beth Shammai (conservador): Não se deve vender (algo) a um gentio, ou ajudá-lo a carregar (um asno) . . . a menos que possa chegar a um lugar próximo; mas Beth Hillel o permite.
b) Shammai insistia que ao conseguir pássaros para o sacrifício num dia de festa, a escada não podia ser mudada dum pombal para outro, mas somente de uma abertura a outra do mesmo pombal. Hillel (mais liberal), porém, permitia ambas essas coisas.
c) Shammai permitia comer um ovo posto no sábado, mas Hillel o proibia, afirmando que a proibição de preparar alimento no sábado se aplicava não somente aos homens mas também às galinhas.
Era considerado ilegal expectorar sobre o solo porque assim talvez se estivesse regando uma planta.
Um princípio geral estabelecido pelo Rabi Aquiba:
“Toda espécie de trabalho que pode ser realizada na véspera do sábado, não invalida (quer dizer, não deve ser feito em) o sábado; mas o que não se pode fazer na véspera do sábado, isso invalida o sábado.”
Estas determinações foram transcritas do Ministério Adventista – maio-junho de 1965.
Atos 1:12, faz referência ao caminho que poderia ser percorrido num sábado. A tradução de Almeida, Edição Revista e Atualizada no Brasil traz uma nota ao pé da página declarando que a jornada de um sábado era cerca de um quilômetro. Comentaristas mais precisos afirmam que corresponderia a mais ou menos 1.200 metros.
O Talmude como um livro escrito foi terminado no início da Idade Média, mas a sua influência tem sido poderosa na preservação da vida, costumes, leis, enfim em todos os aspectos do judaísmo através dos séculos em todos os lugares aonde este povo tem chegado.
Em tempos de pressões e perigos o Talmude oferece ao povo judeu uma tranqüilidade espiritual, tornando-se um oásis no qual ele se refugia em busca de paz e descanso.
O Talmude tem exercido grande influência sobre o povo judeu, desde que os educadores desta nação colocam como matéria primordial em suas escolas o estudo deste livro. A mente das crianças é alimentada por suas histórias e o povo em geral é ensinado a ter lealdade para com todas as sublimes tradições da Pátria.
Interpretações erradas de Parábolas e de muitos conceitos do Talmude fizeram com que na Idade Média se levantasse grande oposição a este livro de tradições judaicas.
Em conseqüência desta oposição ao livro, o Papa Gregório IX mandou queimar publicamente no dia 12 de junho de 1242 em Paris 24 carroças carregadas de manuscritos do Talmude. Esta informação me parece exagerada quando se tem informação do elevado preço para a aquisição de um manuscrito naqueles idos.
Na Itália muitos foram incinerados no ano de 1322. Em 1562 foi instituída a censura ao Talmude, existindo ainda hoje muitos exemplares com a marca dessa censura.
Pedro Apolinário, História do Texto Bíblico, Capítulo 19.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A perfeição dos cristãos imperfeitos


“Nossa vida pode ser perfeita em cada fase de desenvolvimento, contudo haverá progresso contínuo, se o propósito de Deus se cumprir em nós. A santificação é obra de toda uma vida” (Ellen G. White, Parábolas de Jesus, p. 65).


Certa vez, um adventista de nascimento que defende a cristologia pós-lapsariana (segundo a qual Jesus teria a natureza de Adão após a queda, com as tendências herdadas para o pecado – embora não com as tendências cultivadas) discutia o assunto com outro adventista pré-lapsariano. A certa altura, o primeiro disse: “Você não compreende esses assuntos porque bebe Coca-Cola. Deve estar com a mente embotada.” O segundo, então, respondeu: “Na verdade, depois que me tornei adventista, nunca mais bebi Coca-Cola e sempre procurei ser temperante.” Este diálogo mais ou menos fictício (e bem minimalista) mostra um fenômeno interessante (mas que não pode ser generalizado): indivíduos que nasceram em lar adventista e, infelizmente, tiveram maus exemplos por parte de alguns adventistas próximos, quando conhecem a mensagem do reavivamento e da reforma (especialmente no que tange às mudanças alimentares) – e começam a vivê-la – pensam algo mais ou menos assim: “Agora eu descobri o verdadeiro adventismo.” Isso não é necessariamente ruim, desde que se trate de uma conversão genuína. O problema é quando essas pessoas começam a olhar de cima para seus irmãos, como se eles não estivessem vivendo a mensagem. Outros ainda passam a se dedicar ao estudo de um assunto apenas, até que este se torne praticamente sua única bandeira, o tema todo-absorvente de suas pesquisas e pregações. Consideram-se donos de uma luz especial que os demais não conseguem ver. Esquecem-se de que Deus conduz um povo, não ramificações, e desconfiam de todos os que não vivem à altura do padrão adotado por eles.


Satanás é especialista em dividir para conquistar. Quando consegue utilizar uma necessidade real e importante (como a reforma) para causar divisão, melhor ainda para ele. Os extremos dessa questão são perigosos: por um lado, (1) desconsiderar o apelo ao reavivamento e à reforma (que tem que ver com todos os aspectos da vida, não apenas com a dieta), por outro (2) distorcer a ideia da reforma, a ponto de considerar as mudanças no estilo de vida como uma credencial para o Céu.


Convido-o a analisar com cuidado e atenção o seguinte texto inspirado: “Era possível a Adão, antes da queda, formar um caráter justo pela obediência à lei de Deus. Mas deixou de fazê-lo e, devido ao seu pecado, nossa natureza se acha decaída, e não podemos tornar-nos justos. Visto como somos pecaminosos, profanos, não podemos obedecer perfeitamente a uma lei santa. Não possuímos justiça em nós mesmos com a qual pudéssemos satisfazer às exigências da lei de Deus. Mas Cristo nos proveu um meio de escape. Viveu na Terra em meio de provas e tentações como as que nos sobrevêm a nós. Viveu uma vida sem pecado. Morreu por nós, e agora Se oferece para nos tirar os pecados e dar-nos Sua justiça. Se vos entregardes a Ele e O aceitardes como vosso Salvador, sereis então, por pecaminosa que tenha sido vossa vida, considerados justos por Sua causa. O caráter de Cristo substituirá o vosso caráter, e sereis aceitos diante de Deus exatamente como se não houvésseis pecado” (Ellen White, Caminho a Cristo, p. 62; grifos meus).


Vamos pontuar:


1. Antes da queda, portanto com sua natureza humana perfeita, Adão poderia formar caráter justo pela obediência à lei de Deus. Logo, após a queda, isso não mais é possível.


2. Depois do pecado, nossa natureza se acha decaída e somos incapazes de nos tornar justos.


3. Somos pecaminosos, profanos e, por isso, não podemos obedecer perfeitamente a uma lei santa, porém, “se está no coração obedecer a Deus, se são feitos esforços nesse sentido, Jesus aceita esta disposição e esforço como o melhor serviço do homem, e supre a deficiência, com Seu próprio mérito divino” (Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 382).


4. Cristo, que possuía a natureza moral de Adão antes da queda (não, porém, a física), viveu uma vida sem pecado e cumpriu perfeitamente a lei de Deus. 


5. Cristo Se oferece para nos tirar os pecados e dar-nos Sua justiça. Assim somos considerados justos.


6. Quando aceitamos Jesus como Salvador (justificação), o caráter dEle substitui o nosso, e somos aceitos diante de Deus como se não houvéssemos pecado. 


Outro texto para sua consideração: “Os serviços religiosos, as orações, o louvor, a penitente confissão do pecado, sobem dos crentes fiéis, qual incenso ao santuário celestial, mas passando através dos corruptos canais da humanidade, ficam tão maculados que, a menos que sejam purificados por sangue, jamais podem ser de valor perante Deus. Não ascendem em imaculada pureza, e a menos que o Intercessor, que está à mão direita de Deus, apresente e purifique tudo por Sua justiça, não será aceitável a Deus. Todo o incenso dos tabernáculos terrestres tem de umedecer-se com as purificadoras gotas do sangue de Cristo. Ele segura perante o Pai o incensário de Seus próprios méritos, nos quais não há mancha de corrupção terrestre. Nesse incensário reúne Ele as orações, o louvor e as confissões de Seu povo, juntando-lhes Sua própria justiça imaculada. Então, perfumado com os méritos da propiciação de Cristo, o incenso ascende perante Deus completa e inteiramente aceitável” (Ellen White, Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 344).


Nem o que de melhor possamos oferecer – nossas orações, o louvor e as confissões – é considerado imaculado diante do Deus santo – imagine a guarda do sábado, a fidelidade, o estilo de vida, etc. Seres humanos imperfeitos jamais poderão prestar obediência perfeita, no entanto, Jesus nos diz: “Se Me amais, guardareis os Meus mandamentos” (João 14:15). Nossa motivação para a obediência deve ser o amor. Quem ama, procura agradar ao objeto de seu amor e aceita por amor aquilo que Cristo coloca à sua disposição. E, quando reconhecemos que Deus somente visa ao nosso bem (a ponto de ter morrido por nós), entendemos que a obediência aos mandamentos dEle, na verdade, nos serve de proteção. É sempre o melhor para nós.


Ellen White também diz que “a salvação é inteiramente um dom gratuito. A justificação pela fé está fora de controvérsia. E toda essa discussão estará terminada logo que seja estabelecida a questão de que os méritos do homem caído, em suas boas obras, jamais poderão obter a vida eterna para ele” (Fé e Obras, p. 20). Agora pense: se Jesus tivesse as tendências para o pecado (ainda que somente as herdadas), as boas obras dEle não serviriam nem para salvá-Lo; imagine para nos salvar...


É preciso entender que a perfeição bíblica se resume no amor desinteressado, conforme descrito em Mateus 5:43-48. Devemos ser perfeitos em nossa esfera (relativa) como Deus o é na dEle (absoluta).


“Aquele que não conheceu pecado, Ele O fez pecado por nós; para que, nEle, fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21). 


“Sabeis também que Ele Se manifestou para tirar os pecados, e nEle não existe pecado” (1 João 3:5).


O texto a seguir é muito claro. Os “perfeccionistas” dizem que, quanto mais avançarmos na santificação, menos precisaremos nos arrepender. No segundo parágrafo, Ellen White diz exatamente o contrário disso: “A santificação não é obra de um momento, de uma hora, de um dia, mas da vida toda. [...] Enquanto reinar Satanás, teremos de subjugar o próprio eu e vencer os pecados que nos assaltam; enquanto durar a vida não haverá ocasião de repouso, nenhum ponto a que possamos atingir e dizer: ‘Alcancei tudo completamente.’ A santificação é o resultado de uma obediência que dura a vida toda. [...]


“Quanto mais nos aproximarmos de Jesus, e quanto mais claramente distinguirmos a pureza de Seu caráter, tanto mais claramente veremos a excessiva malignidade do pecado, e tanto menos nutriremos o desejo de nos exaltar a nós mesmos. Haverá um contínuo anelo da alma em direção a Deus, uma contínua, sincera, contrita confissão de pecado e humilhação do coração perante Ele. A cada passo para frente em nossa experiência cristã, nosso arrependimento se aprofundará” (Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, p. 560, 561).


Outro texto para se considerar cuidadosamente: “Seja cuidadoso, extremamente cuidadoso, ao tratar da natureza humana de Cristo. Não O apresente perante as pessoas como um homem com propensões para o pecado. Ele é o segundo Adão. O primeiro Adão foi criado como um ser puro, sem pecado nem mancha alguma de pecado sobre ele; era a imagem de Deus. Poderia cair, e de fato caiu ao transgredir. Por causa do pecado, sua posteridade nasceu com inerentes propensões para a desobediência. Mas Jesus Cristo era o Filho unigênito de Deus. Ele tomou sobre Si a natureza humana, e foi tentado em todas as coisas como a natureza humana é tentada. Ele poderia ter pecado; poderia ter caído, mas por nem um momento sequer houve nEle uma má propensão” (Ellen White, Carta 8, 1895).


Até a glorificação (na segunda vinda de Jesus), jamais poderei dizer que não existe pecado em mim. Mas em Cristo – nosso amado Substituto – há poder para vencer o pecado (atos e pensamentos). E Deus, somente Ele, seja louvado por isso!


por Michelson Borges, jornalista e mestre em teologia

Os Pseudepígrafos

São os livros escritos sob um nome fictício. Para outros são os escritos judaicos, extrabíblicos, não inspirados do Antigo Testamento.
São considerados de valor no estudo do cânon, e alguns estudiosos os incluem no mesmo grupo dos apócrifos.
Dentre os pseudepígrafos destacam-se:
1) O Livro de Enoque.
A crítica textual não tem condições de localizá-lo exatamente em determinada época, mas deve pertencer ao período de 200 a.C. e as primeiras décadas do primeiro século da nossa era.
De uma coisa temos certeza: este livro trouxe uma contribuição especial ao conceito do Messias celeste e o Filho do Homem.
2) A Assunção de Moisés.
Deve ter sido publicado no tempo de Cristo e procura narrar a história do mundo, em forma de profecia, desde Moisés até ao tempo do autor.
3) Os Oráculos Sibilinos.
São obras judaicas que, à imitação das profecias pagãs de Sibila, pretendem divulgar o pensamento hebraico entre os gentios.
4) O Livro dos Jubileus.
É um comentário sobre Gênesis, frisando que a Lei foi observada desde os mais remotos tempos. Recebe este nome pelo fato de dividir a história em períodos jubileus, isto é, quarenta e nove anos (sete semanas de anos).
5) O livro dos Segredos de Enoque (II Enoque).
Descreve pormenorizadamente os sete céus e antecipa em mil anos o reinado de Deus na terra.
6) O Apocalipse de Baruque.
Alguns o atribuem ao escriba de Jeremias.
Foi escrito, segundo os críticos, nas últimas décadas do primeiro século da nossa era.
7) O Apocalipse de Abraão.
É uma obra judaica com passos de literatura do cristianismo.
Pertence ao século I da nossa era.
8) Os Salmos de Salomão.
Coletânea de dezoito salmos, escrita por um fariseu, que viveu na segunda metade do primeiro século da era cristã.
O estilo é bastante semelhante ao dos Salmos que temos na Bíblia.
9) A Carta de Aristéias.
É interessante por informar-nos das supostas circunstâncias em que foi feita a tradução do Velho Testamento hebraico para o grego.
10) O III e IV Macabeus.
No III encontramos uma tentativa de massacre dos judeus no reinado de Ptolomeu Filopator.
O IV é um tratado filosófico ilustrando a tese do autor no caso dos mártires macabeus.
Embora haja referências a estes livros na Bíblia (II Tim. 3:8; Judas 9 e 14) não necessitamos aceitá-los como canônicos.
O Comentário Bíblico Adventista, vol. II, pág. 706, referindo-se a Judas 9 afirma:
“A Asserção que Judas citou da Assunção de Moisés, não nos força a aceitar esta obra como inspirada. Se Judas citou deste livro, ele estava simplesmente fazendo uso de certo material concreto contido nele.”
Paulo e Judas se utilizaram de ilustrações, como faz um pastor em nossos dias citando afirmações de Rui Barbosa ou Coelho Neto.
Estes livros, a exemplo dos apócrifos, são úteis por nos trazerem informações sobre o período intertestamentário.
A literatura pseudepígrafa foi produzida entre 200 a.C., e 200 A.D. com o objetivo de encorajar e consolar a nação judaica durante as invasões dos sírios e romanos.
Observação: Escritores católicos chamam estes livros de apócrifos, desde que os nossos apócrifos para eles são deuterocanônicos.
Nota. Para estudo mais aprofundado sobre a literatura apócrifa e pseudepígrafa recomendamos o livro O Período Interbíblico de Eneas Tognini.
Texto de Pedro Apolinário, História do Texto Bíblico, Capítulo 18.

Os Livros Apócrifos

O termo apócrifo, é comumente usado para a coleção de 14 ou 15 livros ou partes de livros que em algum tempo foram colocados entre os livros do Velho e do Novo Testamentos.
Para nós designa os livros que não faziam parte do Cânon Hebraico, que não são inspirados, porém, foram anexados à Septuaginta e à Vulgata Latina.
Etimologicamente a palavra significa oculto, escondido longe. É uma das palavras que tem sofrido várias transformações semânticas, pois seu sentido tem variado com o tempo e com diferentes grupos sociais que a têm empregado. Nos dias de Jerônimo designava a literatura “falsa”, isto é, não inspirada.
O vocábulo tem sido usado diferentemente por estudiosos católicos e protestantes. Para os protestantes apócrifo significa que o livro não fazia parte do cânon hebraico, portanto não inspirado, enquanto os católicos designam estes livros como deuterocanônicos e denominam de apócrifos os livros que os estudiosos protestantes chamam pseudo-epígrafos.
Estes livros foram escritos durante os dois últimos séculos A.C. e no primeiro século A.D.
A literatura apócrifa é uma importante fonte, não apenas para o conhecimento da história, cultura e religião dos judeus, mas também utilíssima para nossa compreensão dos acontecimentos intertestamentários.
Nossos opositores, por vezes, afirmam que as Bíblias protestantes são incompletas, falsas, por não possuírem os livros apócrifos; por isto este assunto precisa ser bem estudado, para que se possa dar uma resposta correta e autorizada sobre este problema. Uma atenta comparação entre esses livros e os textos inspirados, reconhecidos unânime e universalmente pela Igreja de Deus, desde sempre, mostra a profunda e radical diferença que há entre os primeiros e os segundos, no assunto, no estilo, na autoridade e até nos idiomas usados. Só em 15 de abril de 1546 se lembrou a Igreja Católica Romana, pelo Concílio de Trento, de incluir esses livros no cânon Bíblico, como inspirados, impondo-os assim aos seus fiéis. São livros de leitura histórica edificante e úteis como subsídio aos estudos das antigüidades religiosas judaicas.
A estudiosa obreira bíblica, Mary E. Walsk, coligiu as principais razões para a rejeição dos apócrifos, por isso prazerosamente as transcrevemos:

Razões da Rejeição dos Livros Apócrifos

I – Escritos Inspirados e Não Inspirados
1. A razão porque 66 livros da Bíblia se harmonizam entre si é que a mesma mente divina inspirou a cada escritor. Se, por exemplo, João tivesse escrito algo que não concordasse com as obras de Moisés, seríamos obrigados a rejeitar seu Evangelho, as Epístolas e o livro do Apocalipse.
2. Os primeiros livros constituem o critério para todos os outros chamados inspirados. Se as doutrinas dos livros apócrifos não concordam em cada ocasião com aquilo que Moisés escreveu, não devem achar-se no Cânon da Palavra Inspirada.
3. Os livros apócrifos ensinam doutrinas que são contrárias ao que Moisés e outros profetas escreveram. Por essa razão não foram colocados entre os outros livros do Velho Testamento, nos dias de Esdras.
4. Nem Cristo nem os apóstolos citaram os livros apócrifos. S. Jerônimo os rejeitou da Bíblia Latina, por não estarem escritos em hebraico.
5. A Igreja Católica, no Concílio de Trento, colocou os livros apócrifos no mesmo nível de igualdade com os outros livros inspirados da Bíblia. Todos aqueles que não aceitassem os apócrifos, como de igual autoridade com as Escrituras, seriam anatematizados (amaldiçoados) pela mesma igreja.
II – Os Apócrifos Não São Inspirados
Por que continua a Igreja Católica a apegar-se a estes escritos não inspirados? É porque suas doutrinas fictícias confirmam os falsos ensinos da igreja; como por exemplo as orações pelos mortos, as curas falsas, haver virtude em queimar o coração de um peixe para espantar os maus espíritos, dar esmolas para libertar da morte e do pecado, e a salvação pelas obras. Seguem-se algumas razões pelas quais rejeitamos os apócrifos:
1. Ensino da Arte Mágica:
Tobias 6:5-8. “Então, o anjo lhe disse: toma as entranhas deste peixe e guarde para ti seu coração, o fel e seu fígado. Pois são necessários para medicinas úteis. . . Logo, Tobias perguntou ao anjo e lhe disse: Eu te rogo, irmão Azarias, para quais remédios são boas essas coisas, que tu pediste separar do peixe. E o anjo, respondendo, lhe disse: Se puseres um pedacinho do seu coração sobre as brasas, seu fumo há de espantar toda a espécie de demônios, seja de um homem ou de uma mulher, de modo que não possam mais voltar a eles.”
Tal ensino não se dá em nenhuma outra parte das Escrituras. O coração de um peixe não possui poder mágico e sobrenatural para espantar “toda a espécie de demônios.” É inexplicável acreditar-se que Deus tivesse mandado a um de Seus anjos dar a Tobias ou a algum outro homem o conselho de praticar semelhante arte feiticeira.
Satanás não pode ser expulso por algum truque. Qualquer pessoa que pretenda usar alguma das artes aludidas para executar coisas sobrenaturais não procede de acordo com os 66 livros dos Escritos Inspirados.
S. Marcos 16: 17. Cristo afirma que Satanás seria expulso em Seu nome.
Atos 16:18. Paulo mandou o espírito sair da mulher em NOME DE JESUS CRISTO. Ela foi livrada do poder maligno. Tudo isso não se harmoniza com os escritos de Tobias.
2. Dar Esmolas Purifica do Pecado
Tobias 12:8, 9. “A oração é boa como o jejum e esmolas; é melhor do que guardar tesouros de ouro, pois, esmolas livram da morte, e é o mesmo que espia os pecados e conduz à misericórdia e vida eterna.”
Se ofertas caridosas pudessem expiar os nossos pecados, não teríamos necessidade do sangue de Jesus Cristo.
I S. Pedro 1:18, 19. Somos salvos, não por coisas corruptíveis, como prata e ouro ou esmolas, mas pelo sangue precioso de Cristo. A doutrina da Igreja Católica é – “Obras de Satisfação.”
Eclesiástico 3:33. “As esmolas rebatem os pecados.” Não se atribui ao poder de Cristo, segundo essa frase, mas às obras. (S. Judas 24).
3. Pecados Perdoados pela Oração
Eclesiástico 3:4. “Quem amar a Deus, receberá perdão de Seus pecados pela oração.”
Os pecados não se perdoam pela oração. Se fosse assim, não teríamos necessidade de Jesus. Todos os povos pagãos fazem orações, mas os pecados não se perdoam somente pela oração.
Prov. 28:1; 1 S. João 1: 9. A confissão e a renúncia do pecado por Jesus Cristo é o que ensina a palavra veraz.
I S. João 2: 1, 2. Cristo, nosso Advogado, pode perdoar o pecado.
4. Orações pelos Mortos
II Macabeus 12:42-46, “E, fazendo uma arrecadação, mandou doze mil dracmas de prata a Jerusalém para ser oferecido um sacrifício pelos pecados dos mortos, e fez bem em pensar religiosamente na ressurreição, (pois, se não tivesse esperança que os que haviam sido mortos ressuscitassem novamente, haveria de ser supérfluo e em vão orar pelos mortos). E considerava que, os que haviam adormecido no temor de Deus, alcançaram para si muita graça. Portanto, é um pensamento santo e nobre orar pelos mortos para que sejam libertos dos pecados.”
A Igreja Católica afirma que estes versículos lhe autorizam a doutrina do purgatório. Orações e missas pelos mortos são aceitas e o devoto católico crê nelas. Excede a imaginação a quantidade de dinheiro que aflui todos os anos aos cofres da igreja pelas missas em favor dos mortos. É uma fonte de grandes rendas.
5. Destino Selado por Ocasião da Morte
Atos 2:34. Consoante à Palavra de Deus, os mortos não vão ao lugar da recompensa. Davi, um homem segundo o coração de Deus, ainda não acendeu ao céu.
Isa. 38:18. Os mortos levados à sepultura “não esperarão em Tua verdade.” Ao falecer alguém, seu destino está selado aqui e pela eternidade. Todas as preces e sufrágios dos vivos não lhe são de proveito.
Lucas 16:26. “E, além disso, está posto um grande abismo.” Não há passagem ou graduação desde o lugar de sofrimento até às delícias do céu.
Isa. 8:20. São rejeitados os livros dos Macabeus por ensinar doutrinas contrárias às que se acham em outras partes da Bíblia. “À Lei e ao Testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, nunca verão a alva.”
6. O Ensino do Purgatório
Sabedoria 3:1-4. “Mas, as almas dos justos estão na mão de Deus; e o tormento da morte não as tocará. Aos olhos dos ignorantes pareciam eles morrer e sua partida foi considerada desgraça. E, sua separação de nós, por uma extrema perda. Mas, eles estão em paz. E, embora aos olhos dos homens sofram tormentos, sua esperança está plenamente na imortalidade.”
A Igreja Católica baseia a sua crença da doutrina do purgatório nestes versículos citados: “Embora aos olhos dos homens sofram tormentos, sua esperança está plenamente na imortalidade.”
“Os tormentos” nos quais se acham os “justos”, diz a Igreja, referem-se ao fogo do purgatório, onde os pecados estão sendo expiados.
“Sua esperança está plenamente na imortalidade”, pois a igreja interpreta isso, declarando que após suficiente tempo de sofrimento no meio do fogo, poderão passar para o céu.
I S. João 1:7. Esse ensino aniquila completamente a expiação de Cristo. Se o pecado pudesse ser extinguido pelo fogo, não teríamos necessidade do nosso Salvador.
Trechos de Obras Católicas:
“Se pudéssemos contemplar essas boas almas no purgatório, não as esqueceríamos. Sedentas estão clamando enquanto nós estamos descansando e bebendo. O desassossego as tortura enquanto nós estamos dormindo. Nós folgamos, enquanto grandes dores as torturam. Fogo ardente as consome, enquanto nós estamos banqueteando. Elas clamam por auxílio daqueles que outrora lhes eram caros. Imploram piedade, as orações e os sacrifícios que se prometeram.”
“Pela oração suavizamos a agonia das almas no purgatório. Pelo sacrifício aceleramos a sua libertação. O que estamos nós como indivíduos, fazendo em favor de nossos mortos? É um dos mistérios da vida esquecermo-nos tão facilmente daqueles que nos precederam, enquanto devíamos lembrar-nos deles onde estão, visto estar à nossa disposição a mais eficaz ajuda. Segundo palavras do Concílio de Trento, ‘há um purgatório e as almas nele são confortadas pelos sufrágios dos fiéis, especialmente pelo mais aceitável sacrifício do altar’. Lembremo-nos de nossos mortos pela missa. Mandemos rezar missas por eles.” – Jesuit Seminary News, Vol. 3, n.º 9 (Nov. 15, de 1928), pág. 70.
7. O Anjo Relata uma Falsidade
Tobias 5:15-19. “O anjo disse-lhe (a Tobias): Guiá-lo-ei para lá (o filho de Tobias) e o farei voltar a ti. E Tobias lhe disse (ao anjo): Eu te rogo, dize-me, de que família ou de que tribo és tu? E Rafael, o anjo, respondeu: . . . Eu sou Azarias, o filho do grande Ananias. Respondeu-lhe Tobias: Tu és de uma grande família.”
Se um anjo de Deus mentisse acerca de sua identidade, tornar-se-ia culpado de violação do nono mandamento.
S. Lucas 1:19. Confrontando esta declaração com o que está registrado no livro de Tobias, compreenderemos logo porque Cristo nunca Se referiu aos livros apócrifos.
8. Uma Mulher Jejuando Toda Sua Vida
Judith 8:5, 6. “E ela fez para si um aposento separado no andar superior de sua casa no qual vivia com suas servas. Seu vestido era de cabelo de crina e ela jejuava todos os dias de sua vida, com exceção dos sábados, das luas novas e demais festas da casa de Israel.”
Esta passagem é parecida a outras lendas católicas romanas, com respeito a seus santos canonizados. Uma mulher dificilmente jejuaria toda sua vida, com exceção de um dia da semana e algumas outras ocasiões durante o ano. Cristo jejuou quarenta dias, porém não toda a Sua vida.
9. Outra Contradição Bíblica
Judith 9:2. “Ó Senhor Deus, do meu pai Simeão, a quem deste a espada para executar vingança contra os gentios.”
Jesus não tinha nenhuma relação com o fato de ser dada “a espada para executar vingança” contra os habitantes de Siquém.
Gên. 34:30. Notemos o que Jacó, o pai de Simeão, disse, conforme se acha registrado em Gênesis: “Tendes-me turbado, fazendo-nos cheirar mal entre os moradores desta terra.”
Gên. 49:5-7, ao estender a sua bênção antes de morrer, pronunciou uma maldição sobre Simeão e Levi, por seu ato cruel. Disse ele: ‘maldito seja o seu furor, pois era forte, e a sua ira, pois era dura’. E, devido a isso, haviam de ser divididos e espalhados em Israel.
Rom. 12:19. A vingança pertence a Deus. É Ele quem há de recompensar.
Rom. 12:17. Não tornemos mal por mal. Simeão estava fazendo justamente o contrário. O livro de Judith deve ser colocado entre os livros não inspirados, e não deve ter lugar no Cânon.
10. A Imaculada Conceição
Sabedoria 8:19 e 20. “E eu era filho entendido e recebi uma boa alma. E, sendo que era mais entendido, cheguei a um corpo incontaminado.”
Os católicos usam este texto para sustentar a sua doutrina que Maria nascera sem pecados.
S. Lucas 1:30-35. Houve somente um Ser de quem os Escritos Sagrados declaram que fora concebido imaculado e este Ser é nosso Salvador.
Salmo 51:5; Rom. 3:23. Essa asserção é outra das doutrinas que os livros das Escrituras Sagradas não apoiam.
11. Ensinos da Crueldade e do Egoísmo
Eclesiástico 12:6. “Não favoreças aos ímpios; retêm o teu pão e não o dês a eles.”
Poderá alguém pensar que Deus havia de inspirar a algum homem a escrever semelhante conselho? Eis, o que está escrito:
Prov. 25:21, 22. “Se o que te aborrece tiver fome, dá-lhe pão para comer; se tiver sede, dá-lhe água para beber, porque assim amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça, e o Senhor te retribuirá.”
Rom. 12:20. O apóstolo Paulo, que teve de sofrer muito nas mãos de seus inimigos, citou essas palavras dos provérbios em sua epístola aos Romanos.
S. João 6:5. Certamente Cristo, quando andou neste mundo, alimentou a muitos de Seus perseguidores.
S. Mat. 6:44-48. Em Seu sermão da Montanha mencionou a regra cristã a ser seguida e explicitamente nos exorta a amar, abençoar e orar pelos nossos inimigos.

III – Fracassam as Provas para Apoiar os Apócrifos

Ainda há outras referências nos livros apócrifos para provar que sua origem não é divina. Mas, já foi dito suficiente neste estudo para vindicar a expulsão desses livros do Cânon de nossa Bíblia.
Isa. 8:20. “À Lei e ao Testemunho! se eles não falarem segundo esta palavra, nunca verão a alva.” (Transcrito de “O Pregador Adventista” maio-junho de 1950, pp. 16 a 19)
São Jerônimo, que foi o primeiro a usar o termo “apócrifo” rejeitou estes livros com toda a veemência, porque eles não se achavam na Bíblia Hebraica dos judeus. Diz ele que estes livros por não se acharem no cânon hebraico deveriam ser postos entre os apócrifos, e usados somente para edificação da Igreja e não para confirmar doutrinas. No livro Our Bible and the Ancient Manuscripts de Frederic Kenyon, páginas 84 e 87 há estas afirmações:
“Os livros apócrifos de Esdras, Sabedoria, Eclesiástico, Baruque, I e II Macabeus, juntos com as adições a Daniel e Ester, não foram traduzidos ou revisados por Jerônimo.”
“Ele desejou rejeitar inteiramente os livros apócrifos, porque eles não tinham lugar na Bíblia Hebraica corrente. Ele realmente consentiu, relutantemente, em fazer uma rápida tradução do livro de Judite e Tobias, mas os demais ele os deixou intocáveis. Apesar de tudo isso, eles continuaram a achar lugar na Bíblia latina; e a Vulgata como adotada finalmente pela Igreja de Roma, contém estes livros na forma em que eles têm permanecido, antes dos dias de Jerônimo, na Velha Versão Latina.”
Santo Agostinho que foi contemporâneo de São Jerônimo, pois viveu de 354 a 430 A.D., discordou frontalmente das idéias do autor da Vulgata, quanto aos livros apócrifos. O bispo de Hipona defendeu um cânon do Velho Testamento constituído de 44 livros, incluindo entre eles os apócrifos e alguns pseudepígrafos. Para ele apócrifo não significava “espúrio” ou “falso”, mas simplesmente livros cujos autores eram desconhecidos.
Em 1562 a Igreja da Inglaterra declarou que os apócrifos podem ser lidos com proveito, mas não há neles autoridade doutrinária. Apesar da confissão de Westminster, em 1643, que declarou como matéria de fé que os livros apócrifos não são de inspiração divina, algumas igrejas protestantes inseriram em suas Bíblias todos ou alguns destes livros. Só no século passado (1826) houve uma exclusão definitiva das edições publicadas pela Sociedade Bíblica. Os reformadores fundamentando-se na autoridade exclusiva da Palavra de Deus, rejeitaram os apócrifos, desde que a autenticidade destes livros se baseava na tradição.
Edições Bíblicas protestantes, como a Bíblia de Zurique e a Bíblia de Genebra, fizeram separação entre os livros canônicos e os apócrifos. Publicaram os apócrifos no fim do Velho Testamento, precedidos de algumas observações judiciosas:
“Aqui estão os livros que se acham enumerados pelos antigos entre os escritos bíblicos, e que não são encontrados no cânon hebraico . . . É verdade que eles não devem ser desprezados, porque contêm doutrinas úteis e boas. Ao mesmo tempo, é justo que o que foi dado pelo Espírito Santo, deve ter preeminência sobre o que veio do homem.”
A igreja católica apega-se a estes livros não inspirados porque eles sancionam alguns de seus falsos ensinos, como: oração pelos mortos, salvação pelas obras, a doutrina do purgatório, dar esmolas para libertar as pessoas do pecado e da morte.

Lista dos Livros Apócrifos

Embora haja muita divergência quanto ao número dos livros apócrifos, o Comentário Bíblico Adventista, vol. VIII, páginas 50-53, citando pela ordem em que eles aparecem na R. S. V, apresenta a seguinte lista:
1. O Primeiro Livro de Esdras;
2. O Segundo Livro de Esdras;
3. Tobias;
4. Judite;
5. Adições ao Livro de Ester;
6. A Sabedoria de Salomão;
7. A Sabedoria de Jesus o Filho de Siraque, ou Eclesiástico;
8. Baruque;
9. A Carta de Jeremias;
10. A Oração de Azarias e o Canto dos Três Jovens;
11. Susana;
12. Bel e o Dragão;
13. A Oração de Manassés;
14. O Primeiro Livro dos Macabeus;
15. O Segundo Livro dos Macabeus.
Os Sete Apócrifos Mais Importantes
Os sete mais importantes são: I e II Macabeus, Tobias, Judite, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico e Baruque. Os quatro primeiros são históricos; Sabedoria de Salomão e Eclesiástico são poéticos, mas também chamados de Sapienciais, Baruque é profético.
Sinteticamente tratam dos seguintes assuntos:
Os livros de Macabeus contam a história da revolta contra a opressão síria, liderada pela família dos Macabeus.
Tobias é um conto para ilustrar o mérito de uma vida caritativa e virtuosa.
Judite é uma lição de patriotismo, na ação destemida de uma viúva judia, que se serviu dos artifícios de sua beleza para assassinar o general do exército inimigo.
Sabedoria é um louvor à sabedoria de Deus. O autor se apresenta na pessoa de Salomão. É certamente uma ficção literária, Foi escrito no primeiro século a.C.
Eclesiástico – em grego chamado “Sabedoria de Jesus, Filho de Siraque”, é um compêndio de ética. O texto original se perdeu; resta a tradução grega.
Baruque – profeta quase completamente desconhecido.
Há belos trechos nos livros apócrifos, como estas passagens do Eclesiástico, capítulo 26, onde se exalta a alegria pujante da vida conjugal.
“Feliz o marido que tem uma mulher virtuosa, ele dobra o número dos seus dias. A mulher valorosa é a delícia de seu marido, que desfruta seus dias em paz. Uma mulher virtuosa é uma boa sorte, que é concedida a quem teme a Deus: rico ou pobre tem o coração contente e o rosto sempre alegre.”
“A graça de uma mulher alegra o marido e o saboreio nela fortalece os ossos dele.
Dom de Deus é uma mulher calada, e não há nada que valha uma mulher bem educada.
Graça sobre graça é uma pudica mulher, e não há preço que iguale uma casta alma.
O sol brilha no alto dos céus, e a beleza de uma mulher virtuosa adorna sua casa.”

Apócrifos do Novo Testamento

Os apócrifos do Novo Testamento não constituem nenhum problema, porque são rejeitados por todas as igrejas cristãs.
Não podíamos esperar algo diferente diante da fragilidade de seus escritos. Basta citar um exemplo do Evangelho de São Tomás:
“Jesus atravessava uma aldeia e um menino que passava correndo, esbarra-lhe no ombro. Jesus irritado, disse: não continuarás tua carreira. Imediatamente, o menino caiu morto. Seus pais correram a falar a José; este repreende a Jesus que castiga os reclamantes com terrível cegueira.”
Este relato, que não se coaduna com a sublimidade dos ensinos de Cristo, é suficiente para provar que este evangelho é espúrio.
Os Judeus perceberam que a inspiração profética terminara com Esdras. Esta é a conclusão a que chegamos através das palavras de Flávio Josefo.
“Desde Artaxerxes até os nossos dias, escreveram-se vários livros; mas não os consideramos dignos de confiança idêntica aos livros que os precederam, porque se interrompeu a sucessão dos profetas. Esta é a prova do respeito que temos pelas nossas Escrituras. Ainda que um grande intervalo nos separe do tempo em que elas foram encerradas, ninguém se atreveu a juntar-lhes ou tirar-lhes uma única sílaba; desde o dia de seu nascimento, todos os judeus são compelidos, como por instinto, a considerar as Escrituras como o próprio ensinamento de Deus, e a ser-lhes fiéis, e, se tal for necessário, dar alegremente a sua vida por elas.” (Discurso Contra Ápion, capítulo primeiro, oitavo parágrafo).
Segue-se uma lista dos apócrifos do Novo Testamento apresentada pelo professor Benedito P. Bittencourt em seu livro O Novo Testamento – Cânon, Língua, Texto, pág. 45.
Apócrifos do Novo Testamento:
1. “Evangelhos: Evangelho segundo os Hebreus; Evangelho dos Egípcios; Evangelho dos Ebionitas; Evangelho de Pedro; Protoevangelho de Tiago; Evangelho de Tomé; Evangelho de Filipe; Evangelho de Bartomeu; Evangelho de Nicodemos; Evangelho de Gamaliel; Evangelho da Verdade.
2. Epístolas: I Clemente, As Sete Epístolas de Inácio; aos Efésios, aos Magnésios; aos Trálios, aos Romanos, aos Filadélfios, aos Esmirnenses e a Policarpo; a Epístola de Policarpo aos Filipenses; a Epístola de Barnabé.
3. Atos: Atos de Paulo; Atos de Pedro; Atos de João; Atos de André; Atos de Tomé.
4. Apocalipses: Apocalipse de Pedro; o Pastor de Hermas; Apocalipse de Paulo; Apocalipse de Tomé; Apocalipse de Estêvão.
5. Manuais de Instrução: Didaquê ou o ensino dos Doze Apóstolos: 2 Clemente; Pregação de Pedro.
Os vários “Atos” apócrifos estão repletos de fantasia. Um deles merece rápida referência, embora seja pura ficção, refiro-me ao Atos de Paulo, por apresentar um retrato imaginário, mas curioso de Paulo. Declara ser ele um “homem de pequena estatura, sobrancelhas sem separação, nariz avantajado, calvo, pernas arqueadas, de compleição forte, exuberante em graça, pois que às vezes parecia homem, às vezes revelava a face de um anjo.”
Texto de Pedro Apolinário, História do Texto Bíblico, Capítulo 17.

O Cânon do Antigo Testamento


I – Divisão  Judaica (24 livros)
A LEI (Torah) (5-Pentateuco)   OS PROFETAS (Nebilim) (8)
Gênesis                                           Anteriores (4)   Posteriores (4)
Êxodo                                             Josué                       Isaías
Levítico                                          Juízes                      Jeremias
Números                                        Samuel (I, II)         Ezequiel
Deuteronômio                               Reis (I, II)               12 Prof. Menores

Oséias /Naum
Joel / Habacuque
Amós / Sofonias
Obadias /Ageu
Jonas /Zacarias
Miquéias /Malaq.
OS ESCRITORES (Hagiógrafos) (Ketubim) (11)
Poéticos (3)                             Profético (1)
Salmos                                         Daniel
Provérbios

Históricos (2)
Esdras
Neemias
Rolos (5)
Cantares
Rute
Lamentações
Eclesiastes
Ester
II – Divisão  Cristã (39 livros)
A LEI Torah(5-Pentateuco)   HISTÓRICOS (12)   POÉTICOS(6)
Gênesis                                       Josué                           Jó
Êxodo                                         Juízes                          Salmos
Levítico                                      Rute                             Provérbios
Números                                    I e II Samuel               Eclesiastes
Deuteronômio                           I e II Reis                    Cantares
I e II Crônicas             Lamentações
Esdras
Neemias
Ester
 PROFÉTICOS (16)
  Maiores (4)                                                              Menores (12)
Isaías                                                                         Oséias
Jeremias                                                                  Joel
Ezequiel                                                                   Amós
Daniel                                                                       Obadias
Jonas
Miquéias
Naum
Habacuque
Sofonias
Ageu
Zacarias
Malaquias
DIVISÃO  DO  CÂNON  DO  NOVO  TESTAMENTO
EVANGELHOS (4)                    HISTÓRICOS (1)
Mateus                                       Atos
Marcos
Lucas
João
(Mateus, Marcos e João são chamados Sinóticos)
EPÍSTOLAS (21)                                                   PROFÉTICO (1)
Paulinas (14)                  Universais (7)             Apocalipse
Romanos                             Tiago
I, II Coríntios                     I e II Pedro
Gálatas                                I, II, III João
Efésios                                 Judas
Filipenses
Colossenses
I, II Tessalonicenses
I, II Timóteo
Tito
Filemon
Hebreus
Texto de Pedro Apolinário, História do Texto Bíblico, Capítulo 16.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Como provar que Ezequiel 28 se refere também a Satanás e ao começo do conflito no Céu?


Como um teólogo aspirante, escrevi meu primeiro trabalho de pesquisa a respeito dos textos de Isaías 14 e Ezequiel 28 – passagens que os adventistas tradicionalmente interpretam como sendo referentes a Satanás e à origem do mal no Céu. Seguindo a pista de comentários da alta crítica, cheguei à desconcertante conclusão de que essas passagens se referem nem a um nem a outro. Consequentemente, senti que os adventistas não deveriam mais citar essas supostas evidências bíblicas para sustentar sua compreensão acerca de como o Grande Conflito começou.


Entretanto, estudos mais aprofundados revelaram que, até o surgimento da crítica histórica à época do Iluminismo, os cristãos em geral interpretavam Isaías 14 e Ezequiel 28 da mesma maneira que os adventistas interpretam hoje. E, recentemente, encontrei evidências exegéticas convincentes de que Isaías e Ezequiel estavam, de fato, se referindo a Satanás nessas passagens.


Enquanto era estudante em nosso seminário, Jose Bertoluci escreveu uma dissertação que compromete seriamente a visão crítica de que os dois profetas descrevem apenas inimigos terrenos históricos de Israel. Intitulado “O Filho da Alva e o Querubim Cobridor no contexto do conflito entre o bem e o mal”[1], o artigo de Bertoluci mostra que cada passagem se transfere do domínio local e histórico dos reis terrestres para o âmbito sobrenatural no qual Lúcifer interpretou seu sedicioso papel. Descobri mais evidências que suportam esse deslocamento conceitual em Ezequiel 28 – do “príncipe” terreno (nagid, o rei de Tiro, versos 1-10) para o “rei” cósmico (melek, o soberano sobrenatural de Tiro, o próprio Satanás, versos 11-19). Descobri também que esse julgamento sobre o querubim caído ocorre no clímax do livro inteiro.[2] Desse modo, a evidência bíblica suporta fortemente a exegese tradicional: o mal teve sua origem em Lúcifer, o querubim cobridor.


Até alguns meses atrás, entretanto, um conceito adventista muito familiar a respeito do advento do Grande Conflito parecia não ter mais do que um suporte bíblico meramente inferencial. Refiro-me às alegações de que, antes de sua queda, Satanás se pôs entre os anjos a difamar o caráter e o governo de Deus. Nos livros Patriarcas e Profetas e O Grande Conflito, em torno de 16 páginas tratam desse assunto, com base em informações a respeito de Satanás tais como o fato de ele ter sido chamado “homicida desde o princípio, [...] um mentiroso” (João 8:44, RSV) e “o acusador de nossos irmãos” (Apocalipse 12:10, RSV). Mas existe alguma base bíblica mais explícita para a acusação de “calúnia celestial”?


Acredito que sim. Por um feliz acaso, eu estava examinando uma afirmação recente de que a maior parte da descrição de Satanás em Ezequiel 28 seria apenas simbólica porque, como foi argumentado, ele é descrito como sendo engajado em uma “abundância de [...] comércio” (verso 16, NKJV) e, obviamente, Lúcifer não é literalmente um mercador celestial. Na etimologia da palavra hebraica para “comércio”, fiz uma surpreendente e empolgante descoberta. O verbo rakal, do qual esse substantivo deriva, literalmente significa “andar por aí, de um para outro (para comércio ou conversa fútil)”.[3] O substantivo derivado rakil – encontrado seis vezes no Antigo Testamento, uma delas em Ezequiel 22:9 – significa “caluniador” ou “mexeriqueiro”. O outro substantivo derivado, rkullah – que é o termo usado para “comércio” em Ezequiel 28:16 – aparece somente nesse livro, e todas as suas quatro ocorrências têm que ver com Tiro (26:12; 28:5; 16, 18).


A maior parte das versões modernas traduzem rkullah como “tráfico”, “comércio” ou “mercadoria” – o que faz sentido, se aplicado somente à Tiro histórica, uma cidade mercante, como contexto único da palavra. Entretanto, em referência às representações do querubim cobridor em 28:16 e 18, a noção de comércio não parece se aplicar tão bem. O notável crítico exegeta Walther Eichrod comenta: “A descrição da transgressão é um pouco inesperada, já que o comércio aqui é subitamente representado como sendo a origem da iniquidade.”[4]


Uma resposta que acomoda ambas as interpretações, “comércio” e “calúnia”, pode ser encontrada, creio eu, em um recurso literário conhecido como “paranomasia” – um jogo com o significado da palavra. Já que o substantivo rkullah é derivado do verbo que significa “andar por aí, de um para outro, para fins de comércio ou de conversa fútil/difamação” – parece provável que Ezequiel tenha escolhido esse raro termo hebraico (ao invés do termo mais comum para comércio, sahar) justamente por causa de seu possível duplo significado. A Tiro histórica claramente “andou por aí, de um para outro” para fins de comércio com outras nações. De maneira semelhante, o derradeiro governante de Tiro, Satanás (versos 11-19), no celeste “monte de Deus”, também andou por aí, de um para outro – mas não para negociar, e sim para espalhar calúnia e difamação entre os anjos. Ambos os governantes, o terrestre e o espiritual, praticaram “tráfico”: o primeiro, de mercadorias; o segundo, de calúnias contra Deus.[5]


O contexto imediato de Ezequiel 28:16 retrata a queda do Querubim Cobridor da perfeição (verso 15) para o orgulho (verso 17). Nesse cenário, os versos 16 e 18 traçam seus subsequentes passos para a perdição. O verso 16 pode ser mais bem traduzido da seguinte maneira: “Na multiplicação da tua difamação [rkullah], se encheu o teu [de Satanás] interior de violência, e pecaste; pelo que te lançarei, profanado, fora do monte de Deus...” Com hábeis pinceladas, Ezequiel pinta o retrato de Lúcifer difamando a Deus, um primeiro passo em direção à definitiva rebelião aberta e violenta descrita tão bem por João como “guerra no Céu” (Apocalipse 12:7, NIV). Ezequiel 28:18 revela que, após sua expulsão do Céu, o querubim caído continua a sua “iniquidade de difamação [rkullah]” contra Deus. O versículo também registra a sentença divina contra Satanás: destruição pelo fogo por causa da “multidão de suas iniquidades”.


A sediciosa difamação celestial de Satanás contra Deus nos primeiros momentos do Grande Conflito não é uma adição adventista extrabíblica à história; é, na verdade, uma admirável verdade bíblica!


(Richard M. Davidson é professor de Antigo Testamento na Universidade Andrews, nos EUA)


Referências:


1. Jose M. Bertoluci, “The Son of the Morning and the Guardian Cherub in the Context of the Controversy Between Good and Evil”, dissertação de Th.D., Andrews University Seventh-Day Adventist Theological Seminary, 1985 (disponível a partir de University Microfilms, University of Michigan, P.O. Box 1346, Ann Arbor, MI 48106-1346).


2. Richard M. Davidson, “Revelation/Inspiration in the Old Testament”, Issues in Revelation and Inspiration, Adventist Theological Society Occasional Papers, v. 1, Frank Holbrook e Leo Van Dolson, eds. (Berrien Springs, Mich.: Adventist Theological Society Publications, 1992), p. 118, 119. 


3. Francis Brown, S. R. Driver e Charles A. Briggs, eds., The New Brown, Driver and Briggs Hebrew and English Lexicon of the Old Testament (Grand Rapids, Mich.; Baker Book House, 1981), p. 940.


4. Walter Eichrodt, Ezekiel: A Commentary, Old Testament Library (Philadelphia: Westminster Press, 1970), p. 394.


5. Apocalipse 18 parece capturar esse nuance dúbio utilizado por Ezequiel. Em uma passagem claramente alusória a Ezequiel 28, o anjo fala sobre a “mercadoria” de várias coisas materiais nos versos 12 e 13, mas a listagem termina transferindo-se para o âmbito espiritual: “mercadorias de [...] almas humanas” (KJV).
Via Criacionismo

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