Para melhor compreender este verso é preciso estudá-lo bem no seu contexto, especialmente Colossenses 2:14-17:
“Tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz; e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz. Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo”.
Nosso estudo tem como finalidade primordial provar que a palavra “sábados”, de Colossenses 2:16, se refere aos sábados cerimoniais; logo, é distinta do vocábulo sábado – o sétimo dia da semana. O termo sábado é usado 59 vezes em o Novo Testamento para o sétimo dia da semana e uma vez, no plural, nesta passagem, com referência a festas cerimoniais.
Os que se opõem à lei de Deus se apegam a algumas passagens, que no seu entender “refutam o conceito sabatista”. Dentre estas passagens, uma das mais citadas é Colossenses 2:16.
Russell Norman Champlin apresenta extenso comentário para este verso visando provar que o vocábulo “sábados” se refere ao sábado do quarto mandamento. Segue-se uma pequena parte:
“… ou sábados … O plural com frequência representa o singular, talvez por analogia com ‘dias de festa’ (plural). Alguns eruditos pensam que o sábado normal está particularmente em foco, neste ponto ou pelo menos, que o mesmo não é excluído… Mas parece certo que está mesmo em foco o sétimo dia da semana (e que o plural é usado em lugar do singular)” (O Novo Testamento Interpretado, vol. 5, pág. 124).
Valter R. Martin, no livro The Truth About Seventh-day Adventism, se valeu da mesma dialética e textos bíblicos usados pelas igrejas tradicionais para refutar algumas de nossas crenças, como a vigência da lei e do sábado na dispensação cristã. Como prova de que os cristãos não necessitam mais de guardar o sábado ele menciona Colossenses 2:13-17:
“Primeiro, nós que estávamos mortos, temos sido vivificados em Cristo, e foram-nos perdoados todos os nossos pecados e transgressões. Somos livres da condenação da lei em todos os seus aspectos, pois Cristo assumiu nossa condenação na cruz. Como já foi observado, não há duas leis, moral e cerimonial, mas apenas uma lei contendo muitos mandamentos, todos perfeitamente cumpridos na vida e morte do Senhor Jesus Cristo”.
Na página 162 ele afirma: “De todas as declarações do Novo Testamento, estes versos são os que mais fortemente refutam a reivindicação sabatista para observar o sábado judeu”. Declara ainda que “o sábado como lei se cumpriu na cruz e não é mais obrigatório para os cristãos”.
Crê ele que estamos desobrigados de guardar a lei porque ela é contra nós e foi pregada na cruz. Afirma que suas declarações são irrefutáveis porque se baseiam em leis da gramática e no contexto.
Cremos nós que suas afirmações são facilmente contestadas.
1º) Não há diferença entre lei moral e cerimonial.
Inúmeros comentaristas protestantes fazem esta distinção. Mateus Henry, presbiteriano, em seu Comentário das Escrituras, declarou:
“Sob o Evangelho ficamos libertos do jugo da lei cerimonial e da maldição da Lei moral…”.
“A lei moral não foi senão para a localização da ferida, e a lei cerimonial serviu como sombra precursora do remédio; Cristo, porém, é o fim de ambas”.
A Confissão de Fé de Westminster, A Segunda Confissão Helvética, e outros credos protestantes, assinalam as diferenças entre estas duas leis.
2º) A lei foi cumprida pela vida e morte de Cristo.
Sim Cristo cumpriu a lei, mas isto jamais quis dizer que a lei foi anulada, significa sim que o Senhor Jesus viveu inteiramente de conformidade com a lei. Se cumprir a lei significa suprimi-la, cumprir a justiça de Mateus 3:15, quer dizer extingui-la. Esta afirmação é simplesmente absurda.
3º) A lei é contra nós.
Como pode alguma coisa que é contra nós ser chamada pelo apóstolo Paulo de santa, justa e boa (Romanos 7:12)? Paulo jamais condenou a lei, mas, sim, o mau uso da lei (legalismo). Em seus escritos ele salientou bem esta verdade: A lei não tem função salvadora.
Em sua defesa de que o termo “sábados” de Colossenses 2:16 se refere ao sétimo dia da semana, Walter R. Martin cita Vine, Alford e Vincent como autoridades que defendem a conveniência de traduzir a palavra “sábados” pelo singular sábado. Acrescenta ele que “a erudição moderna e conservadora estabelece a tradução singular de sábado”.
Esta não é bem a realidade, desde que os eruditos não defendem que é preciso traduzi-la no singular, mas meramente afirmam que pode ser traduzida de uma ou de outra maneira.
Não podemos desconhecer o fato de que muitas formas plurais, tanto na Septuaginta como em o Novo Testamento, devem ser traduzidas pelo singular, como nos confirmam as seguintes passagens: Êxodo 16:23 e 25; 20:8; Deuteronômio 5:12; Mateus 12:1; 28:1; Lucas 4:16.
Várias explicações têm sido apresentadas para esta peculiaridade da língua grega, porém, a que mais nos satisfaz é a do eminente estudioso A. F. Robertson, em A Grammar of the Greek New Testament in the Light of Historical Research, págs. 95, 105. Sugere ele que as duas formas, sábbaton e sábbata, conquanto aparentemente sejam o singular e o plural da mesma palavra, em realidade são o singular de palavras diferentes. Defende ele que o termo hebraico shabbath, “sábado”, é a fonte lógica do termo comum grego sábbaton. Nos tempos pós-exílicos, porém, o aramaico era generalizadamente usado na Palestina, e seu termo para “sábado” é shabbethá, palavra que bem poderia haver sido introduzida no grego como sábbata. Assim sábbaton foi sempre um termo singular, ao passo que sábbata poderia ser singular ou plural, dependendo se era usada como derivada do aramaico ou como o plural de sábbaton.
Diante desta exposição é evidente que o nosso argumento do uso do plural em Colossenses 2:16 para os sábados cerimoniais não apresenta muita estabilidade, em face de que o original sábbaton, ali usado, pode tanto ser singular como plural.
O argumento mais válido para comprovar a natureza cerimonial desses “sábados” se encontra em seu contexto.
O “sábado” a que o apóstolo Paulo se refere está relacionado com comidas, bebidas, festas judaicas e lua nova. Eram observâncias dos judeus que Paulo classifica como sombras das coisas futuras. A frase “sombra das coisas futuras” ou “que haviam de vir”, como aparece em outras traduções, é a chave que nos abre o entendimento para a compreensão do verso 16.
O Comentário Bíblico Adventista acrescenta: “Todos os itens alistados neste verso são sombras ou tipos representativos da realidade que é Cristo”.
Sobre esta passagem, Albert Barnes, comentador presbiteriano, bem observou:
“Não existe nenhuma evidência nesta passagem que ele (Paulo) pudesse ensinar de não haver nenhuma obrigação de observar algum tempo sagrado, porque não há a mais leve razão para crer que ele pretendesse ensinar que um dos dez mandamentos tivesse cessado a sua obrigatoriedade para o ser humano. Ele tinha seus olhos sobre o grande número de dias que eram observados pelos hebreus como festas, como parte de sua lei cerimonial e típica, e não a lei moral ou os dez mandamentos. Nenhuma parte da lei moral, nenhum dos 10 mandamentos poderia ser chamado como ‘uma sombra das coisas por vir’.Estes mandamentos são da natureza da lei moral, de aplicação perpétua e universal”.
Infelizmente existem pessoas bem intencionadas, mas pouco esclarecidas quanto às doutrinas bíblicas que desconhecem o fato de que as Escrituras mencionam o sábado da criação ou do decálogo e os sábados, feriados religiosos dos judeus, que caíam nos diferentes dias da semana como acontece com as nossas datas cívicas, natalícias etc.
Nesses dias festivos havia uma “santa convocação”, pois eram também dias de descanso, por isso a mesma palavra hebraica é usada para o sábado e para os dias de festa.
João 19:31 é assim traduzido em A Bíblia na Linguagem de Hoje:
“Então os líderes judeus pediram a Pilatos que mandasse quebrar as pernas dos que tinham sido crucificados e mandasse tirá-los das cruzes. Pediram isso porque era sexta-feira e não queriam que, no sábado, os corpos ainda estivessem nas cruzes. E aquele sábado era especialmente santo”.
A razão para esta santidade especial é simplesmente esta. Nele também se comemorava a páscoa, outro dia feriado, dia de descanso, isto é, outro sábado cerimonial.
Nos capítulos 16 e 23 de Levítico, e 28 e 29 de Números, estão enumerados os chamados sábados cerimoniais, ou sejam: o Dia da Expiação, a Páscoa, a Festa dos Pães Asmos, a Festa da Colheita (ou Pentecostes), a Festa das Trombetas e a Festa dos Tabernáculos.
Arnaldo Christianini, em Subtilezas do Erro, pág. 110 escreveu:
“É irrecusável que a Bíblia chama de ‘sábados’ estes dias festivais que nada tinham a ver
com o descanso semanal, ou o sábado do decálogo. Estes sábados cerimoniais estavam no livro de Moisés, e não nas tábua dos dez mandamentos, que só mencionam o sábado do sétimo dia, comemorativo da Criação, ‘porque em seis dias fez o Senhor os céus, a Terra, o mar e tudo o que neles há, e ao sétimo dia descansou'” (Êxodo 20:11).
“Os sábados festivais foram instituídos no Sinai, após a entrega da lei de Deus, ao passo que o sábado semanal o foi na Criação (Gênesis 2:2-3) e incorporado na lei moral, precedido de um imperativo ‘Lembra-te‘. Não pode haver confusão. Além disso, a própria Bíblia estabelece uma linha divisória entre eles, no verso 38, de modo a não deixar dúvidas: ‘Estas são as festas do Senhor independentemente dos sábados do Senhor.’ E também independentemente de ofertas, sacrifícios e outras exigências. Eram festas especiais e soleníssimas. Bem distintas. Convenhamos que os sábados do Senhor, os do sétimo dia, já existiam quando foram instituídos os sábados festivais. ‘Exceptio sabbatis Domino…’ – diz a versão de Jerônimo”.
Sobre Colossenses 2:16 e 17, eis o que diz o mesmo autor:
“a) Estes “sábados” aí estão associados a dias de festa e Lua nova, que eram solenes festividades nacionais judaicas, ou feriados fixos. Ora, o sábado do decálogo não tem esta natureza. Não era festivo nem típico;
“b) Estes “sábados” estão incluídos entre instituições que eram ‘sombras das coisas futuras’ – prefigurações de fatos que ainda estavam por vir. O sábado do decálogo é comemorativo de um fato passado: a Criação. Não era sombras de coisas futuras. Sem dúvida, o texto se refere aos sábados cerimoniais” (pág. 112 do livro já citado).
Os comentários acima são respaldados pelas opiniões de eruditos tais como Jamieson, Fausset, Brown, Adam Clarke e Albert Barnes, entre outros, todos da comunidade evangélica.
“Em Oseias 2:11 está profetizado o fim da observância de todos os tipos de sábados por parte do povo judeu. Mas isto em função do castigo divino que tornaria a terra de Israel uma desolação, com a destruição do templo e seus serviços religiosos. Basta ler o contexto da passagem, ou mesmo to do o livro de Oséias, para percebê-lo” (O Atalaia, dezembro de 1977, pág. 22).
A citação de Colossenses 2:14-17 como prova de anulação do quarto mandamento do decálogo é um dos maiores disparates no campo da exegese bíblica.
Walter R. Martin acusa os adventistas de não fazerem exegese (explicação correta), mas eisegesis (extrair um sentido não explícito). Além disso ainda nos acusa de ignorarmos a gramática e o contexto. São incríveis suas afirmações quando se constata que não há nada no contexto para provar que a expressão “sábados” se refira ao sétimo dia da semana.
Temos uma destas provas na tradução de Colossenses 2:17 em O Novo Testamento Vivo:
“Estes eram preceitos apenas temporários, que terminaram quando Cristo veio. Eram apenas sombras da realidade do próprio Cristo”.
Paulo torna claro este fato: os ensinos bíblicos visando orientar os homens para a vinda de Cristo perderam toda a significação após a Sua vinda.
Livro: Leia e Compreenda Melhor a Bíblia, de Pedro Apolinário.