Desenvolver uma melhor compreensão de outros sistemas de crenças abre as portas para a comunicação sem mostrar o que o autor chama de “arrogância intelectual”.
“Então, você é um cristão. Por que você iria abraçar uma religião do Ocidente, um produto da cultura ocidental, quando nós, aqui na Índia, temos o melhor da filosofia e pensamento religioso?”
A questão não é nem estranha nem nova. Uma das principais acusações feitas contra a missiologia cristã afirma que o Ocidente tenta impor a sua cultura e ética sobre a simples e fatigada população do Oriente. Contudo, aqueles que nivelam tais ataques se esquecem de que Cristo veio do Oriente. Ele nasceu na Palestina, viveu toda sua vida em uma cultura oriental, ensinou o Seu evangelho em meio a esta cultura, e morreu naquela terra. Pouco antes de subir ao céu, Ele reiterou aos seus discípulos que nem ele nem a Sua mensagem deveriam limitar-se a qualquer região geográfica. Ele é o Senhor do universo, com uma mensagem para o mundo inteiro. Com isso, Ele comissionou Seus discípulos e todas as gerações sucessivas “Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações. . . ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado, e eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos”(Mt 28:19, 20) [1].
Muito antes do cristianismo chegar ao Ocidente como o conhecemos hoje, ele esteve no Oriente. A história e tradição indiana trilha a origem do cristianismo do primeiro século, através do ministério do apóstolo Tomé na ponta sudoeste da costa do subcontinente. Desde então, os cristãos nesta parte do mundo tiveram uma contínua ligação eclesiástica com a Igreja Ortodoxa Síria, e muitos deles se intitulavam cristãos. Quinze séculos depois, os primeiros missionários da Europa moderna desembarcaram na Índia, mas os primeiros cristãos, ainda mantinham a sua liturgia e tradição do primeiro século. Jawaharlal Nehru, o primeiro-ministro e um dos fundadores da Índia moderna, muitas vezes em seus discursos públicos e narrativas históricas corrigia o equívoco de seus compatriotas de que o cristianismo é uma religião ocidental. Ele tinha a convicção de que o cristianismo era tanto uma religião de seu país como de qualquer outro.
Mahatma Gandhi, o pai da Índia moderna, muitas vezes, encontrou consolo no Novo Testamento. Sua filosofia de não-violência tem suas raízes no Sermão da Montanha. Entre seus hinos favoritos estavam esses clássicos cristãos como “Abide with Me”, “Lead, Kindly Light” e ““When I Survey the Wondrous Cross”. Uma vez Gandhi escreveu: “Houve muitas vezes quando eu não sabia que caminho tomar. Mas tendo ido a Bíblia, em especial ao Novo Testamento, fui atraído pela força de sua mensagem” [2]. Dizer tudo isso não apaga o fato que a existência, missiologia, e prática cristã, continuam a enfrentar obstáculos filosóficos e sociológicos. A natureza sistemática, coerente e vibrante da filosofia e sociologia Hindu representa o maior desafio para a proclamação do evangelho cristão. Portanto, cada cristão, especialmente pastores e ministros, deveriam ter pelo menos um conhecimento genérico sobre tudo o que o hinduísmo é. Uma vez que o conhecimento, diálogo e comunicação se desenvolve, o testemunho torna-se possível dentro de um contexto de respeito mútuo, amizade e partilha. Sidney J. Harris observou que Tomás de Aquino disse certa vez: “Quando você quiser converter alguém à sua opinião, você deve ir até onde ele está” [3].
Este artigo examina três áreas que são fundamentais para um diálogo hindu-cristão: a natureza do ser humano, as diferenças doutrinárias entre cristianismo e hinduísmo, e o terreno comum para o diálogo.
A Natureza Humana
No vasto universo do imponderável, a filosofia hindu sustenta que os seres humanos são simplesmente criaturas microcósmicas. Como eles vieram a existir não é tão importante como o que eles são e para onde estão indo. A compreensão central do hinduísmo da natureza humana e seu destino é condicionada pela lei fundamental do karma. Karma é a lei moral em que o ciclo de nascimento-morte-renascimento, conhecido como o eterno processo da reencarnação, tem lugar, dando inúmeras oportunidades para se escapar das limitações da vida e, finalmente, da própria morte. O hinduísmo não reconhece a realidade do pecado; ele vê o bem ou o mal do princípio ativo do karma, e o principal dever da religião é fornecer um escape do Karma, concentrando-se naquilo que podemos fazer. Um filósofo coloca a responsabilidade do escape sobre os próprios indivíduos: “Um crente na lei do carma é um agente livre e é responsável por todos os bons e maus resultados de suas próprias ações que atendem a sua vida. Ele sabe que cria seu próprio destino, e molda seu caráter, seus pensamentos e atos” [4].
Hinduísmo | Cristianismo |
Deus: Ainda que os Hindus acreditem em um onipresente e impessoal, ser supremo, Eles sustentam que esse ser existe em múltiplas formas, tanto do sexo masculino como do feminino, tornando a religião hindu politeísta. Como o divino não pode ser limitado, ele existe em toda parte e em tudo, daí o Hinduísmo é panteísta também. No topo das inúmeras formas estão Brahma, Vishnu e Shiva, a tríade suprema. | Deus: A fé cristã está enraizada no monoteísmo, isto é, Deus é único. Ele é o Criador, o Redentor, e o Juiz eterno. Embora a doutrina cristã da Trindade fale do Pai, do Filho e do Espírito Santo, os três são um só em pensamento, ação e efeito. Nem o politeísmo nem o panteísmo existem na doutrina cristã de Deus. |
O mundo: Os hindus vêem o mundo como uma extensão de Brahma, o princípio supremo. No entanto, a extensão não envolve qualquer participação ativa por parte de Brahma. Em vez disso, o mundo evoluiu através de sucessivos estágios da matéria, consciência e espiritualidade. Sendo a extensão de Brahma, a natureza e Deus são contíguos, dando lugar a uma fé panteísta. | O mundo: “No princípio Deus criou os céus e a terra” (Gn 1:1). Assim começa a Bíblia em seu pronunciamento, que este mundo resultou da atividade criadora de Deus. Na criação do mundo, Deus permanece como o Senhor da criação, em pé sobre e para além dela. Assim, a fé cristã O exalta como o Senhor do universo e se recusa a identificar o Criador com a criatura (panteísmo). |
Humanos: Para os hindus, o conceito cristão de Deus criar o ser humano é uma ilusão. O ser humano, assim como todas as outras coisas animadas e inanimadas, é uma emanação, uma extensão de Brahma, o ser supremo. Enquanto a existência procede dele, essa produção não é nem independente nem livre, mas sujeita à lei suprema do karma, que em seu processo cíclico de nascimento-morte-renascimento mantém os seres humanos sempre em busca do eterno. | Humanos: Os seres humanos não procedem de Deus, nem evoluíram de formas de vida preexistentes. Ao contrário, Deus escolheu criar o homem à Sua imagem (Gênesis 1:16, 17). Após ter criado a humanidade como Sua obra, Deus deu aos homens a liberdade de escolha, a responsabilidade para a procriação, e deu-lhes a administração da terra. Um ser humano é assim, um ser responsável, com um começo, deveres e destino. |
Pecado e salvação: o hinduísmo não reconhece o pecado como uma deliberada rebelião pessoal contra Deus, nem como uma revolta contra sua lei moral, como o cristianismo ensina. O ser humano não é um pecador neste sentido. No entanto, os seres humanos cometem atos de infração contra a natureza e seus semelhantes por causa de seu karma, o princípio predeterminado que controla os movimentos de suas vidas. A salvação vem por um dos três caminhos: o conhecimento, a devoção à divindade, e as boas obras. | Pecado e salvação: o pecado é real, é a rebelião humana contra um Deus pessoal. O pecado criou um abismo entre a humanidade e Deus, que não pode ser consertado por quaisquer boas ações que fazem os humanos. A salvação é a libertação do pecado, efetuada pelo amor e pela graça de Deus através de Jesus Cristo, que pagou a penalidade do pecado através de Sua própria morte. Nenhuma obra humana pode trazer a salvação, somente a fé e aceitação de Cristo como Salvador (João 3:16, Efésios 2:8, 9;. Tito 3:5). |
Ética e conduta: Embora não haja nenhum código final de moralidade como os Dez Mandamentos, o Hinduísmo encontra o seu fundamento moral na lei do karma: o que se faz ou deixa de fazer afeta o seu destino e eventual processo de reencarnação. Então a vida moral é uma parte essencial da vida. Duas forças significativas desta vida moral são o respeito pela vida, tanto humana como não humana, e ahimsa, o princípio da não-violência. | Ética e conduta: a vida humana é para ser vivida em relação com Deus e ao próximo, regida pela lei do amor – altruísta, sacrificial, e todo-abrangente – porque Deus é amor. Este amor é expresso em termos práticos, por meio dos Dez Mandamentos, a lei moral e de conduta da vida (ver 1 João 4:16-18, 05:03, Lucas 10:25-28; Êxodo 20:1-17). |
Destino final: A História é cíclica. A humanidade está presa em um interminável processo cíclico de nascimento-morte-renascimento, com cada etapa do processo controlado pela lei do karma. O fim último, após desconhecidos estágios da reencarnação, é se fundir com o princípio universal de Brahma. | Destino final: A história é linear. Sob a direção de Deus, ela se move em direção ao seu clímax final, quando Deus destruirá o pecado, os pecadores, e Satanás, a causa original do mal no universo. Com este processo de purificação, Deus criará uma nova terra e um novo céu que vai ser a casa daqueles que aceitaram a sua salvação (Ap 21:1-6; João 14:1-3). |
Assim, o próprio destino está em nossas próprias mãos, em nossas próprias obras. Um ser humano deve se esforçar para fazer o bem para erradicar os antecedentes do mal, não só nesta vida, mas das vidas passadas também. Diz o Bhagavad Gita (“Canção do Senhor”), a mais lida Escritura Hindu: “Faze, portanto, o trabalho a ser feito: Para o homem cujo trabalho é puro, alcança de fato o Supremo” [5].
Assim o hinduísmo encontra nas boas obras o objetivo final da moksha ou salvação que traz a libertação completa do ciclo interminável de nascimentos e mortes. Pode-se fazê-lo em sua própria força, sem ajuda externa de qualquer divindade. O Gita prescreve três formas possíveis de moksha: (1) karma-marga, o caminho das obrigações, que incluem rituais e obrigações sociais, (2) jnana-marga, o caminho do conhecimento, o uso da meditação, disciplina intelectual, e contemplação, e (3) bhaktimarga, o caminho da devoção, uma vida de adoração e serviço prestado a um deus escolhido. Uma pessoa pode escolher um ou uma combinação desses meios para atingir a libertação do Karma perpétuo sobre o ciclo da vida.
Hinduísmo e Cristianismo: Diferenças Doutrinárias
Um diálogo cristão e comunicação com um hindu exige uma compreensão e comparação dos princípios básicos destas duas grandes religiões do mundo. Sem entrar em detalhes, o quadro na página compara e contrasta as posições das duas religiões e alguns de seus principais ensinos. [6]Diálogo Adventista com os Hindus
Pelo que vimos até agora, podemos notar que o sistema de crença hindu é complexo, com uma filosofia e lógica própria, e varia com a posição doutrinária da maior parte da teologia cristã. Nesse contexto, abordar um hindu com o Evangelho se torna difícil. No entanto, o sistema hindu não é um sistema fechado, mas aberto, tolerante e pronto para o diálogo. Devido a isso, podemos nos aproximar de um hindu, sem arrogância intelectual, pensando que temos o monopólio da verdade ou que somos superiores. O que precisamos é humildade, compreensão e respeito um pelo outro. Mesmo que a teologia cristã e o hinduísmo possam ser diferentes em posições básicas como a natureza de Deus, do homem, o pecado, a salvação, e o futuro, há alguns pontos em comum a partir dos quais os cristãos podem continuar a dialogar com os seus amigos hindus.1. Tanto os cristãos como os hindus têm um enorme respeito pela vida originados a partir da imagem de Deus para os cristãos, e da união com Brahma para os hindus. Isto fornece um ponto para se falar das doutrinas da criação, do pecado e da encarnação de Cristo para a restituição da imagem de Deus, a restauração definitiva do novo céu e nova terra. O conceito cristão de mordomia sobre a criação, que brota do nosso entendimento do Gênesis, pode levar-nos a falar do Senhor da criação e da redenção.
2. O estilo de vida adventista, com base no vegetarianismo e vida saudável, proporciona uma base mais comum para o diálogo com os hindus, que, na sua maior parte, são vegetarianos. Muitas vezes a prática cristã da adoção da cultura ocidental e seus hábitos de comer e beber configura uma barreira negativa à comunicação. Uma testemunha, fiel aos valores bíblicos, será facilmente ouvida entre os hindus.
3. A doutrina hindu da não-violência oferece um cenário perfeito para ensinar o caminho de Jesus de ser altruísta e amoroso ao próximo, como excepcionalmente transmitido no Sermão da Montanha.
4. Todo ser humano sofre de culpa e infelicidade interior. Que melhor oportunidade para falar de Jesus, que oferece a felicidade eterna e o descanso da culpa?
Conclusão
A singularidade de Jesus deve ser enfatizada e pregada, não como uma batalha filosófica a ser vencida, mas sim como um caminho aberto para todas as pessoas. Ele é o Senhor de todos os homens e mulheres em toda parte. Ele é a Luz que ilumina todo o universo. Sua promessa não tem limitação, e seu dom é gratuito. Seu convite é universal: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Pegue o meu jugo sobre vós e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve “(Mt 11:28-30).O convite de Jesus é aberto a todos, sem discriminação de nacionalidade, língua, cor, casta ou tribo. O cristão tem o privilégio de estender esse convite a todos para que o gentil e amoroso Jesus possa realmente dar liberdade do pecado e a certeza da vida eterna.
Referências
1. All scripture passages in this article, unless otherwise noted, are from the New King James Version.2. Mahatma K. Gandhi, quoted in William W. Emilsen, ed.,Gandhi’s Bible (Delhi: ISPCK, 2001), v.
3. Sidney J. Harris, quoted in John C. Maxwell, Be a People Person, 2nd ed. (Colorado Springs, CO: David C. Cook, 2007), 92.
4. Swami Abhedananda, Doctrine of Karma (Calcutta: Ramakrishna Vedanta Math, 1989), 14, 15.
5. The Bhagavad Gita, tr. Juan Mascaró (Middlesex, England: Penguin Books, 1962), 3:19.
6. Chart information from the following sources: Thomas Berry, Religions of India (New York: Bruce Publishing, 1971); Josh McDowell and Don Stewart, Handbook of Today’s Religions (Nashville: Thomas Nelson Publishers, 1983); S. Radhakrishnan, East and West: The End of Their Separation (New York: Allen & Unwin, 1954); Thomas Samuel, Bible Speaks to Hindus (Bangalore: Quiet Corner Ministries, 1988); and Ed Viswanathan, Am I a Hindu? (Noida, India: Rupa & Co., 2005).
Artigo escrito por Victor Sam, publicado na revista adventista “Ministry Magazine de Out/2010″. Crédito da tradução: Blog Sétimo Dia https://setimodia.wordpress.com/
0 comentários:
Postar um comentário