Antes de olharmos onde o verso 33 de Marcos 3 está inserido, devemos nos lembrar de que foi Cristo mesmo quem deu a Moisés o mandamento “Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor, teu Deus, te dá” (Êx 20:12). Ao Se encarnar, teria Ele agido contra Suas próprias palavras ditas a Moisés? Não foi Ele quem desafiou os líderes religiosos de Seus dias com a incisiva pergunta: “Quem dentre vós Me convence de pecado?” (Jo 8:46). A conclusão é óbvia: Se ninguém poderia convencê-Lo de pecado, então Ele guardava todos os dez mandamentos, incluindo aquele que ordena honrar pai e mãe (e, por extensão, toda a família).
Vamos, então, ao texto de Marcos 3:33, começando com o verso 31: “Nisto chegaram Sua mãe e Seus irmãos e, tendo ficado do lado de fora, mandaram chamá-Lo. Muita gente estava assentada ao redor dEle e Lhe disseram: Olha, Tua mãe, Teus irmãos e irmãs estão lá fora à Tua procura. Então, Ele lhes respondeu, dizendo: Quem é Minha mãe e Meus irmãos? E, correndo o olhar pelos que estavam assentados ao redor, disse: Eis Minha mãe e Meus irmãos. Portanto, quem quiser fazer a vontade de Deus, esse é Meu irmão, irmã e mãe” (Mc 3:31-35).
Alguns fatos chamam a atenção no texto acima: (1) Jesus estava ocupado com a obra da pregação do Reino de Deus; (2) havia muitas pessoas ouvindo-O; e (3) o fato de não terem entrado para ouvir denota que esses parentes de Jesus não criam nEle como o enviado de Deus (à exceção de Maria, Sua mãe; mas mesmo esta não entendia bem a missão de seu Filho). João 7:3-6 declara a franca hostilidade dos irmãos de Jesus em relação a Sua pessoa. A declaração feita por eles de que Jesus estava “fora de si” (Mc 3:21), isto é, demente, louco, só é excedida pela afirmação dos escribas de que Jesus estava possesso por Belzebu (Mc 3:22). Tais irmãos só se converteriam após a ressurreição de Cristo (ver Atos 1:14). Esses parentes estavam ali apenas preocupados quanto ao bem-estar físico de Jesus, ou com a reputação deles, visto que as obras desse irmão motivaram os escribas a declarar que Ele estava possesso pelo demônio (ver Mc 3:22).
Possivelmente a chave para se entender Marcos 3:33 esteja nos versos 20-22 deste mesmo capítulo. Ali é dito: “Então, Ele foi para casa. Não obstante, a multidão afluiu de novo, de tal modo que nem podiam comer. E quando os parentes de Jesus ouviram isso, saíram para O prender; porque diziam: Está fora de si.” Percebe a intenção desses parentes de Jesus? Eles não foram lá para ouvir as verdades que saíam de Seus lábios, mas “para O prender”. E se Jesus Se deixasse prender, o que teria acontecido à Sua missão de pregar o evangelho? Percebe-se claramente que esses parentes iriam estorvar o trabalho de Jesus, caso Ele não tivesse agido com a firmeza necessária àquele momento de Seu ministério.
A maneira de Jesus tratar seus parentes, nessa ocasião, não mostra desrespeito, mas firmeza. Ele deixou claro que ”qualquer que fizer a vontade de Deus” esse é Seu irmão, irmã e mãe (verso 35). Essas palavras mostram que “a chegada do reino de Deus muda os relacionamentos humanos. Os que se opõem ao seu progresso – quer sejam mães ou irmãos – devem ser deixados; os que estão no reino se tornam nossos amigos mais íntimos, mais próximos e mais queridos que quaisquer outros” (Bíblia de Genebra, p. 1152, comentando Marcos 3:35).
Que os parentes de Jesus não tomaram como desrespeito Sua declaração, contida em Marcos 3:33-35, de que Seus verdadeiros parentes são aqueles que fazem a vontade de Deus, é visto no fato de que esses irmãos, mais tarde, O aceitaram como o Messias, enviado de Deus. Dois deles, Tiago e Judas se tornaram pessoas de destaque na igreja cristã: Tiago, além de escrever a epístola que leva seu nome (ver Tg 1:1), foi o presidente no Concílio de Jerusalém, que debateu o assunto da circuncisão (ver At 15:13-21), e Judas também escreveu uma epístola, a de Judas (ver Jd 1). E Maria, com esses irmãos, agora convertidos, é mencionada entre os seguidores de Jesus que se reuniram no cenáculo (ver At 1:14).
Jesus foi e continua sendo nosso modelo de cortesia para com todos, especialmente para com os que estão mais próximos de nós, os nossos familiares. Mas também é exemplo no fato de não deixar que nada se interponha entre o crente e Deus, nem mesmo mãe ou irmãos.
Deus nos dê a graça de ter esse equilíbrio tão necessário a uma vida cristã saudável.
Por Ozeas C. Moura, doutor em Teologia Bíblica e professor no Unasp, campus de Engenheiro Coelho, SP. Publicado na RA de Jun/2010.Via Sétimo Dia
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