Para início de conversa…
Especialmente nós, adventistas do sétimo
dia, bem como os judeus, não temos dúvidas quanto à necessidade de o
ser humano abandonar o uso de consideradas imundas (impróprias para
alimentação) pela Bíblia.
Os adventistas creem que Levítico
11:1-47 e Deuteronômio 14:3-21 apresentam leis dietéticas válidas para
as pessoas de todas as épocas. Afinal, tanto o corpo dos Israelitas quanto o corpo dos cristãos, é o “templo do Espírito Santo”
(1Co 3:16, 17; 6:19, 20), e não deve ser contaminado pelo uso de carnes
de animais que não têm um sistema digestivo mais complexo e apto para
eliminar todas as toxinas presentes no organismo.
Por isso, enquanto nosso corpo for o
“templo” ou “santuário” da Terceira Pessoa da Trindade, sempre será
pecaminoso e “abominável” diante de Deus (ver Lv 11:43-47) o jogar “lixo” para dentro desse templo[i]. Quanto
mais sujo estiver nosso corpo de alimentos não saudáveis, menos
capacitada estará nossa mente para recebermos as impressões do Espírito e
discernirmos entre o certo e o errado. A profunda relação
entre o corpo, mente e a espiritualidade é comprovada tanto pela Bíblia
(cf. 1Ts 5:23, 24) quanto pela ciência[ii]. Não há como negar isso[iii].
Entretanto, quando o assunto é a carne
de pato, a coisa muda de figura. Os adventistas são divididos, e não há
entre eles um consenso quanto a isso. Para auxiliar nessa discussão,
farei breves considerações e transcreverei uma resposta sobre o tema que
foi disponibilizada pela Revista Adventista em agosto de 1955.
Ellen G. White fazia uso da carne de pato
Citando os Manuscritos números 11 e 12
de Ellen, escritos em 1873, Roger W. Coon, em seu artigo intitulado
“Ellen White and Vegetarianism”, nos informa que, em situações de
emergência, a família White usava a carne de caças, incluindo certos
tipos de patos.
Em 28 de setembro do referido ano, ela
escreveu: “[…] Estamos (num acampamento missionário) ficando aquém das
disposições […] Um jovem de Nova Scotia havia vindo da caça. Ele possuía
um quarto de veado e tinha viajado 20 milhas com este cervo em sua
volta […] Deu-nos um pequeno pedaço de carne, do qual fizemos em caldo.
Willie (filho de Ellen G. White) atirou num pato, que veio em um momento de necessidade […]” (Manuscrito 12 – grifos acrescidos).
Já em 5 de outubro do mesmo ano de 1873,
Ellen White relatou: “O sol brilha tão agradavelmente, mas nenhum
alívio vem a nós. Nossas provisões têm sido muito baixas por alguns
dias. Muitos de nossos suprimentos têm sido sem manteiga, molho de
qualquer espécie, sem farinha de milho […]. Nós temos um pouco de
farinha, e isso é tudo. Esperávamos suprimentos há três dias,
certamente, mas nenhum chegou. Willie foi para o lago. Ouvimos a arma
dele e descobri que ele tinha atirado em dois patos. Esta é realmente uma bênção, pois precisamos de algo para viver”[iv] (Manuscrito 13 – grifos acrescentados).
O hábito da família White de se alimentar de carne de pato em situações emergenciais, dez anos após
a primeira visão que ela teve sobre saúde em 1863, demonstra que para
os pioneiros adventistas, o pato não era considerado imundo do mesmo
modo que o cisne (Lv 11:18, na versão Almeida, Revista e Corrigida[v]). Até o momento não encontrei uma razão para eles não associarem o pato ao cisne,
A resposta da Revista Adventista em Agosto de 1955
Na seção intitulada “Caixa de Perguntas”, a Revista Adventista respondeu à dúvida: “É o pato imundo, ou limpo? (Lv 11:18 [e v.19])” da seguinte maneira:
Não nos parece que a passagem em questão inclua o pato entre os animais imundos. É interessante que, ao mencionar o cisne, não diz a passagem “segundo a sua espécie”, como se lê em muitos outros lugares[vi].
Depreendemos, daí, não estar o pato classificado como animal imundo.
Acresce que os judeus, que são muito escrupulosos na questão das carnes
imundas, não se abstêm da carne de pato.
Os judeus classificam o pato como sendo uma ave “Casher”, ou seja: apropriada
para consumo. Segundo eles, essa ave doméstica (entre outras) preenche
os critérios da Torá sobre o tipo de alimento que, se consumido, não
atrapalhará o equilíbrio entre a saúde física e a saúde espiritual:
As aves Casher são identificadas por uma
tradição transmitida de geração para geração e é universalmente aceita.
A Torá especifica as aves que são proibidas, incluindo todas as aves de
rapina ou que se alimentam de carniça. Entre as aves Casher estão
incluídas as espécies domésticas de frangos, patos, gansos e perus[vii].
A Revista Adventista continua:
Quem tiver
escrúpulos deverá, naturalmente, abster-se desse alimento, tanto mais
quanto há muito prato mais saboroso e saudável que esse animal pouco
simpático. Além do mais, somos muito aconselhados pelo Espírito de
profecia[viii]
a abandonar inteiramente o uso da carne, pelo menos nos lugares onde
não faltam alimentos bons e nutritivos. A alimentação cárnea, quando
existem alimentos melhores e de primeira mão, é cada vez mais condenada
pela ciência médica. Vamos, irmãos que tendes acesso a alimentos
melhores que os cárneos, deixar de tirar a vida aos inocentes animais
(muitas vezes portadores de doenças repugnantes e contagiosas, que os
olhos leigos não descobrem), e comer alimentos mais apetitosos e
saudáveis![ix].
Considerações finais
- Ao irmão evangélico, católico, espírita, budista, ou que siga a qualquer outro credo religioso, recomendo que se aprofunde no assunto do uso ou não de carnes imundas, e que estude sobre a relação íntima existente entre nossa alimentação e relacionamento espiritual com Deus (veja-se também Êx 15:26). Sugiro a leitura da excelente obra de Ellen White intitulada Conselhos Sobre Saúde, que pode ser adquirida com a editora Casa Publicadora Brasileira pelo site cpb.com.br
Além disso, recomendo um estudo
contextual, especialmente de Mateus 15:1-20, Marcos 7:1-23, Atos
10:1-48, Romanos 14:1-23, 1 Coríntios 8-10, Colossenses 2:16 e Tito
1:15, para que o irmão ou irmã não chegue à conclusões totalmente
contrárias ao que o Antigo Testamento, a Bíblia dos autores do Novo Testamento (cf. 2Tm 3:16; 2Pe 1:19-21), apresenta sobre o assunto em Levítico 11 e Deuteronômio 14. A Bíblia é um todo harmônico,
e precisa ser estudada em sua totalidade, sem que se faça a distinção
entre “Velho” e “Novo Testamento” (pois toda a Bíblia é inspirada por
Deus), se quisermos atingir compreensão mais ampla sobre Cristo
(personagem central das Escrituras) e Suas verdades. No blog do “Na Mira
da Verdade” (www.novotempo.com/namiradaverdade)
poderá encontrar respostas concisas aos textos citados acima que são
indevidamente interpretados. Use o campo “busca” para encontrar a(s)
resposta(s) que mais lhe interessa.
- A você que é adventista do sétimo dia, aconselho a não usar este pequeno post para combater aqueles que pensam diferente, e sim para instruir. Afinal, não faz parte do espírito cristão viver contendendo com os outros: “Fique longe das discussões tolas e sem valor, pois você sabe que elas sempre acabam em brigas. O servo do Senhor não deve andar brigando, mas deve tratar todos com educação. Deve ser um mestre bom e paciente, que corrige com delicadeza aqueles que são contra ele. Pois pode ser que Deus dê a eles a oportunidade de se arrependerem e de virem a conhecer a verdade” (2Tm 2:23-25, Nova Tradução Na Linguagem de Hoje).
- O ideal é que o filho e a filha de Deus, de acordo com as circunstâncias e respeitando seus limites e organismo, vá abandonado o regime cárneo por estar se tornando cada vez mais prejudicial à saúde. Todavia, mesmo que nossa saúde física esteja intimamente relacionada com nossa santificação, como bem destacou o Dr. Helnio Judson Nogueira[x], você não deve fazer do vegetarianismo uma espécie de salvação pelas obras. Adaptando Efésios 2:8, 9, eu diria: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de soja (no texto bíblico, “obras””), para que ninguém se glorie”.
Para um estudo equilibrado e completo
sobre o vegetarianismo nos escritos de Ellen G. White, recomendo a
leitura do excelente artigo de Roger W. Coon, intitulado “Ellen White
and Vegetarianism”. O Mesmo se encontra disponível no link a seguir: http://www.whiteestate.org/issues/vegetarian.html
Além disso, poderá consultar a obra de Herbert E. Douglass, intitulada Mensageira do Senhor, págs. 310-317 e 333-337[xi], e meu livro Na Mira da Verdade, vol. 1, a resposta à pergunta 33: “Ellen G. White ensina que os carnívoros irão se perder?”[xii]
[i] Considerando o conceito de pecado
apresentado em 1 João 3:4, não há dúvidas de que a desobediência às leis
de saúde também se constitui pecado: “Todo aquele que pratica o pecado
também transgride a lei, porque o pecado é a transgressão da lei”.
Graças a Deus porque a graça de Jesus nos perdoa e apaga esse e qualquer
outro tipo de pecado em nossa vida! “Justificados, pois, mediante a fé,
temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5:1). O
autor do presente artigo foi um inveterado comedor de carnes imundas,
porém, a graça de Jesus o perdoou e o ajudou a abandonar especialmente a
carne de porco (Lv 11:7, 8). Com isso, tem desfrutado de uma saúde muito melhor que no passado (Êx 15:26).
[ii] Veja-se Harold G. Koenig, Medicina, Religião e Saúde: o Encontro da Ciência e da Espiritualidade (Porto Alegre, RS: L&PM, 2012). Ver também Francisco Di Biase e Mário Sérgio F. da Rocha em Caminhos
da Cura: Enriquecendo sua vida com orações, meditação, visualização,
sonhos, contos e outras práticas milenares de saúde, de relaxamento e de
bem-estar, comprovadas pela ciência moderna (Petrópolis, RJ: Vozes, 2010).
[iii] Em sua Nota Adicional ao capítulo 11 de Levítico, o Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2011. Série Logos),
p. 818, explicou: “A comida afeta a mente? Comer e beber afetam o
espírito? Seguramente. O olhar ácido para a vida vem de um estômago
dispéptico [com digestão difícil, trazendo perturbações]. Comer de modo
correto não produzirá necessariamente disposição amável, mas comer de
modo errado torna difícil seguir o padrão estabelecido por Deus. As leis
dietéticas de Deus não são regras arbitrárias que privam o ser humano
da alegria de comer. Ao contrário, são leis seguras e sensíveis que, se
seguidas, farão bem em manter saudável o corpo ou mesmo em recuperar a
saúde.”
[iv] Roger W. Coon, “Ellen White and Vegetarianism” (Pacific Press Publishing Association, 1986), p. 12. Disponível em http://www.whiteestate.org/issues/vegetarian.html Acessado em 30/4/2015.
[v]
A seguir, você verá que, noutras traduções bíblicas mais atuais, o
cisne não é incluído entre a relação de aves imundas em Levítico 11:18,
do mesmo modo que o é na Almeida, Revista e Corrigida; na Almeida, Corrigida e Fiel e na versão Ave Maria.
– Almeida, Revista e Atualizada: “a gralha, o pelicano, o abutre”.
– Almeida, Século 21: “a coruja branca, o pelicano, o abutre”.
– Bíblia de Jerusalém: “o grão-duque, o pelicano, o abutre branco”.
– Tradução Ecumênica (TEB): “a coruja das torres, a gralha, o abutre”.
– Nova Versão Internacional: “a
coruja-branca [a referida tradução reconhece que a tradução pode ser
“pelicano”], a coruja-do-deserto, o abutre”.
– Bíblia Judaica Completa: “a coruja chifruda, o pelicano, a coruja-de-igreja”.
– King James Atualizada: “as gralhas, os pelicanos, os abutres”.
Perceba que, na maioria das versões,
“cisne” é substituído por “pelicano”. Porém, independente disso, é
importante considerarmos a opinião da Revista Adventista de
1955, quando afirma: “Não nos parece que a passagem em questão inclua o
pato entre os animais imundos. É interessante que, ao mencionar o cisne,
não diz a passagem “segundo a sua espécie”, como se lê em muitos outros
lugares. Depreendemos, daí, não estar o pato classificado como animal
imundo. Acresce que os judeus, que são muito escrupulosos na questão das
carnes imundas, não se abstêm da carne de pato”.
[vi]
O pato está entre as aves galináceas que não possuem hábitos
estritamente noturnos como as aves de rapina, proibidas pela Bíblia.
[vii] Disponível em: http://www.chabad.org.br/mitsvot/cashrut/principal_cashrut/index3.html Acessado em 30/04/2015.
[viii]
O termo “Espírito de profecia” é uma referência aos escritos da Ellen
G. White. Entretanto, os adventistas não creem que o uso dessa expressão
se restrinja aos escritos da co-fundadora e profetisa do adventismo do
sétimo dia. Eles têm consciência de que “Espírito de profecia” se refere
especialmente a todo dom profético dado pelo Espírito Santo ao longo
das Escrituras. Veja-se, por exemplo, Ángel Manuel Rodriguez, “O
‘testemunho de Jesus’ nos escritos de Ellen G. White” em Teologia do Remanescente: Uma Perspectiva Eclesiológica Adventista (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012), p. 226-238.
[ix] Revista Adventista, seção “Caixa de Perguntas” (Agosto de 1955), p. 27.
[x] Helnio Judson Nogueira, “Saúde e Santificação”. Revista Adventista, julho de 2006, p. 13.
[xi] Herbert E. Douglass, Mensageira do Senhor: o ministério profético de Ellen G. White. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2009.
[xii] Leandro Soares de Quadros, Na Mira da Verdade, vol. 1 (Jacareí, SP: Edição do Autor, 2013. 3ª Edição), p. 145-152. [Disponível em www.leandroquadros.com.br/loja ]
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