domingo, 1 de maio de 2011

Mulheres Podem Falar na Igreja?

por Rubem M. Scheffel
Muitas pessoas acham difícil entender a Bíblia. Outras ficam confusas ou tiram conclusões erradas, por desconhecerem o tempo, circunstâncias e cultura relacionados com certa passagem. Nesta curiosa matéria, o autor comenta alguns desses equívocos e dá importantes dicas para compreender melhor a Bíblia.
O rei Salomão, que tinha muita experiência no trato com as mulheres, dirigiu certa vez o seguinte galanteio à sua amada Sulamita: "Às éguas dos carros de Faraó te comparo, ó querida minha." Cantares de Salomão 1:9. E a Sulamita deve ter-se sentido lisonjeada com tais palavras. Entretanto, se um rapaz de nossa sociedade quisesse imitar Salomão, e comparasse sua namorada a uma égua, estaria cometendo uma gros­seria que talvez lhe custasse um olho roxo.
Por que essa diferença de reação? Simplesmente porque os tempos, as circunstâncias e a cultura são outros. Mil anos antes de Cristo, na Palesti­na, comparar uma jovem às éguas de Faraó era considerado um elogio, pois as parelhas dos carros de Faraó eram animais de estirpe, luzidios, ri­camente adornados com laços, plu­mas e chocalhos, o que os tornavam realmente figuras elegantes e admi­radas.
Por isso, o que naquela época, no Oriente, era elogio, hoje no Ocidente é grosseria. Aqui e agora, rapazes e mocinhas se comparam com gatinhos e gatinhas. Entre nós a comparação com equinos é sempre ofensiva.
Linguagem e costumes diferentes
A versão bíblica do rei Jaime (King James Version) foi traduzida para o in­glês em 1611. Em 1955, quase 350 anos mais tarde, Luther A. Weigle, deão da Escola de Divindades da Universidade de Yale, publicou uma lista de 857 palavras bíblicas que ha­viam mudado de significado. Hoje, essa lista poderia ser ainda maior.1
Ora, se em 350 anos a linguagem mudou tanto, o que não terá aconte­cido em 3.500 anos, que é mais ou menos o tempo que nos separa de Moisés – o autor do livro de Jó e do Pentateuco?
Mas a linguagem não é tudo. É pre­ciso levar em consideração também a cultura da época, as circunstâncias em que o texto foi escrito, e a quem se destinava em primeiro plano, pa­ra termos uma compreensão adequa­da das Escrituras. A falha em obser­var esses fatores tem levado os ho­mens a praticar inúmeras distorções das verdades bíblicas. Vamos men­cionar apenas algumas.
O livro de Gênesis relata, no capí­tulo 3, a queda do homem. E como uma das consequências do pecado, a mulher sofreria durante a gravidez, e "em meio de dores" daria à luz fi­lhos. Por causa dessa afirmação, há extremistas que se opõem a todo e qualquer método que alivie as dores de parto.
Outros leem, também no Gênesis: "Sede fecundos, multiplicai-vos, en­chei a Terra", e se recusam a fazer qualquer planejamento familiar, en­tendendo que essa ordem divina pressupõe ter o maior número possível de filhos. Qualquer método anti­concepcional seria, nesse caso, con­trário à vontade de Deus.
Por outro lado, mentes liberais leem, no Antigo Testamento, que mui­tos patriarcas praticavam a poligamia, e concluem que isso constitui licença para praticá-la.
Deus falou através dos profetas, e o que Ele disse precisa ser interpre­tado corretamente. Essa necessidade aumenta à medida que o texto se dis­tancia de nossa época e cultura. Quanto mais remoto o autor, no tem­po e no espaço, tanto mais as opi­niões e circunstâncias de sua época e país diferirão da nossa, e maior a necessidade de observarmos algu­mas regras específicas a fim de en­tendermos suas declarações.
A ciência que procura interpretar corretamente as Escrituras se chama hermenêutica. O seu objetivo é des­cobrir o pensamento dos escritores bíblicos, expresso em palavras sob circunstâncias especificas.2
Três regras simples
Há mais de 30 anos, T. House Je­mison, professor de religião na Uni­versidade Andrews, Estados Unidos, sugeriu três regras simples de inter­pretação dos escritos inspirados:
1. Analise tudo que o profeta dis­se sobre o tópico em questão, an­tes de tirar uma conclusão final. A razão para essa regra é óbvia: declarações isoladas podem apre­sentar apenas um ângulo da questão. Tomadas isoladamente, servirão ape­nas para distorcer a verdade.3
Temos um exemplo desse fato em São Mateus 17:12 e 13: "Eu, porém, vos declaro que Elias já veio, e não o reconheceram Então os discípu­los entenderam que [Jesus] lhes fala­ra a respeito de João Batista."
Tomando esses textos isoladamen­te, os proponentes da doutrina da reencarnação pretendem encontrar aqui uma base bíblica para esse ponto de vista. João Batista seria a re­encarnação de Elias. Aplicando, porém, o princípio de Jemison, e ana­lisando outra declaração bíblica, veremos não terem fundamentos tais pretensões. Quando os sacerdotes e levitas perguntaram a João Batis­ta: "Quem és, pois? És tu Elias? Ele disse: Não sou." São João 1:21.
João, portanto, rejeita aqui a ideia da reencarnação, que havia se intro­duzido na teologia rabínica por influên­cia do helenismo grego. "O Elias que havia de vir" (Malaquias 4:5 e 6) era uma mensagem, e não um homem.

2. Se uma declaração parece destoar do sentido geral de ou­tras declarações correlatas, estu­de o contexto interno e exter­no — em seu esforço para solucionar a aparente discrepância.
O contexto interno tem a ver com o que o escritor inspirado escreveu imediatamente antes ou imediatamen­te depois do texto em questão. O con­texto externo procura responder as seguintes indagações: A quem foi endereçada a mensagem? Quando e por que foi escrita? Que circunstan­cias a tomaram necessária?

3. Procure verificar se o conselho do profeta é um princípio ou uma norma de conduta.
De um modo geral, podemos dizer que todos os profetas, ao dar conse­lhos e instruções, estarão fazendo uma de duas coisas: declarando um prin­cípio (padrão imutável de conduta humana que se aplica a todos, em to­das as épocas e em todos os lugares), ou aplicando um princípio a uma situação imediata. Essa aplicação po­de ser chamada norma. Os princípios nunca mudam. As normas, porem, podem mudar de acordo com as circunstâncias.
Mulheres na igreja
Vamos agora aplicar es­sas três regras de interpretação a um caso especifi­co, e ver como funcionam. O apóstolo Paulo diz em I Timóteo 2:12: "E não per­mito que a mulher ensine, nem que exerça autoridade sobre o marido; esteja, porém, em silêncio." O mes­mo apóstolo diz ainda, em I Coríntios 14:34: "Conser­vem-se as mulheres cala­das nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também a lei o determina."
Isto é tudo o que o após­tolo escreveu sobre o as­sunto. Portanto, passemos para a regra no. 2. Comece­mos analisando o contexto interno, a fim de ver o que Paulo disse antes e depois dos textos em questão.
"Quero, portanto, que os varões orem em todo lugar, levantando mãos santas, sem ira e sem animosida­de. Da mesma sorte, que as mulheres, em traje de­cente, se ataviem com modéstia e bom senso, não com cabeleira frisa­da e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, porém com boas obras (como é próprio às mulheres que professam ser piedosas). A mu­lher aprenda em silencio, com toda a submissão. E não permito que a mulher ensine, nem que exerça autorida­de sobre o marido; esteja, porém, em silêncio." I Timóteo 2:8-12.

"Porque Deus não é de confusão; e, sim, de paz. Como em todas as igrejas dos santos, conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também a lei o determina. Se, porem, querem apren­der alguma coisa, interroguem, em casa, a seus próprios maridos; por­que para a mulher é vergonhoso fa­lar na igreja." I Coríntios 14:33-35.
Em ambos os textos Paulo esta falando da oração e de outras práticas religiosas em lugares públicos de adoração. Ele esta obviamente preo­cupado em manter um espírito de re­verência. Aparentemente havia um problema nas igrejas cristas de Éfe­so e Corinto.
Com respeito às mulheres crentes em particular, Paulo expressou preocupação no tocante a uma possível falta de modéstia e discrição. E ele não apenas investiu contra as jóias ornamentais, mas também contra o fri­sado dos cabelos.
Historiadores da bacia do Mediterrâneo, do primeiro século AC, referem que algumas mulheres ousadas entremeavam fios de prata e ouro nas tranças de seus cabelos. E quando caminhavam sob luz solar direta, as raios solares incidiam com força nes­ses fios metálicos, ofuscando as olhos dos homens que estivessem muito próximos. Por motivos ligados às jóias ornamentais, Paulo tinha preocupação em que as mulheres cristãs não atraíssem atenção indevida a si próprias e a seus corpos — uma prática preferida por mulheres pagãs e mui­tas vezes despudoradas.
Nada havia de imodesto ou indis­creto no fato de as mulheres trança­rem o cabelo. O que desagradou o apóstolo, tanto por razões praticas co­mo teológicas, é o que as mulheres colocavam no cabelo.
O contexto externo
Ao examinarmos a contexto exter­no, veremos que Paulo estava com­batendo três problemas: irreverência, imoralidade sexual, e a cultura greco­ - judaica daquela época.
Irreverência. Parece que havia difi­culdade em manter reverência nas igrejas cristãs primitivas. Ao contrário do costume nas sinagogas judaicas, homens e mulheres adoravam juntos. E as mulheres, que sempre haviam sido obrigadas a permanecer em si­lêncio nas sinagogas, exerciam ago­ra a sua liberdade fazendo perguntas quando não entendiam alguma coisa que o pregador havia dito. Isto cau­sava irreverência e confusão nas igre­jas de Corinto e Éfeso.
Imoralidade Sexual. Em segundo lugar, os problemas relacionados com imoralidade sexual nessas cidades ameaçavam a própria existência da igreja cristã. Corinto era uma metrópole comer­cial da Grécia, e uma das maiores e mais ricas cidades do Império Roma­no. Com uma população de 400 mil habitantes, era conhecida por sua desenfreada imoralidade. Chamar uma mulher de "coríntia" equivalia a cha­má-la de prostituta. No topo de um monte, nas cercanias da cidade, erguia-se a templo de Afrodite, o qual possuía mil sacerdotisas-prostitutas cujos salários provinham de impostos locais.
A idade de Éfeso também tinha os seus templos, e o templo de Diana mantinha centenas de sacerdotisas­-prostitutas semelhantes as do templo de Afrodite. O paganismo sempre procurou misturar espiritismo com imoralidade sexual. Isso era o que Paulo estava, em parte, combatendo.
E a que isso tem a ver com as mulheres cristãs de Corinto e Éfeso? A se­guinte ilustração facilitará a compreensão do problema: Digamos que um cristão da igreja de Corinto e um pagão tenham feito amizade. Um dia o cristão convida o pagão para ir à igre­ja. O pagão aceita, e juntamente com seu amigo cristão se assentam em meio a congregação. O convidado no­ta então que há várias irmãs de boa aparência, e uma delas, ainda mais atraente, está regendo os hinos, e par­ticipando ativamente do culto divino.
Inocentemente, o pagão cochicha ao seu amigo, dizendo-lhe que gos­taria de conhecer aquela irmã. Após o culto, os dois são apresentados, e o visitante, habituado às sacerdotisas pagãs, lhe faz uma proposta obsce­na. Nossa irmã fica horrorizada, e se retira chocada. O amigo cristão fica constrangido, e o visitante surpreso com essa reação. O que teria feito de errado?
Dá para entender? Não houve nada de imoral. Mas se você deixar um visitante envergonhado em sua igreja, ele jamais retornará. Por isso o apóstolo Paulo achou necessário estabelecer algumas regras, a fim de evitar situações perigosas como essa: as mulheres cristãs de Corinto e Éfeso deveriam permanecer caladas na igreja para não serem confundidas com as sacerdotisas pagãs locais.
Cultura. Em terceiro lugar, Paulo estava desafiando as culturas grega e judaica. A cultura judaica, na qual o cristianismo se desenvolveu, relegava as mulheres a uma posição inferior. Elas simplesmente não tinham importância. 4
William Barclay diz que “segundo a lei judaica, a mulher não era uma pessoa mas uma coisa: ela estava inteiramente à disposição de seu pai ou marido. E estava proibida de aprender a lei; instruir na lei uma mulher era como lançar pérolas aos porcos. As mulheres não participavam do serviço na sinagoga; ficavam isoladas numa seção ou galeria, onde não pudessem ser vistas. ... Mulheres, escravos e crianças tinham a mesma classificação. Em sua oração matinal um judeu agradecia a Deus por não ter nascido gentio, escravo ou mulher.”5
“No mundo grego a posição da mulher era semelhante. As mulheres gregas honradas viviam uma vida reclusa. ... elas nunca andavam sozinhas na rua, e nunca iam a uma reunião pública. Portanto, se numa cidade grega as mulheres cristãs tornassem parte ativa e falassem na igreja, estas inevitavelmente conquistariam a reputação de mulheres dissolutas.”6
Assim sendo, Paulo não teve alternativa, senão de impor normas que governassem as atividades das mulheres cristãs em seu tempo e lugar.
Princípio ou norma?
Se o silêncio que Paulo impôs às mulheres nas igrejas cristãs fosse um princípio – o qual nunca muda – isto se aplicaria com a mesma força hoje e em qualquer tempo. Mas nesse caso teríamos de explicar por que Ana, que profetizou no templo com respeito à obra futura do menino Jesus, não foi censurada pelo sacerdote que testemunhou esse fato (ver São Lucas 1:25-38).
Quatro profetizas são mencionadas pelo nome no Velho Testamento e uma delas, Miriam, liderou um coral perante toda a congregação (ver Êxodo 15:20-21).
Assim, a lógica e a coerência levam a crer que Paulo, ao impor silêncio às mulheres nas igrejas de Corinto e Éfeso, não estava estabelecendo um princípio, e sim, uma norma adequada às circunstâncias locais. O seu permanente princípio, com respeito à igualdade de todos perante Deus é encontrado em Gálatas 3:27 e 28: “Porque todos quantos foste batizados em Cristo, de Cristo vos revestistes. Dessarte, não pode haver judeus nem grego, nem escravo nem liberto, nem homem, nem mulher, porque todos vós sois um em Cristo Jesus.”
Referências:
1. Roger W. Coon. Journal of Adventist Education, Sumer, 1988, pág. 17.
2. Gordon M. Hyde. A Symposium on Biblical Hermeneutics. Washington D.C., Review and Herald Publ. Ass. 1974, pág. 2
3. Coon, op. cit. pág. 19.
4. Ibid, págs. 23,026-28.
5. W. Barclay, Timothy, págs, 66 e 67.
6. Coon, op. cit. pág. 29.

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