A Bíblia ensina que toda a Escritura foi inspirada por Deus (2Tm 3:16). Mas em alguns trechos aparentemente é negada a inspiração divina (1Co 7:12, 25). Qual é a solução para essa aparente incoerência? – L.
Resposta:
Em 1 Coríntios 7:10 a 13, o apóstolo Paulo escreve: “Ora, aos casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se separe do marido (se, porém, ela vier a separar-se, que não se case ou que se reconcilie com seu marido); e que o marido não se aparte de sua mulher. Aos mais digo eu, não o Senhor: se algum irmão tem mulher incrédula, e esta consente em morar com ele, não a abandone; e a mulher que tem marido incrédulo, e este consente em viver com ela, não deixe o marido” (Almeida, Revista e Atualizada).
Alguns cristãos, ao lerem esse texto bíblico, concluem que Paulo faz diferença entre as coisas que ele disse inspirado por Deus e outras que não passam de opinião pessoal. A respeito daquilo que é inspirado, ele diz: “não eu, mas o Senhor”. Sobre sua opinião, ele declara: “eu, não o Senhor”.
A declaração de Paulo em 1 Coríntios 7:10 a 13 parece contradizer vários outros textos escritos pelo apóstolo. No mesmo capítulo, Paulo argumenta que seus ensinos são dignos de confiança porque ele possuía “o Espírito de Deus” (v. 40). Na mesma epístola, ele diz: “Falamos, não com palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas com palavras ensinadas pelo Espírito” (1Co 2:13). O apóstolo sabia que seus ensinos eram a Palavra de Deus, pois declara: “Ao receberem de nossa parte a palavra de Deus, vocês a aceitaram, não como palavra de homens, mas conforme ela verdadeiramente é, como palavra de Deus” (1Ts 2:13). Além disso, Paulo diz que “toda a Escritura é inspirada por Deus” (1Tm 3:16), e isso inclui o que ele mesmo escreveu (2Pe 3:16).
Como entender essa aparente contradição? Afinal, Paulo emitiu ou não opiniões pessoais que não vieram de Deus?
Os primeiros cristãos usavam as palavras “o Senhor ordena” ou expressões semelhantes para mencionar ensinos dados por Jesus nos evangelhos. Apenas dois capítulos depois de 1 Coríntios 7, Paulo escreve: “Da mesma forma, o Senhor ordenou àqueles que pregam o evangelho, que vivam do evangelho” (1Co 9:14). Essa é uma referência ao seguinte ensino de Jesus aos pregadores do evangelho: “Fiquem naquela casa, e comam e bebam o que lhes derem, pois o trabalhador merece o seu salário” (Lc 10:7; também citado por Paulo em 1Tm 5:18). Note que as palavras usadas são as mesmas: “ordeno, não eu, mas o Senhor” (1Co 7:10); “o Senhor ordenou” (1Co 9:14). As palavras são as mesmas também no texto original em grego: parangello (ordenar) e Kyrios (Senhor). É importante observar que, como regra, Paulo usa a palavra “Senhor” para Cristo, e não para Deus, o Pai (veja 1Co 4:5; 5:5; 6:14; 7:22; 8:6; 9:5; 11:20, 26, 27). Veja outro exemplo semelhante em 1 Coríntios 11:23-25.
Seguindo essa prática, quando Paulo escreve “não eu, mas o Senhor”, ele menciona uma ordem explícita dada pelo Senhor Jesus nos evangelhos. O apóstolo cita os ensinos de Jesus sobre divórcio e novo casamento quase palavra por palavra (veja Mt 5:32; 19:3-9; Mc 10:2-12; Lc 16:18). Por outro lado, Jesus não havia dado nenhuma ordem sobre os cristãos que possuíam um cônjuge que não partilhava da mesma fé. É por isso que Paulo escreve: “digo eu, não o Senhor” (1Co 7:12).
Devemos nos lembrar da mesma prática para entender 1 Coríntios 7:25, que diz: “Quanto às pessoas virgens, não tenho mandamento do Senhor, mas dou meu parecer como alguém que, pela misericórdia de Deus, é digno de confiança.” A respeito de virgens, Jesus também não havia deixado nenhum ensino. Nesse texto, a versão Almeida Revista e Atualizada usa a palavra “opinião”; mas a melhor maneira de traduzir é “parecer” (Nova Versão Internacional, Reina Valera-1995) ou “julgamento” (New International Version, American Standard Version, New King James Version). Paulo não estava emitindo apenas uma “opinião” pessoal, mas um “parecer” ou “julgamento” “digno de confiança” e inspirado por Deus.
Portanto, 1 Coríntios 7:12 não contradiz os textos que declaram que todos os ensinos de Paulo contidos na Bíblia são inspirados por Deus (1Co 2:13; 1Ts 2:13; 1Tm 3:16). Além disso, esse versículo não apoia a ideia de que alguns textos bíblicos são mera opinião do autor, sem inspiração de Deus.
Os textos bíblicos foram extraídos da Nova Versão Internacional, salvo outra indicação.
(Matheus Cardoso é editor associado da revista Conexão JA e editor assistente de livros na Casa Publicadora Brasileira; colabora na seção “Perguntas” do blog www.criacionismo.com.br)
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