por: Pr. Paulo Cilas da Silva
Em vista da moderna concepção ocidental sobre a dança, é difícil imaginar a adoração a Deus através dessa prática. Entretanto, por mais paradoxal que pareça, as Escrituras estão repletas de exemplos de pessoas que manifestaram o seu louvor com a dança. Dentre as 28 referências bíblicas a ela, duas se destacam: Primeira, a manifestação de adoração coletiva, liderada por Miriã, que logo após a travessia do Mar Vermelho “… tomou um tamborim, e todas as mulheres saíram atrás dela com tamborins e com danças” (Êxodo 15:20). Segunda, a adoração individual do rei Davi que extravasou a sua alegria e gratidão ao Senhor, porque a arca do concerto fora levada de Obede-Edom a Jerusalém.
Quando a Bíblia afirma que “Davi dançava com todas as suas forças diante do Senhor; e estava cingido duma estola sacerdotal de linho” (II Samuel 6:14), tem como objetivo demonstrar a expressão de entusiasmo com que o rei adorava ao Senhor naquela ocasião.
Uma das maiores provas bíblicas de que a dança era um componente de adoração foi o apelo do salmista que, por duas vezes, convidou os fiéis a louvarem ao Senhor com dança (Salmos 149:3; 150:4). Embora algumas versões, como, por exemplo, a Revista e Atualizada no Brasil, 2a. edição, traduzam Salmo 149:3 como “louvem-Lhe o nome com flauta; cantem-Lhe Salmos com adufe e harpa”, a tradução correta desse texto é feita por várias outras versões, como a Bíblia na Linguagem de Hoje, a Versão Revisada da Tradução de João Ferreira de Almeida, a Edição Contemporânea de Almeida, publicada pela Editora Vida, entre outras. Nessas versões, ao invés da palavra “flauta” é usado o termo “dança”.
Testemunho Gramatical
Na verdade, a substituição de “dança” por “flauta” provém de uma exegese tendenciosa, realizada por alguns que pretendem rebater o fato de que Davi recomendou a dança como um elemento de adoração. Entretanto, a compreensão correta da expressão hebraica mahôl e da sua correspondente grega corós[1] ratifica o fato bíblico de que “dança”, em muitas ocasiões, já foi usada como expressão de louvor a Deus.
A palavra mahôl é derivada do verbo hûl, que significa “voltear” ou “fazer movimentos circulares”. O sentido dessa raiz inclui as emoções e atitudes associadas ao movimento.[2] Dessa forma, o verdadeiro sentido de mahôl é dança; uma dança que significa alegria em contraste com o luto (Salmo 30:11; Lamentações 5:15), e as alegrias que virão com as bênçãos futuras de Deus (Jeremias 31:4, 13). Portanto, quando o salmista se refere a essa palavra, nos Salmos 149:3 e 15:4, ele tem em mente a dança como uma forma aceitável de louvor a Deus.
Outra palavra derivada do verbo hûl, extensamente usada nas Escrituras, também significando dança, é mehôlâ, que em nada difere semanticamente de mahôl. Ela expressa o júbilo e a celebração por uma vitória militar (Êxodo 15:20; Juízes 11:34; I Samuel 18:6). Também refere-se a uma dança puramente religiosa (Êxodo 32:19; Juízes 21:21). A prova atualmente disponível não permite uma interpretação do que seria a “dança de Maanaim”, mencionada em Cantares 6:13; 7:1.
Religioso Versus Profano
Com base na inegável referência bíblica à dança como uma das formas de adoração, algumas pessoas argumentam que as danças modernas, como as praticadas no mundo ocidental, têm base bíblica e, portanto, não deveriam ser proibidas na igreja. Para responder a esse dilema, necessitamos analisar a diferença entre a dança religiosa (ou litúrgica) e a dança profana, ambas mencionadas nas Escrituras. Uma análise atenta das referências escriturísticas à dança revela que as danças israelitas consideradas apropriadas eram de natureza litúrgica, sendo acompanhadas por hinos de louvor a Deus. Elas eram geralmente praticadas entre grupos de pessoas do mesmo sexo e sem quaisquer conotações sensuais.[3]
As danças aceitáveis eram uma “celebração social de acontecimentos especiais, tais como uma vitória militar, um festival religioso ou uma reunião de família. Eram processionais, envolventes ou extasiantes, e praticadas principalmente por mulheres e crianças, que dançavam separadamente”.[4]
Falando sobre a diferença entre a dança religiosa e a profana, o Seventh day Adventist Bible Dictionary afirma que “a dança na Bíblia está sempre ligada com regozijo. A natureza desse regozijo pode ser religiosa, festiva, ou meramente uma expressão de alegria, que não tem nenhuma semelhança com as danças da moderna civilização ocidental. De acordo com as Escrituras, a dança era geralmente praticada por mulheres, mas em raras ocasiões os homens também participavam. Entretanto, mesmo nessas ocasiões, não há qualquer evidência de contato físico entre ambos os sexos”.[5]
A Bíblia fala de pelo menos duas ocasiões em que pessoas estavam envolvidas em danças inadequadas: por ocasião da dança idolátrica dos israelitas no contexto da adoração do bezerro de ouro (Êxodo 32:19), e quando a filha de Herodias dançou para agradar o rei Herodes e seus convidados, no banquete em que João Batista teve sua execução solicitada (Mateus 14:6; 6:22). Embora os judeus dos dias de Cristo continuassem praticando a dança (Lucas 15:25), não há evidência no Novo Testamento de que a igreja cristã primitiva perpetuasse tal costume. Alguns sugerem que esse rompimento cristão com a dança deve-se à degeneração dessa prática já no tempo de Cristo.[6]
Perigo Sensual
Em contraste com as danças litúrgicas do período bíblico, as danças modernas ocidentais são praticadas sob o ritmo sensual de músicas profanas, alheias à recomendação do apóstolo Paulo aos filipenses: “Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento” (Filipenses 4:8).
Portanto, é fácil concluir que as danças de hoje em nada se assemelham às danças litúrgicas mencionadas pela Palavra de Deus, mas sim às danças profanas e sensuais praticadas pelos filhos de Israel em sua adoração ao bezerro de ouro, e pela filha de Herodias diante de Herodes. Em uma leitura descontextualizada da Palavra de Deus, os que defendem a liberalização das danças modernas nas igrejas argumentam que elas se constituem uma recreação social inocente, uma simples manifestação de alegria. Para esses, aqueles irmãos que rejeitam as danças modernas possuem mentalidade fanática e maliciosa.
Em contraposição a esse ponto de vista, é preciso reconhecer que as atuais danças ocidentais são um dos maiores estímulos ao sensualismo. Mesmo não se envolvendo diretamente em relações sexuais explícitas, seus participantes geralmente se entregam ao sensualismo mental (Mateus 15:19 e 20), claramente desaprovado por Jesus: “Ouvistes o que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: Qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração já adulterou com ela” (Mateus 5:27 e 28).[7]
Outra questão relacionada à dança refere-se à existência de algumas pessoas que reconhecem a dissociação entre as danças bíblicas e as modernas e, dizendo-se cientes dos perigos destas, não vêem qualquer problema nas danças particulares entre pessoas casadas. “Embora tais práticas pareçam inocentes à primeira vista, elas representam o primeiro passo rumo a estilos mais avançados de dança, integrando eventualmente o casal a grupos dançantes.”[8]
O cristão deve reconhecer que a prática da adoração através da dança deixou de existir há muito tempo, e um dos princípios mais elementares de interpretação bíblica é que as Escrituras sejam interpretadas de acordo com o tempo e o lugar. Além disso, hoje há muitas outras formas de adoração, bem como de integração e recreação mais condizentes com os princípios bíblicos de conduta, do que a excitação e o sensualismo promovidos pelas modernas danças ocidentais.
Paulo Cilas da Silva, D.Min., é pastor na Associação Paulista Sul.
Notas:
[1] The Analytical Greek Lexicon (Harper & Brothers Publishers, s.d.), pág. 437.
[2] R. Laird Harris, Gleason L. Archer Jr. E Bruce K. Waltke, Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento (São Paulo, SP: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1998), págs. 437-440.
[3] Alberto R. Timm, “A dança na Bíblia”, Sinais dos Tempos, novembro de 1997.
[4] Samuele Bacchiocchi, “A dança na Bíblia”, Diálogo Universitário, vol. 12, no. 3, pág. 25.
[5] Siegfried H. Horn, rev., Seventh day Adventist Bible Dictionary (Washington, DC: Review and Herald, 1979), págs. 262 e 263.
[6] Alberto R. Timm, Op. Cit.
[7] Ibidem.
[8] Ibidem.
Fonte: Publicado originalmente em: http://www.igrejaadventista.org.br/revistaministerio/JA_2005/estudo_biblico.asp
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