O salmo 10 pode ser dividido em duas partes principais, como vemos na sua introdução. (v. 1-2). Embora este salmo não tenha uma subscrição, o autor mais provável é Davi pela semelhança com o salmo anterior, que foi escrito por ele. Nestes versos introdutórios surge a grande questão: Por que Deus parece estar tão distante, enquanto os ímpios estão reinando e oprimindo os pobres?
Mas quem são os pobres? Primeiro, “pobres” eram os desamparados daquele tempo de Davi, os órfãos, as viúvas, os necessitados, os que não possuíam bens deste mundo. Mas, num sentido mais amplo, em uma segunda aplicação, pobres também são os “humildes de espírito” de quem Jesus Cristo falou que são bem-aventurados (Mt 5:3). O próprio Davi, que era um homem riquíssimo em bens materiais, disse de si mesmo: “Eu sou pobre e necessitado.” (Sl 70:5).
As palavras iniciais são: “Por que, SENHOR, te conservas longe? E te escondes nas horas de tribulação?” (v. 1). O salmista se encontrava em grande angústia, e expressou isso perguntando: “Por que, Senhor?” Este é o reflexo da aflição de sua alma. “Por que Te escondes justamente quando mais precisamos de Ti, em plena tribulação? O salmista está se sentindo só, enquanto Deus parecia manifestar uma letárgica indiferença, escondendo-Se nas horas mais difíceis.
Muitas vezes somos levados a perguntar: “Por que, Senhor?” “Por que, Senhor,” isso está acontecendo comigo? “Por que, Senhor,” essas tribulações pesam sobre a minha alma? Você já se sentiu em uma situação semelhante? Você já esteve decepcionado com Deus? Por que Deus não responde? Por que Deus não age? Por que Deus parece tão distante? Estas são questões que muitas vezes se levantam na vida de muitas pessoas que estão cansadas e decepcionadas com Deus.
Certa vez um jovem foi a uma danceteria e se divertiu muito alegre com as moças que estavam lá, e bebeu muito. Então, quando já era muito tarde de madrugada, ele pegou a sua moto e resolveu voltar para sua casa – que ficava num sítio distante da cidade. Ele teve que enfrentar uma estrada cheia de curvas perigosas; então, como era fácil de se prever, aquele jovem, controlado pelas bebidas alcoólicas, perdeu-se numa curva e foi parar num barranco bem abaixo da estrada. Ele bateu o pescoço e atingiu a coluna cervical e os seus membros inferiores foram afetados e não reagiam mais; ele foi parar numa cadeira de rodas. Então, um pastor adventista foi chamado a fim de consolar o jovem acidentado que não podia mais crer em Deus. Quando o pastor se aproximou do moço, ele perguntou: “Onde está Deus que não me responde?” De fato, parece que Deus está muito distante nas horas amargas da tribulação. Mas às vezes somos nós os próprios culpados por estas horas amargas de dor.
Se pensarmos física ou astronomicamente, Deus está muito longe, acima de mais de 200 milhões de galáxias no espaço sideral, a 500 milhões de anos-luz de distância de nossa humilde Terra, perdida no espaço sideral que nos parece infinito. Mas, se pensarmos na onipresença de Deus e no seu grande amor por nós, saberemos que Ele está muito perto de nós. Ele está bem aí perto de você enquanto você pensa que Ele mantém-Se distante. Ele pode ver o seu sofrimento e a sua angústia, pode dizer onde você mora, o que você gosta mais de fazer, qual é a sua família, quais são os seus amigos e sabe quem é que está lhe perseguindo, e desejando o seu mal.
I – O DOMÍNIO DOS ÍMPIOS (vs. 2-11)
Com efeito, não vivemos em um mar de rosas. Quando contemplamos o nosso mundo, não podemos deixar de ver como reinam os perversos. Davi procura uma razão para a distância de Deus diante das perversas obras dos ímpios habitantes de sua terra, homens que viviam uma religião apostatada. Davi procura um motivo para a indiferença de Deus diante da opressão dos pobres, justos, inocentes e desamparados.
Como são os ímpios? Qual é o seu caráter? O que fazem eles?
1 – Os ímpios são orgulhosos. Os versos 2-4 apresentam este aspecto do caráter dos ímpios. Eles são cheios de orgulho. “Com arrogância, os ímpios perseguem os pobres” (v. 2). O grande pecado desses ímpios é originado em seu coração, está no íntimo de sua alma. O seu pecado é o orgulho que fundamenta a sua cobiça insaciável por bens materiais, que se reflete na perseguição dos pobres. “Pois o perverso se gloria da cobiça de sua alma” (v. 3). Eles se glorificam a si próprios, cantam um hino de louvor a si mesmos em seu pecado.
Jesus Cristo contou uma parábola sobre um homem rico que era avarento e ímpio, cujo campo frutificou com abundância. E como ele era muito egoísta, pensava apenas em si mesmo, e não era justo para com o seu próximo, gloriou-se na sua cobiça, e disse à sua alma: “Tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te. Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?” (Lc 12:19-20). A lição de Cristo serve para todos: “Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui.” (Lc 12:15).
A arrogância desses ímpios do salmo 10 chegava ao ponto de maldizer o Senhor. Certamente, algumas coisas não davam certo como eles queriam e, então, eles blasfemavam de Deus e colocavam a culpa sobre Ele. No seu orgulho, julgavam que Deus era o seu servo e tinha a obrigação de fazer a sua vontade e atender aos seus caprichos pronta e imediatamente.
2 - Os ímpios são ateus. Diz o v. 4: “O perverso, na sua soberba, não investiga; que não há Deus são todas as suas cogitações.” Embora o judaísmo cria firmemente na existência de um Deus Criador do universo, os homens ímpios de Israel estavam prontos a duvidar até da existência de Deus, intelectualmente, porque praticavam essa crença na sua vida perversa. Na sua superficialidade, eles não investigavam as evidências da operação de um Deus soberano, e nos seus pensamentos, nas suas cogitações, eles viviam como se Deus não existisse, embora a sua consciência religiosa pudesse apontar a Deus.
Esta é uma descrição fiel de nossos dias. Vivemos em um tempo de muita superficialidade, apesar de tanto conhecimento, apesar de tanta informação por inúmeros meios. A humanidade ainda é formada por um superficialismo que leva à descrença em Deus ou na sua verdade. Mesmo entre os que professam crer em Deus, muitos O negam por suas atitudes e incredulidade. Muitos estão discordando da Lei de Deus, do Sábado, do Dízimo, do Espírito de Profecia, da Liderança da Igreja, da Divindade de Cristo, da Personalidade do Espírito Santo, e logo passarão a apostatar do próprio Deus, abandonando as fileiras dos cristãos, para se unirem aos ímpios habitantes da Terra.
E qual é a razão apontada pelo salmista para tudo isso? Falta de investigação. Mas muitos poderiam racionalizar que eles de fato estão negando muitas dessas coisas, justamente porque investigam, examinam os fatos e as “verdades”. Entretanto, o texto do salmo fala que o perverso não investiga “na sua soberba” (v. 4). Não basta só a investigação; é preciso muita humildade para que reconheçamos a verdade exposta pelo Espírito Santo. Sem humildade e disposição para aprender de Deus, não é possível alguém chegar ao pleno conhecimento da verdade.
Mas também é preciso achar a Fonte cristalina da verdade; há necessidade de se investigar na fonte verdadeira, porque podemos facilmente ser desviados da verdade – se confiarmos num falso sistema de investigação.
Uma jovem certa vez escreveu a um pastor adventista sobre a doutrina da Trindade. Ele lhe enviou um farto material sobre o assunto. Então, ela respondeu que havia lido tudo, mas não podia crer que aquilo fosse verdade, e que não se imaginava mais crendo na Trindade.
O pastor lhe respondeu diretamente e sem rodeios: “Moça, se você está confiando em fontes poluídas, como poderá crer na verdade? Se você já foi vacinada pelos dissidentes, se você já recebeu uma lavagem cerebral nas fontes da apostasia da verdade, o que Deus poderá fazer por você? Que argumento pode convencê-la, se você não pesa a força da verdade e não percebe as contradições? A única solução é abandonar essas fontes da mentira, e voltar à única Fonte da verdade, confiando em Deus e em como Ele dirige a Sua igreja.” Então, ela se humilhou e pediu oração.
3 – Os ímpios são escarnecedores. Lemos no v. 5: “São prósperos os seus caminhos em todo tempo; muito acima e longe dele estão os Teus juízos; quanto aos seus adversários, ele a todos ridiculariza.” Eles têm os seus inimigos que os censuram porque sua prosperidade é o fruto de perseguir e assolar aos pobres, e por não atenderem às leis de Deus, que eles rejeitaram. Entretanto, eles escarnecem desses adversários.
Os justos podem perguntar como fez Jeremias: “Por que prospera o caminho dos perversos?” (12:1). Perguntava o salmista por que Deus estava tão longe. Agora, parece que a prosperidade está perto dos ímpios e as leis de Deus estão muito longe deles. É evidente que os ímpios estão prosperando na base de sua desonestidade e opressão contra os pobres e desamparados. Mas eles estão escarnecendo de tudo e de todos, inclusive de Deus, que permite a sua prosperidade e parece estar muito longe de seus ímpios caminhos. Assim, podem os perversos reinar, como se Deus não estivesse presente num mundo em que dominam.
O salmista ainda descreve a razão do caráter do perverso cheio de orgulho pelo que é rápido em escarnecer: “Pois diz lá no seu íntimo: Jamais serei abalado; de geração em geração, nenhum mal me sobrevirá.” (v. 6). Ele parece estar muito confiante e seguro de que jamais será destronado. A ausência de uma punição imediata sobre aqueles que praticam o mal é sempre um forte argumento para continuarem no pecado. É uma falsa segurança. Logo veremos isto.
4 – Os ímpios são maldizentes. “A boca, ele a tem cheia de maldição, enganos e opressão; debaixo da língua, insulto e iniqüidade.” (v. 7). O perverso usa a sua língua de modo ferino, enganoso e ofensivo. A verdade não está em sua boca, porque ela só fala mentiras. Fala mal de tudo e de todos; fala mal de homens e de Deus. Não se pode confiar nele.
5 – Os ímpios são criminosos. O perverso “trucida os inocentes nos lugares ocultos” (v. 8), fica “de emboscada como leão na sua caverna... para enlaçar o pobre (ou aflito)” (v. 9), e “em seu poder lhe caem os necessitados” (v. 10). E, depois de cometer os seus atos homicidas e assassinos, o perverso ainda pensa que pode se livrar da sua merecida recompensa, de cair nas mãos de um Deus irado: “Diz ele, no seu íntimo: Deus se esqueceu, virou o rosto e não verá isto nunca.” (v. 11).
Esta é a prova de que não existe ateu realmente. É como disse um ateu, faz algum tempo, a alguém que lhe perguntou: “Você crê em Deus?” E ele respondeu: “Eu sou ateu, graças a Deus!” No verso 4, lemos acerca do ímpio: “que não há Deus são todas as suas cogitações”. Agora, ele não pode sopitar a sua angústia, e tenta se convencer a si mesmo, em seu íntimo, tenta abafar a voz de sua consciência, da qual ele não pode fugir, de que Deus, que ele sabe que existe sim, não se lembrará, Se esqueceu, virou o rosto, e ele, enfim, escapará livre da punição. Só por um tempo.
II – O REINADO DE DEUS (vs. 12-18)
Contemplando o nosso mundo hoje, deveríamos orar mais intensamente pelos pobres e aflitos que estão sendo oprimidos pelos ímpios, pois o quadro se repete. Temos que orar mais pelos pobres, humildes e fiéis servos de Deus, homens e mulheres justos que estão sendo perseguidos.
1 – Davi ora para que Deus Se manifeste. V. 12: “Levanta-te, SENHOR! Ó Deus, ergue a mão! Não te esqueças dos pobres.” Davi está angustiado pela atuação dos perversos contra os pobres, e faz um apelo a Deus para que Se levante. O salmista desejava que o Eterno Se interpusesse entre os justos e os ímpios, a fim de salvar aos primeiros, que são chamados de pobres, ou aflitos, tanto fisicamente como espiritualmente.
Quando Deus Se levanta, Ele age em benefício de Seu povo. Ele diz: “Chega de esperar! O tempo da salvação está prestes a manifestar-se!” Ele não Se esquece dos aflitos, dos pobres de espírito, dos perseguidos e oprimidos pelo sistema da corrupção dos ímpios..
Muitos pensam que Deus Se esquece dos Seus filhos. Muitos hoje estão simplesmente acreditando na filosofia de Wilhelm Nietzsche (1844-1900), filósofo alemão do século XIX, que espalhou a ideia de que “Deus está morto”! Quem está morto é o filósofo, e morreu de modo triste, porque desceu louco à sepultura. Hoje a sua filosofia é pregada e cantada, como a banda que propaga a música “Heresy” (Heresia), cujo refrão diz: “O seu Deus morreu e ninguém se importa!” De fato, muitos estão confiantes na mentira de que Deus morreu e, por isso, não se importam com Ele e ainda dizem que Ele não Se importa; está longe e, se é que existe, abandonou o mundo.
O salmista simplesmente faz esta pergunta aos que, como aquele filósofo, se dizem ateus ou incrédulos, no v. 13: “Por que razão despreza o ímpio a Deus, dizendo no seu íntimo que Deus não se importa?” Como poderia Deus permitir que triunfasse a iniquidade, sem se importar com isso? Por que razão deveria alguém imaginar que Deus não se levantará para defender o justo e punir ao ímpio? De fato, não há razão para pensar assim, porque Deus já deu abundantes provas de Sua atuação na História de todos os povos, em todos os tempos.
2 – Davi ora para que Deus reprima as obras do ímpio. V. 15: “Quebranta o braço do perverso e do malvado;” Esta é uma oração para que os próprios instrumentos da perversidade sejam impedidos, reprimidos. Deus pode quebrar os braços dos opressores e assassinos, e impedi-los de agir. Deus pode quebrar os dentes dos perversos (Sl 3:7) e fazê-los passar fome como fazem com os pobres. Deus pode cegar os olhos dos ímpios cobiçosos (v. 3), como Ele fez com os habitantes de Sodoma, para que fossem impedidas as suas ações concupiscentes e criminosas (Gn 19:11). O salmo torna-se assim um apelo a Deus para que Ele intervenha e elimine a impiedade.
3 – Davi ora a Deus para que julgue aos ímpios. Ele diz, v. 15: “Esquadrinha-lhes a maldade, até nada mais achares.” Esta é uma oração por justiça. Os justos estão angustiados pela opressão dos ímpios; estão sendo roubados de suas propriedades, sofrendo pela perseguição, padecendo fome e necessidade, e Deus parece muito distante.
Aqui está a resposta para a pergunta inicial do v. 1. Aparentemente, Deus se conserva distante, porque Ele está dando um tempo para que os ímpios possam se revelar em sua plenitude de caráter. Mas, brevemente, virá o julgamento de todos. Os seus atos, pensamentos e palavras serão julgados, esquadrinhados, examinados, testados segundo a reta justiça. O exame será tão minucioso, de acordo com tudo o que se encontra registrado nos livros, que “nada mais” será achado. Nada escapará diante dos olhos perscrutadores do Juiz de toda a Terra. Os ímpios que agora estão perseguindo, zombando e escarnecendo dos justos e de Deus responderão pelos seus atos de perversidade.
4 – Davi louva a Deus por Seu reinado. Disse ele: “O SENHOR é Rei eterno!” No original, o escritor usou 4 palavras significativas: Yahweh Rei eterno perpétuo. Mas, se Yahweh também significa eterno, ele disse: “O Eterno é Rei eterna e perpetuamente”. Isso indica que ele encontrou a resposta para as suas inquietações. Embora pareça que Deus esteja distante, longe de nós, na realidade, Deus sempre esteve reinando, está reinando, e reinará pelos séculos intérminos da eternidade.
Deus tem ouvido “o desejo dos humildes” (v. 17), e há de fortalecê-los em seu coração ansioso por uma resposta divina. Então, quando o Juízo se manifestar no tempo próprio de Deus, as nações ímpias serão desbaratadas, desarraigadas da Terra (v. 16), o terrorismo será extinto (v. 18), e os justos e oprimidos hão de louvar para sempre a salvação de nosso Deus eterno. Então, a justiça será estabelecida e restaurada a paz eternamente.
CONCLUSÃO
Muitas pessoas estão decepcionadas com Deus. Em angústia, clamam de dia e de noite: Por que, Senhor? Por que Deus não responde às minhas preces? Por que Ele se esconde e não Se comunica com os Seus filhos atribulados? Por que não temos respostas definidas para as nossas dúvidas?
Aconteceu um acidente automobilístico, numa cidade dos Estados Unidos e uma criança de 5 anos foi atropelada. Os pais estavam lá quando chegou, imediatamente, o seu pastor. Neste momento, a mãe, segurando a criança ensangüentada nos braços, se dirige ao pastor e diz: “Pastor, onde estava Deus quando o meu filho foi acidentado?” O pastor foi muito feliz em sua resposta. Ele disse: “Minha irmã, Deus estava no mesmo lugar de quando o Seu próprio Filho estava morrendo na cruz do Calvário!”
Agora, podemos ter uma resposta plenamente satisfatória de um Deus que parece distante. Mas Ele está tão perto e Se importa tanto que enviou o Seu Filho para morrer em nosso lugar e pagar o preço de nossa redenção. De fato, Ele está tão perto de você que pode, neste exato momento, saber quais são os seus sentimentos, qual é a sua aflição, sua dor e angústia. Mas Ele precisa de mais um tempo. Apenas um pouco mais, “porque, ainda dentro de pouco tempo, Aquele que vem virá e não tardará; todavia, o Meu justo viverá pela fé; e: Se retroceder, nele não se compraz a Minha alma.” (Hb 10:37-38). É só um pouquinho mais!
Pr. Roberto Biagini
Mestrado em Teologia
prbiagini@gmail.com
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