Por Alberto R. Timm
Uma análise detida de Levítico 16, à luz da tradição judaica, revela que o “bode emissário” (hebraico Azazel) é um símbolo de Satanás (e não de Cristo). Essa identificação é sugerida por Levítico 16:8, onde o bode “para Azazel” é mencionado em oposição ao bode “para o Senhor” (Bíblia de Jerusalém), e confirmada pela literatura pseudoepígrafa, onde Azazel é consistentemente descrito como um ser demoníaco e líder das forças do mal (I Enoque 8:1; 9:6; 10:4-8; 13:1; 54:5 e 6; 55:4; 69:2; apocalipse de Abraão 13:6-14; 14:4-6; 20:5-7; 22:5; 23:11; 29:6 e 7; 31:5). Mesmo não aceitando essa literatura como inspirada, é interessante notarmos que I Enoque 54:4-6 fala sobre o futuro aprisionamento dos “exércitos de Azazel”, para serem lançados na fornalha de fogo do “grande dia do juízo”, em termos muito semelhantes ao relato do aprisionamento e castigo final de “Satanás” mencionado em Apocalipse 20. Não é sem motivo que, de acordo com A. E. Cundall, “a maioria dos eruditos aceita que Azazel é o líder dos espíritos maus do deserto” (The Zondevon Pictorial Encyclopedia of the Bible, vol. 1, p. 426).
Embora, em sentido amplo, o próprio dia em que era realizada a purificação anual do santuário fosse chamado de “Dia da Expiação” (Lv 23:27 e 28) e o “bode emissário” ser considerado como parte do abarcante processo expiatório (Lv 16:10), não podemos atribuir a esse bode prerrogativas salvíficas e nem considerá-lo uma espécie de co-redentor com o outro bode. Levítico 16 é claro em afirmar (1) que uma expiação prévia por Arão “e pela sua casa” era efetuada pelo sacrifício de um “novilho” e pela aspersão do seu sangue (versos 11-14); (2) que a “expiação pelo santuário” era realizada pelo sacrifício do “bode da oferta pelo pecado” e pela aspersão do seu sangue (versos 15-19); (3) que o cerimonial envolvendo o bode emissário só iniciava após o término da “expiação pelo santuário, pela tenda da congregação e pelo altar” (versos 20-22); e (4) que outra “expiação” específica pelo sumo sacerdote “e pelo povo” ocorria através do oferecimento de holocaustos, após o bode emissário ser libertado vivo no deserto (versos 23-25). Uma vez que a expiação pelo pecado só ocorria através do “derramamento de sangue” (Hb 9:22; Lv 17:11), e que o bode emissário não era sacrificado (Lv 16:21 e 22), cremos que a função desse bode era simbolicamente punitiva e não redentiva.
Por outro lado, pretender que o “bode emissário” é um símbolo de Cristo significa desconhecer as funções distintas dos dois bodes mencionados em Levítico 16, bem como atribuir características nitidamente demoníacas a Cristo. Não podemos jamais esquecer de que Cristo é descrito nas Escrituras como havendo sido feito “pecado” apenas pelos seres humanos (I Co 5:21), mas nunca por Satanás ou por qualquer dos demais anjos caídos (Jo 14:30; Jd 6).
Fonte: Sinais dos Tempos, outubro de 1998, p. 29.
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