Como a riqueza musical dos Salmos pode inspirar os compositores cristãos hoje
O maior livro da Bíblia é um hinário com 150 poemas e canções: o livro dos Salmos. A beleza de seus versos só encontra paralelo na amplitude de seus temas, que cobrem não só a história da redenção como também as angústias, alegrias e esperanças dos seres humanos.
Mesmo que não saibamos como eram suas antigas melodias, os Salmos têm algo a nos dizer sobre música cristã. Há pelo menos quatro pontos que podem orientar músicos, cantores, regentes e a congregação de adoradores:
1. Criatividade poética. A sugestão de imagens nos Salmos é bastante rica: “O meu corpo Te almeja como terra árida” (Sl 63:1); “Tirou-me de um poço de perdição, salvou-me da lama e meus pés firmou na rocha; Ele me pôs nos lábios nova canção” (Sl 40:2-3); “E se tomar as asas da alva e habitar no extremo do mar, até ali a tua mão me guiará e a tua destra me susterá” (Sl 139:9-10). Em tempos de chavões desgastados e refrões repetitivos, encontramos originalidade, beleza poética e riqueza vocabular nos antigos salmos.
2. Variação temática. Os Salmos convidam ao louvor alegre (Sl 100) e também à exaltação reverente do nome de Deus (Sl 46:10). Nos Salmos, Cristo é apresentado como cordeiro e pastor, como vítima e como salvador. Deus é apontado como criador e mantenedor do mundo (Sl 24) e também como aquele que guia os humildes e ensina os mansos (Sl 25:9). Há salmos de súplica e de esperança (Sl 91), de confissão de pecados (Sl 32) e de declaração de amor à lei de Deus (Sl 119).
O repertório criado pelos músicos cristãos ao longo da história apresenta grande amplitude temática, incluindo hinos de louvor e adoração a Deus (sem deixar de mencionar a Trindade) e cânticos sobre o perdão divino, a cruz, a ressurreição, o chamado missionário, o caráter de Deus, a conversão, a vitória pela fé, o novo céu, a segunda vinda de Cristo etc.. Em contraste, atualmente vigora um repertório evangélico de louvor e adoração que tem reduzido os temas a uma música alegre sobre a soberania do Pai, uma canção apaixonada pelo Filho e um pedido choroso pelo derramamento do Espírito.
Em todo tempo, a diversidade de temas, como nos Salmos, merece ser buscada pelo compositor cristão e pela comunidade de fiéis.
3. A dupla dimensão da vida cristã. Os Salmos revelam uma dimensão teológica objetiva, que proclama a criação, a lei de Deus, o perdão e a salvação, descrevendo o modo divino de agir; e uma dimensão teológica subjetiva, que representa os sentimentos humanos de alegria e reverência, de angústia e esperança.
Esse duplo aspecto teológico sempre esteve presente na prática musical cristã. Assim, há músicas que buscam celebrar a grandiosidade do poder e do amor de Deus e a esperança de Seu povo e há músicas que contam os fracassos e vitórias espirituais de cada um de nós. Há canções que transmitem o “nós”, a coletividade de crentes que adora a Deus, e outras que expressam o “eu”, a individualidade de cada pessoa que está vivendo a experiência cristã em seu cotidiano.
4. A renovação musical. Os Salmos foram escritos num período de 900 anos. Cada capítulo da história do povo de Israel gerava a produção de um novo repertório. Isso nos diz que a inovação musical anda ao lado das canções mais antigas. A inevitável renovação das formas musicais é companheira dos tradicionais hinos que nos conectam às raízes da igreja.
É possível extrair do livro dos Salmos um aprendizado sobre a tensão entre o tradicional e o moderno. Em vez de justificar atritos de gerações e de gostos, essa tensão pode funcionar como ponto de equilíbrio entre sentimento humano e atuação divina, entre o simples e o sofisticado, entre tradição e atualização. Não por acaso, o apóstolo Paulo escreveu que uma igreja cheia do Espírito busca o diálogo “com salmos, hinos e cânticos espirituais”. Tal igreja avançará em sua missão “cantando e salmodiando ao Senhor” (Ef 5:19).
Joêzer Mendonça, doutor em Música (UNASP), é professor da PUC-PR e autor do livro Música e Religião na Era do Pop.
Revista Adventista
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