Dois projetos de lei que preveem o ensino do Criacionismo nas escolas foram desarquivados na Câmara dos Deputados, no início de 2019. São os PLs 8099/2014 e 5336/2016. Tal medida contribuiu para o retorno da antiga discussão sobre ser ou não adequado ensinar o Criacionismo nas escolas. Os projetos de lei evocam o artigo 5º da Constituição Brasileira, que prevê a liberdade religiosa e de expressão. Os argumentos são que o ensino unicamente do Evolucionismo viola a liberdade de crença da maioria dos brasileiros que são adeptos do Criacionismo; e ainda, que esse ensino exclusivo do Evolucionismo na escola gera confusão nas igrejas e priva o aluno de conhecer outros modelos existentes e a liberdade de optar por um deles.1,2 O que realmente deveria ser feito? Deveria o Criacionismo ficar restrito às igrejas e aulas de religião como se tratando apenas de um dogma, ou deveria fazer parte do currículo das disciplinas científicas?
Particularmente, a questão recorda a minha própria experiência com o ensino do Criacionismo e do Evolucionismo ao longo dos anos de estudo. Nos primeiros quatro estudei em escola confessional e aprendi unicamente o Criacionismo na disciplina de Religião. Os quatro anos seguintes do ensino fundamental foram em escola secular, onde o Criacionismo foi abordado de forma muito superficial na disciplina de Ciências da Religião, enquanto o Evolucionismo foi introduzido com grande ênfase nas disciplinas de Biologia, Química e História. No ensino médio, novamente em escola confessional, recordo que modelos sobre a origem da vida foram praticamente ignorados nas disciplinas científicas enquanto o Criacionismo era abordado apenas nas aulas de Religião. Por fim, na faculdade e especialização, cada professor ensinava conforme suas convicções pessoais sobre a origem da vida. Para coibir o ensino do Criacionismo, um dos principais argumentos levantados pelos evolucionistas é de que o modelo está no plano filosófico e não passa de fé religiosa desprovida de evidências científicas.3,4,5 Quanto às evidências, no entanto, com o mínimo de interesse pelo tema já seria possível verificar que são abundantes, e que criacionistas nem sequer são fixistas.6,7 Apelar para o componente filosófico do Criacionismo também demonstra certa ignorância no tema, uma vez que a confiabilidade histórica da Bíblia é bem demonstrada hoje pela arqueologia.8,9,10 Vale lembrar que o Evolucionismo também se baseia na filosofia naturalista,6 e sendo assim, a partir deste princípio, sua abordagem deveria ser evitada nas escolas e universidades tanto quanto o Criacionismo.Mudança de cenário
Em um debate sobre Criacionismo x Evolucionismo, pude presenciar uma conclusão surpreendente em favor do Criacionismo. Após os doutores exporem seus argumentos a favor e contra cada um desses modelos, a polêmica questão sobre o ensino do Criacionismo foi levantada. A surpreendente conclusão foi unânime: o diálogo sobre os modelos de origem da vida deveria ser ampliado, mesmo no ambiente universitário. O debate ocorreu no Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Paraná, em setembro de 2018.
Os prós e contras
Há especialistas favoráveis ao ensino do Criacionismo em todas as disciplinas e ti pos de insti tuições de ensino, como a bióloga e especialista em zoologia Sonia Teresinha de Mello e Silva, e o fí sico Dr. Arthur William de Brito Bergold. Em contraparti da, insti tuições divulgadoras do Criacionismo são contra, em virtude da falta de preparo técnico do corpo docente que traria mais prejuízo do que vantagem para o Criacionismo, como veremos a seguir. Sonia já lecionou no ensino médio e em curso de graduação em Biologia de uma das universidades confessionais mais importantes do país e afi rma ser a favor do ensino do Criacionismo, com a ressalva de que quando for ensinado, o professor deve ser criacionista e ter conhecimento sufi ciente para tal, citando fatos cienti fi camente comprovados quando existi rem. Mas o cenário não é muito favorável, uma vez que, em sua maioria, os professores não possuem preparo para abordar o Criacionismo em sala de aula – como afi rmou o representante ofi cial da Sociedade Criacionista Brasileira (SCB), Dr. Tarcísio da Silva Vieira, biólogo e químico, em entrevista ao jornal Gazeta do Povo. Por esse moti vo, Vieira se posiciona contra o ensino do Criacionismo em escolas e universidades públicas; todavia, é a favor do seu ensino em escolas e universidades confessionais, uma vez que a legislação assim o permite.11
De fato, a obrigatoriedade do ensino do Criacionismo em escolas, principalmente públicas, não é bem vista pela SCB, atualmente, a maior insti tuição sul-americana divulgadora do modelo criacionista das origens. Segundo o atual presidente da SCB, Dr. Marcos Natal Costa, geólogo, a ausência de programas formais de preparação e capacitação de professores em Criacionismo colocaria em risco a qualidade do ensino e a fi delidade em relação aos princípios e convicções envolvidos. Costa avalia também que o Criacionismo abrange grande quanti dade de narrati vas, desde aquelas que advogam uma Terra e o próprio Universo completamente jovens, até o Evolucionismo Teísta que defende que os processos evoluti vos foram guiados por um Deus transcendente. O geólogo lembra ainda que, embora o Brasil seja um país de maioria cristã, denominações não cristãs como as religiões orientais e afro-brasileiras, e mesmo segmentos sociais com narrati vas disti ntas, também deveriam ser incluídas no mesmo programa. No caso das escolas privadas ou confessionais, a opção fi caria por conta dos dirigentes ou da mantenedora, desde que cumpridos os requisitos estabelecidos pelo Ministério da Educação (MEC).As pessoas e as ideias envolvidas na questão se situam em contextos muito abrangentes, sendo necessário alargar o panorama, como alerta o físico Dr. Arthur William de Brito Bergold, que possui grande experiência como professor em escola confessional e atualmente em universidade pública federal. Para ele, se o termo Criacionismo designa uma área do conhecimento humano, deveria haver espaço para que fosse debatido em qualquer instituição de ensino e em qualquer nível de instrução. Entretanto, grande parte da população considera o Criacionismo como simples doutrinação religiosa, e, nesse caso, é de se esperar que a sua discussão se restrinja aos círculos religiosos e filosóficos. Bergold defende que, em instituições confessionais, o Criacionismo pode ser abordado em qualquer disciplina na qual o professor se sinta habilitado e confortável para desenvolvê-lo. Ele também não vê problema no seu ensino em instituições públicas, desde que isso seja feito com o consentimento da equipe pedagógica e por alguém preparado para ensinar de forma eficiente e não pejorativa, circunstância dificilmente presente numa instituição pública. Bergold destaca também que a educação formal no Brasil só ocorre no interior de instituições credenciadas e autorizadas pelo MEC, e explica que nesse processo é elaborado um projeto de ensino que leva em consideração as demandas e anseios da comunidade e da mantenedora, bem como a capacidade e habilidade da equipe pedagógica. Tudo isso envolve um currículo que não pode ignorar a realidade da comunidade a que é dirigido. Se a comunidade e a equipe pedagógica sentem-se desconfortáveis com o ensino do Criacionismo, isso indica que são poucos os membros que detêm a cosmovisão bíblica e sua representatividade é baixa. Nessa situação, não faz sentido discutir de maneira formal o tema Criacionismo com os alunos. De todomodo, um professor universitário pode, por exemplo, ofertar uma disciplina optativa sobre a cosmovisão criacionista, se tiver aprovação de seus pares. Um estudante pode propor ou apresentar uma discussão sobre o tema, mas é necessário cautela para que o assunto não seja apresentado de forma preconceituosa ou invasiva. Todos os participantes devem estar cientes dos benefícios que essa discussão pode trazer, como uma compreensão mais abrangente das diferentes visões de universo, inclusão do pensamento das minorias, enfraquecimento do monopólio intelectual, contextualização interdisciplinar, construção multifacetada da epistemologia do conhecimento, e outros, explica o Dr. Bergold. Caso os possíveis participantes da discussão não tenham capacidade de enxergar esses benefícios, é melhor que não se discuta o tema, pois não será proveitoso.
Concluindo suas deliberações, ele enfatiza ainda que mesmo em ambientes que se demonstram mais “hostis” à visão criacionista, tanto professores quanto alunos criacionistas podem abordar e promover a discussão do tema. Essa discussão pode ocorrer durante atividades informais que compreendem o convívio e a interação social, bem como através de atividades não formais, onde um grupo de pessoas se reúne para aprender algo sem estar atrelado a uma instituição formal. Isso pode ocorrer através de visitas a parques e museus, escolas de artes, redes sociais, clubes, blogs, canais de assuntos específicos, entre outros.
Fragilidades ocultadas e a visão crítica
Em todas as colocações, dos professores favoráveis ao ensino do Criacionismo nas escolas públicas ou do posicionamento contrário expresso pela SCB, percebe-se claramente uma expressão de preocupação com o preparo do professor que irá abordar o tema. É importante ressaltar que os criacionistas não se opõem de forma alguma ao ensino do Evolucionismo, mas, antes, que esse ensino também seja realizado por professores devidamente preparados e de forma coerente com os dados científicos existentes, evidentemente. Um exemplo da falta de visão crítica e honestidade sobre as fragilidades do modelo evolutivo está na diferenciação entre micro e macroevolução. O tema deveria ser trabalhado nas aulas de evolução, demonstrando como esta última é baseada em suposições e não em experimentos científicos testáveis. Os estudantes deveriam saber que, apesar das variações de baixo nível (microevolução) serem verificáveis na natureza e em laboratório, essas pequenas diferenciações que ocorrem entre os seres vivos não fornecem qualquer evidência de que saltos evolutivos que nunca foram presenciados poderiam ocorrer em períodos de milhões de anos.6 As espécies de vertebrados que parecem estar evolutivamente ordenadas no registro fóssil, possuem explicação testável para sua deposição através dos experimentos com flutuabilidade seletiva, por exemplo, que favorece a cosmovisão criacionista.12 Enquanto os fósseis de transição que seriam esperados na cosmovisão evolucionista seguem escassos e as espécies parecem surgir de forma abrupta.13-17 Outro exemplo é a recente descoberta da presença de material genético de microorganismos modernos na escala evolutiva no interior de fósseis de dinossauros; microorganismos estes, que não fazem parte das rochas escavadas. Os autores do artigo demonstram-se surpresos em como essas bactérias modernas evolutivamente, e de outra região, foram capazes de penetrar tão profundamente nas rochas e fósseis soterrados há milhões de anos.18 Seria muito mais coerente com a observação destes dados, assumir a possibilidade de que aqueles fósseis também são recentes; e que teriam sido arrastados de outro ecossistema para aquela região e soterrados ali por ocasião de uma catástrofe, como pressupõe o modelo criacionista.12
Este tipo de visão crítica em relação a conceitos pré-estabelecidos pode abrir o leque de possibilidades científicas. E mesmo que em última instância seja inviável o ensino do Criacionismo em algumas instituições, a honestidade intelectual e correta apresentação dos dados científicos no ensino do Evolucionismo formaria alunos com capacidade de refletir, questionar e investigar os conceitos em ambas as posições sobre as origens.Desta forma, estimula-se o livre progresso do conhecimento científico ao evitar que modelos e posições sobre a origem da vida se transformem em dogmas científicos.
* Fixismo: pensamento de que nenhum tipo de variação biológica pode ocorrer nos descendentes das espécies de seres vivos conhecidas.
Roberto Lenz Betz é médico neurologista, diretor do Núcleo Curitibano da Sociedade Criacionista Brasileira e editor da Origem em Revista.
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Referências:
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2. Feliciano, M. Projeto de lei n. 8099, de 2014. Câmara dos Deputados, 2014. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1286780&filename=PL+8099/2014. Acesso em: 30 jul. 2019.
3. Martins, M. V. O criacionismo chega às escolas do Rio de Janeiro: uma abordagem sociológica. Revista ComCiência, n. 56, 2004.
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8. Thompson, J. A. A Bíblia e a arqueologia. Arte Editorial, 2007.
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10. Silva, R. P. Escavando a Verdade. A arqueologia e as incríveis histórias da Bíblia. 2ª ed. São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2008.
11. Tarcisio Vieira, biólogo: “para que o criacionismo seja um bom modelo, precisa reconhecer que o evolucionismo é uma boa teoria”. Gazeta do Povo, 05 jan 2009. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/tubo-de-ensaio/tarcisio-vieira-biologo-para-que-o-criacionismo-seja-um-bom-modelo-precisa-reconhecer-que-o-evolucionismo-e-uma-boa-teoria. Acesso em: 30 jul. 2019.
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18. Saitta, E. T.; et al. Cretaceous dinosaur bone contains recent organic material and provides an environment conducive to microbial communities. eLife, v. 8, p. e46205, 2019.
recomendarei a todos
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